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CAPÍTULO 3 – CASO IBSEN PINHEIRO

3.19. A COBERTURA DA FOLHA NO CASO IBSEN PINHEIRO

Como vimos no estudo feito até agora toda e qualquer acusação ou investigação sobre a CPI dos Anões do Orçamento respingaram com grande força sobre o deputado Ibsen Pinheiro. A investigação, como já bem dissemos, virou a CPI do Ibsen. Isso se torna notório mais uma vez na cobertura da Folha de S. Paulo. A exemplo dos demais concorrentes da

310 BUCCI, 2000, p. 186. 311 SILVA, 2000.

imprensa, as notícias foram sem profundidade, guardando, sobretudo, informações oficiais da CPI.

É interessante notar, sobretudo, a ‗similaridade‘ da cobertura da Folha de S. Paulo com os demais jornais. O jornal paulista iniciou sua cobertura na edição do dia 9 de novembro de 1993. O título ―Novas acusações abrem crise na CPI‖, mostrava que a CPI do Orçamento entrou em crise após divulgação de acusações contra o deputado Ibsen. A Folha de S. Paulo só foi, entretanto, acusar diretamente Ibsen de corrupção na edição seguinte: ―CPI descobre novas contas de Ibsen‖. ―A CPI do Orçamento descobriu que o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) abriu seis cadernetas de poupança, seis dias antes do bloqueio do Plano Collor, em março de 90. Foram encontrados depósitos em cheques de US$ 160 mil. A CPI quer saber a origem dos recursos‖312.

É interessante notar que o Jornal Folha de S. Paulo foi mais um meio de comunicação da grande mídia a utilizar um ‗selo/logo‘ em suas coberturas sobre o caso da CPI do Orçamento e, consequentemente, sobre o caso Ibsen Pinheiro. O logo SUPERESCÂNDALO, foi utilizado todas as vezes em que o jornal produziu reportagens sobre o episódio. Na primeira vez, foi na página interna (A-6), da edição do dia 11 de novembro. Para a Folha de S. Paulo, Ibsen estava envolvido em um superescândalo. Na mesma página interna, uma foto mostra o deputado gaúcho, já sendo o principal ‗protagonista‘ das acusações, falando ao telefone e a legenda da foto com o seguinte texto: ―O deputado Ibsen Pinheiro (PSDB-RS) fala ao telefone no Salão Verde da Câmara‖.

O jornal deu um pequeno espaço para que o deputado se explicasse. Mas, as poucas linhas de explicações foram ofuscadas pela matéria principal da denúncia.

O deputado Ibsen Pinheiro (PSDB-RS) disse ontem que as quantias que aparecem depositadas periodicamente em suas contas, de cerca de US$ 10 mil313 referem-se

―provavelmente‖ à liberação, a partir de outubro de 91, dos cruzados bloqueados no governo Collor. Ele disse que teve apreendido naquela época algo em torno de US$ 150 mil. Segundo Ibsen, notícias publicadas em jornais de ontem, sobre o assunto ―foram plantadas‖. Ele disse que os textos não especificaram os depósitos, seus valores exatos e datas. ―Embora eu não seja abonado, US$ 10 mil na minha econômica não é desproporcional‖314.

312 Folha de S. Paulo, 9 de novembro de 1993, capa.

313 Nota-se aqui que tanto a Folha de S. Paulo, como O Estado de S.Paulo, e a Revista Veja trouxeram valores

diferentes. Ou seja, qualquer depósito feito nas contas do deputado já constavam como suspeitos. Desta forma, o leitor da época viu um emaranhado de valores nas contas e poupança do deputado.

A cobertura do ―superescândalo‖ deixa uma pista também de que a imprensa utilizou sua própria ‗ética‘ para desenvolver sua cobertura do caso.

Isso foi identificado claramente por Cláudio Abramo em seu livro ―A Regra do Jogo – o jornalismo e a ética do marceneiro‖. Ao tratar do assunto ele diz:

Evidentemente, a empresa tem a sua ética, que é a dos donos. Pode variar de jornal para jornal, mas o que os jornalistas deveriam exigir seria um tratamento mais ético da empresa em relação a eles e seus colegas. Isso não tem acontecido. É preciso uma atitude muito ética dentro da redação: os chefes e os responsáveis pelo jornal têm de dar o exemplo ao pessoal mais novo, senão é o caos. Um chefe de redação que tolera hipocrisia e golpes baixos contra funcionários do jornal perde a ética e o direito de usar essa palavra.

A resolução da questão ética depende também do que o jornalista considera seu dever de cidadão. Caso ele saiba de algo que põe em perigo a pátria, que põe em perigo o povo brasileiro, o dever do cidadão deve se refletir na profissão. O limite do jornalista é esse, ou seja, o limite do cidadão. Se um médico souber que estão preparando um golpe de Estado, ele tem a obrigação de contar, se for contra. Se for a favor, ele não tem obrigação. A ética do jornalista, portanto, é um mito que precisa ser desfeito. O jornalista não pode ser despido de opinião política. A posição que considera o jornalista um ser separado da humanidade é uma bobagem. A própria objetividade é mal-administrada, porque se mistura com a necessidade de não se envolver, o que cria uma contradição na própria formulação política do trabalho jornalístico. Deve-se, sim, ter opinião, saber onde ela começa e onde acaba, saber onde ela interfere nas coisas ou não. É preciso ter consciência. O que se procura, hoje, é exatamente tirar a consciência do jornalista. O jornalista não deve ser ingênuo, deve ser cético. Ele não pode ser impiedoso com as coisas sem um critério ético. Nós não temos licença especial, dada por um xerife sobrenatural, para fazer o que quisermos315.

E, seguindo na cobertura, a Folha de S. Paulo trouxe na edição do dia 12 de novembro, mais um valor de depósito na conta do deputado. ―Ibsen tinha mais US$ 340 mil no Banrisul‖ foi o título da reportagem da página 6.

Na linha fina, o jornal afirma que a descoberta contradizia com a versão do deputado, de que seus investimentos em 90 se limitavam às poupanças na CEF.

É como se praticamente todos os jornais ‗cegassem‘ seus olhos e direcionassem a cobertura para os ataques, característica percebida por Mário Rosa.

Segundo ele, ―em situações de grande comoção, quando a busca frenética pela última novidade aprisiona o olhar da mídia, é normal que grandes equívocos venham à tona. O difícil é conviver com essa variável sempre presente no rastro das grandes crises‖ 316.

Ou seja, quando a grande imprensa busca um foco, dificilmente ela terá olhos para o ‗outro lado‘.

315 ABRAMO, 1988, p. 29.

316 ROSA, 2007, p. 45

Ao falar sobre o assunto, Rosa também diz que é difícil controlar a mídia. Ou seja, se ela busca um foco e segue com informações mesmo que contraditórias, dificilmente ela mudará de posição.

É claro que ninguém vai conseguir controlar a mídia. A imprensa é livre, mas se as posições da empresa (ou da pessoa que está sendo atingida por ela) forem consistentes as informações forem passadas com frequência e de forma cadenciada, a vontade de especular sobre o assunto vai diminuindo progressivamente 317.

A imprensa, na verdade, é uma empresa e como empresa defende interesses particulares e, na maioria das vezes, não abre mão deles.

Voltando a análise da cobertura, no dia 13 de novembro de 1993, o Jornal Folha de S. Paulo trouxe reportagem sobre um novo valor nas contas de Ibsen. Desta vez, o mesmo valor pelo qual se pautou a revista Veja na reportagem ―Até tu Ibsen?‖: US$ 1 milhão.

Segundo a Folha, na ocasião, a CPI achou novos cheques da Banrisul e no Meridional e a soma se contradizia às declarações do deputado à comissão.

Eis a ‗salada‘ de números publicados na reportagem de capa da Folha de S. Paulo naquela edição:

A CPI do Orçamento descobriu depósitos de US$ 882 mil na conta do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) no Banrisul entre 89 e 93. Foi encontrado também cheque de US$ 170 mil no Banco Meridional. Com os US$ 51 mil recebidos de Genebaldo Correia, a comissão já achou US$ 1,1 milhão de Ibsen. À CPI, o deputado declarou ter US$ 145 mil. Em nota disse ontem que dará, ―no local e momento adequados, todas as satisfações‖318.

Na página interna, a Folha trouxe a seguinte matéria: ―CPI revelou que depósitos a Ibsen superam US$ 1 mi‖.

De mãos atadas, o deputado gaúcho praticamente foi vítima da contra-informação. Ou seja, surgiram várias notícias de depósitos, de valores diferentes, que engrossaram as denúncias e dificultaram as justificativas do deputado. O próprio Ibsen reconheceu essa dificuldade onze anos depois do escândalo, durante entrevista para a Revista IstoÉ:

Nenhum desses episódios que sofri tem o condão de me tornar amargo ou vingativo. Eu os atribuo à natureza do processo político: primeiro, destruir a imagem de seu alvo; segundo, emudecer-lhe a voz. Não que ele não fale, ele fala, mas ninguém o escuta. Dez anos depois, pode ser319.

317 ROSA, 2007, p. 47

318 Folha de S. Paulo, 13 de novembro de 1993, capa. 319 IstoÉ, 18 de agosto de 2004.