• Nenhum resultado encontrado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA"

Copied!
204
0
0

Texto

(1)

EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA

QUANDO A MÍDIA VIRA ESCÂNDALO: A COBERTURA DOS CASOS ALCENI GUERRA E IBSEN PINHEIRO (1991-1993)

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

(2)

EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGANCIA

QUANDO A MÍDIA VIRA ESCÂNDALO: A COBERTURA DOS CASOS ALCENI GUERRA E IBSEN PINHEIRO (1991-1993)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, como exigência para obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.

Orientadora: Profª. Vera Chaia

(3)

Banca Examinadora

(4)

AGRADECIMENTOS

Para desenvolver essa dissertação foi necessário um importante trabalho de pesquisa. Desta forma não poderia deixar de fazer agradecimentos a quem contribuiu para que esse trabalho fosse concluído. Começo pelos funcionários da Biblioteca do Centro Cultural de São Paulo que disponibilizaram cópias das Revistas Veja e IstoÉ. Ao Arquivo doEstado. Foi por meio deste órgão que todas as fotocópias dos Jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, sobre os casos Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro, foram adquiridas.

É importante também fazer agradecimento especial ao Arquivo da Câmara Federal, em Brasília, que encaminhou por e-mail as páginas microfilmadas do Jornal Correio Braziliense. A Capes pela bolsa de estudos e à PUC-SP por acreditar neste trabalho.

Considerando esta dissertação de mestrado como resultado de uma caminhada importante em minha carreira acadêmica, agradeço, particularmente, minha orientadora professora-doutora Vera Chaia - mulher de muita paciência - pela direta contribuição na construção deste trabalho, os professores Carlos Melo e Carmen Junqueira pelas observações

feitas no exame de qualificação e que foram seguidas por este “escudeiro” no decorrer da

pesquisa.

(5)

RESUMO

Esta dissertação tem como objeto de estudo a cobertura dos jornais impressos Correio Braziliense, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, além da Revista Veja, sobre os escândalos políticos ocorridos no início da década de 1990. O primeiro, em 1991, contra o então ministro da Saúde, Alceni Guerra, na gestão do presidente Fernando Collor e o segundo contra o deputado federal Ibsen Pinheiro, em 1993.

O trabalho busca verificar o comportamento destes meios de comunicação e qual a tendência nas coberturas. Nesses episódios, os políticos em questão levaram, por parte da imprensa, a classificação de corruptos e tiveram suas reputações abaladas.

(6)

ABSTRACT

This dissertation has as object of study the coverage of printed newspapers Correio Braziliense, Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo, Veja magazine, about the political scandals that occurred in the early 1990. The first, in 1991, against the then Health Minister, Alceni Guerra, managing President Fernando Collor and the second against the federal representative Ibsen Pinheiro, in 1993.

The work seeks to verify the behavior of these media and what the trend in toppings. In these episodes, the politicians in question carried by the press the corrupt rating and had their reputations shattered.

(7)

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ...4

RESUMO ...5

ABSTRACT...6

1. INTRODUÇÃO ...10

1.1. BUSCA PELA IMPARCIALIDADE...13

1.2 .IMPERFEIÇÕES HISTÓRICAS...14

1.3. ASSIS CHATEAUBRIAND...16

1.4. PASQUINS...18

1.5. A MÍDIA COMO APARELHO PRIVADO DE HEGEMONIA...24

1.6. OBJETOS DA ANÁLISE...26

2. ESTRUTURA METODOLÓGICA...27

2.1 JUSTIFICATIVA PARA A ESCOLHA DAS FONTES ...30

2.2. QUEM É QUEM NAS FONTES ESCOLHIDAS ... 33

2.3. PERÍODO DOS RECORTES... 36

3. DEFINIÇÃO DE ESCÂNDALO NA PERSPECTIVA DE JONH B. THOMPSON...37

CAPÍTULO 1 – PERÍODO HISTÓRICO DOS ESCÂNDALOS...44

1.1. GOVERNO COLLOR E A CRISE POLÍTICA...44

1.2. LUIS COSTA PINTO...54

CAPÍTULO 2 – CASO ALCENI GUERRA...56

2.1. ALCENI GUERRA E O SONHO DE SER MINISTRO...56

2.2. A SUPOSTA COMPRA SUPERFATURADA DE BICICLETAS POR ALCENI GUERRA ...57

2.3. FATOS POLÍTICOS E O PAPEL EXERCIDO PELA MÍDIA...64

(8)

2.5. SEM MEDO DE ACUSAR, A PROFECIA DA NOTÍCIA ...70

2.6. VEJA „EMBARCA‟ NAS ACUSAÇÕES DO CORREIO ...72

2.7. COBERTURA MAIS MODERADA DO ESTADÃO, MAS NÃO MENOS PREJUDICIAL ...77

2.8. POR QUE A FOLHA NÃO POUPOU O MINISTRO DE COLLOR? ...82

2.9. AS REPORTAGENS ACUSATÓRIAS ...86

2.10. A IMPRENSA FECHA OS OLHOS PARA AS EXPLICAÇÕES DE ALCENI ...93

CAPÍTULO 3 – CASO IBSEN PINHEIRO ...96

3.1. IBSEN PINHEIRO E A MÁFIA DOS ANÕES DO ORÇAMENTO ...96

3.2. IBSEN: REVISTA VEJA ...98

3.3. A VIDA „ESPARTANA‟ DE IBSEN ...105

3.4. IBSEN TEM POUCO ESPAÇO NA MÍDIA...107

3.5. CPI DO ORÇAMENTO VIRA A CPI DO IBSEN ...108

3.6. A DESCOBERTA DE UM ERRO: A IMPRENSA „VIRA‟ ESCÂNDALO POLÍTICO ...108

3.6.1. CINEMA ...111

3.7. DENÚNCIAS QUE SE ENFRAQUECEM ...113

3.8. QUEM REPRESENTA A OPINIÃO PÚBLICA? ...117

3.9. O TROFÉU DE „CORRUPTOLOGIA‟ ...119

3.10. A CASSAÇÃO DE IBSEN, TROFÉU DA MÍDIA...120

3.11. A VERDADE APARECE 11 ANOS DEPOIS ...120

3.12. PEDIDO DE DESCULPAS. MAS, TARDE... ...122

3.13. UMA CARTA REVELADORA ...124

3.14. DISPUTA EDITORIAL ENTRE AS REVISTAS...133

3.15. PARA VEJA, ERRO NÃO FOI PROPOSITAL. FOI VIRTUDE DE CHECAGEM RIGOROSA ...135

3.16. JORNALISTA CASSADO E CONDENADO ...136

3.17. O QUE FALARAM ESTADÃO, FOLHA E CORREIO SOBRE IBSEN ...139

3.18. A COBERTURA DO ESTADÃO CONTRA „OURIBSEN‟ ...141

3.19. A COBERTURA DA FOLHA NO CASO IBSEN PINHEIRO ...147

(9)

3.21. NA COBERTURA DO CORREIO, CASO SAI DA ESFERA POLÍTICA PARA A

POLICIAL...158

3.22. A POLÍTICA É INSTÁVEL E SEMPRE TRÁGICA ...161

CAPÍTULO 4 “AGENDA OCULTA”: COMPORTAMENTO DA MÍDIA E AS ALTERNATIVAS DE CONTROLE DEMOCRÁTICO...165

4.1. CONSELHOS DE ÉTICA E 0800...165

4.2. ACCOUNTABILITY PARA OS ÓRGÃOS DE IMPRENSA ...168

4.3. LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO É LIBERDADE DA IMPRENSA ...170

4.4. A IMPRENSA DE „RABO PRESO‟ COM QUEM? ...173

4.5. A IMPRENSA ALTERNATIVA ...173

4.6. A NECESSIDADE DE DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA ...177

4.7. A NECESSIDADE DE MUDAR TODO O SISTEMA ...181

4.8. SUGESTÕES DE DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA ...182

4.9. DIPLOMA E LEI DE IMPRENSA ...184

4.10. PORQUE REGULAMENTAR A MÍDIA? FATOS POLÍTICOS QUE ENVOLVEM A IMPRENSA TRANSFORMANDO-A EM ESCÂNDALO POLÍTICO...184

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...193

(10)

1. INTRODUÇÃO

―O que o povo quer, esta casa acaba querendo‖. Esta foi a ‗célebre‘ frase pronunciada por Ibsen Pinheiro, deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, em 1992. Referia-se à abertura do processo de cassação contra o então presidente Fernando Collor de Mello. Eleito em dezembro de 1989, Collor de Mello obteve cerca de 35 milhões de votos.

Era o primeiro presidente a conquistar o voto popular, com base na Constituição democrática de 1988. Havia quase trinta anos que o eleitorado brasileiro elegera diretamente o seu presidente pela última vez, em 1960. Parecia, enfim, efetivada a demanda central da campanha Diretas Já e do movimento pela democratização do País.

Mas, em maio de 1992, Collor foi acusado por seu irmão Pedro Collor de associação em esquema de corrupção gerenciado pelo tesoureiro de sua campanha eleitoral. Em seguida, formou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Em setembro daquele mesmo ano, a Câmara dos Deputados autorizou, por ampla maioria, a abertura do processo de impeachment em meio a uma onda de manifestações populares que demandavam do Congresso. Foi diante de todo esse contexto que Ibsen pronunciou a frase acima.

Não seria tarefa fácil comandar um processo de cassação contra um presidente eleito por voto democrático com qualidades e circunstâncias que o levaram ao posto mais alto do País. Para Carlos Melo, autor do livro ―Collor – O Ator e Suas Circunstâncias‖, Collor tinha um perfeito sentido do timing jornalístico e, portanto, político1.

Melo lembra também que Collor possuía habilidade de comunicação com o povo, ―o tino para se apropriar do discurso da modernidade econômica‖ – que pedia há tempos por um líder que o encampasse - e aquilo que o pensador florentino Maquiavel chamava de fortuna ou simplesmente sorte.

Ele chama de ―Fenômeno Collor‖, o processo que levou Fernando Collor de Mello à Presidência da República e ao impeachment. ―A trajetória meteórica e o balanço do processo de transformações que promoveu têm dado ao ex-presidente aura de fenômeno particular e excentricidade política‖2.

1 Jornal O Estado de S. Paulo, edição 29 de setembro de 2012.

2 MELO, Carlos Alberto Furtado de. Collor: O ator e suas circunstâncias. São Paulo: Editora Novo Conceito,

(11)

A explicação deste fenômeno é feita por Melo em sete capítulos de seu livro. No primeiro, por exemplo, trata da questão do ―populismo‖ 3 exercido por Collor.

Para ele, a retórica populista e o aproveitamento das brechas do sistema político, de modo a permitir a expressão de personalismos, voltam à cena com frequência.

O discurso anunciando soluções mágicas vinculadas à vontade política exclusiva do governante – desvinculado da negociação e do acerto de contas entre os diferentes interesses da sociedade – permanece ainda hoje. Mesmo a aparente sensação de confronto com a elite é recorrente nos arroubos da retórica populista. Salvadores da

Pátria surgem afirmando que resolverão problemas com ―uma única bala‖, como ―um ippon‖, expulsando ―a corja que vilipendia o povo e o País‖, como se expressou

Fernando Collor em várias oportunidades. A vinculação do populismo à demagogia não está incorreta. O fenômeno, porém, é mais complexo4.

E mais: Melo, em seu livro, afirma que

a ascensão de Fernando Collor à Presidência da República do Brasil foi resultado de uma rara habilidade em compreender e aproveitar as circunstâncias gerais do País e do mundo com a capacidade de enfrentar os desafios com que o ator político normalmente se depara. Sua queda pode ser entendida como a falta da exata compreensão sobre o modo e as características do funcionamento do sistema político do Brasil, onde apenas os milhões de votos e a popularidade conquistada na eleição

– e na empolgação dos primeiros meses de mandato – não bastam. Esta habilidade para o jogo eleitoral e esta falta de compreensão das regras do poder, simultâneas, podem ser melhor avaliadas na análise da biografia do ator.5

Por toda a importância política da presidência de Fernando Collor, Ibsen Pinheiro teve seu momento de glória ao presidir a sessão da Câmara dos Deputados que aprovou o impeachment do ex-presidente, em 28 de agosto de 1992. Além disso, teve ampla exposição na mídia.

O parlamentar do PMDB gaúcho, também jornalista e promotor aposentado, era tido como reserva moral do Legislativo. Seu nome chegou a ser cogitado como potencial candidato à Presidência da República nas eleições de 1994.

Mas, em setembro de 1993, a Revista Veja revelou um escândalo político que ficou conhecido como "Máfia dos Anões do Orçamento" - congressistas se envolveram em fraudes com recursos do Orçamento da União até serem descobertos e investigados.

3 O próprio autor diz que o conceito é controverso. Diz que há muita confusão a esse respeito. Afirma ainda que

o termo tem sido utilizado também como categoria científica nas ciências sociais, também como uma forma de desqualificação de adversários nas disputas políticas. Além disso, afirma o autor, tem servido para designar práticas de governo consideradas pouco responsáveis do ponto de vista da saúde das finanças públicas e do zelo orçamentário. Mas, Melo esclarece que um político populista não significa, necessariamente, um governante populista.

(12)

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada na Câmara e, depois de dois meses de trabalho, as investigações associaram o nome de Ibsen Pinheiro. Uma foto do presidente da Câmara em companhia de alguns dos "anões" investigados, considerada prova de crime de formação de quadrilha, e uma movimentação financeira de mil dólares transformou-se em uma megaoperação de 1 milhão de dólares. Descobriu-se depois que essa contabilidade estava equivocada. Comprovou-se, muito mais tarde, que Ibsen era inocente.

Em 11 de novembro de 1993, a manchete de capa da Veja ―Até tu, Ibsen?" sustentava as acusações. No ano seguinte, o deputado teve seu mandato cassado pela Câmara.

Terminava, pelo menos naquele momento, a imagem de ‗homem público honesto‘ que acompanhava o deputado. Era mais um caso de escândalo político, no início dos anos de 1990, em pleno governo Collor.

Mas, esse não foi o único. Aliás, o primeiro aconteceu dois anos antes. Alceni Guerra foi deputado federal e ministro da Saúde durante o governo Collor. Teve sua vida marcada pelo ―escândalo das bicicletas‖. O motivo: teria comprado 500 bicicletas e muitos guarda-chuvas que seriam distribuídos aos agentes de saúde em campanha contra a dengue no nordeste. Foi o suficiente para ser acusado de superfaturamento na compra das bicicletas. Reportagens e charges serviram para ridicularizá-lo e forçando-o para que pedisse demissão.

Na época, em 1991, o procurador-geral da República, Aristides Junqueira, refez as investigações e informou ao ministro que nada foi encontrado que caracterizasse corrupção. Guerra foi inocentado e voltou para a política, mas não conseguiu se recuperar dos danos morais causados pelas notícias.

Os jornais Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, além da Revista Veja, exploraram os escândalos nos seus noticiários. Aliás, Vera Chaia afirma que

―uma das características da comunicação midiática é a possibilidade de divulgar e de circular informações referentes a um determinado escândalo numa esfera que

transcende o tempo e o espaço da sua ocorrência‖. O escândalo pode se espalhar rapidamente e de maneira incontrolável, sendo difícil reverter o processo, tanto que uma das consequências imediatas do escândalo político é o prejuízo que traz à reputação dos indivíduos envolvidos, portanto esse é um risco que sempre está presente quando um escândalo irrompe. Thompson considera que a reputação possui um 'symbolic power', pois é um recurso que os indivíduos podem acumular, cultivar e proteger6.

6 CHAIA, Vera; TEIXEIRA, Marco Antônio. Democracia e escândalos Políticos. Revista São Paulo em

(13)

Ibsen Pinheiro e Alceni Guerra foram injustiçados pela grande imprensa? Ou a mídia apenas teve seu papel central: o de informar.

Esse interesse foi demonstrado na divulgação dos dois episódios, com os órgãos de imprensa em questão, utilizando todas as suas ferramentas de divulgação: títulos-manchetes, charges, chamadas de capa, etc. Ibsen e Alceni vão dizer no decorrer deste trabalho que o comportamento da mídia foi exagerado e parcial. O certo é que, mesmo tarde, uma parte dos meios de comunicação reconheceu, sobretudo, a Revista Veja, que houve ‗erro‘, um certo exagero (essa „confissão‟ será vista no decorrer desse trabalho), mas nenhum veículo acredita na suposta parcialidade nas coberturas.

1.1. Busca pela imparcialidade

A imparcialidade é perseguida por todas as principais publicações. Esse princípio clássico do jornalismo tem como pressuposto o poder da verdade, dos fatos para esclarecer os cidadãos, conforme Moretzsohn7.

No Brasil, nenhum jornal tem seu posicionamento ―político-partidário‖ declarado. É em torno da suposta imparcialidade que se busca construir as coberturas jornalísticas.

A tese de mestrado ―A cobertura da Revista Veja no primeiro mandato do presidente Lula‖ de Fábio Jammal Makhoul é importante para entender um pouco do posicionamento da mídia. Ele diz que com a profissionalização dos jornalistas, ao longo dos séculos XIX e XX, foram estabelecidos valores como a objetividade, a independência, a verdade, além de normas que constroem os contornos de representações profissionais bem definidos do ―bom‖ ou ―mau‖ jornalista.

Makhoul utiliza o pensamento de Nelson Traquina para dizer que a ideologia jornalística e a sociedade forneceram igualmente o ethos - que define membros da comunidade jornalística - que o papel social é de informar os cidadãos e proteger a sociedade de eventuais abusos de poder, ou seja, ser um contrapoder8.

7MORETZSOHN, Sylvia. A velocidade como fetiche o discurso jornalístico na era do "tempo real". Trabalho de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2000.

8 MAKHOUL, Fábio Jammal. A cobertura da Revista Veja no primeiro mandato do presidente Lula. Trabalho

(14)

Mas, para Juremir Machado Silva, ―o pensamento do jornalista é humano e funciona a partir de uma bagagem cultural e ideológica‖9. Ele diz que isenção nada mais é do que ―o

nome que se dá a opinião que recebe o apoio de um grupo em condição de fazer valer as suas ideias em determinada situação‖10. Assim, se Ibsen e Alceni vão reclamar da parcialidade da

mídia é possível entender que ―abusos‖ ocorram nas coberturas.

1.2. Imperfeições históricas

As ‗imperfeições‘ da mídia são históricas. A imprensa brasileira, segundo Nelson Sodré, ―nasceu com o capitalismo e acompanhou o seu desenvolvimento‖11. Ele, de antemão,

revela um enquadramento materialista à história da imprensa.

Para Sodré, a infraestrutura capitalista determinou e condicionou a gênese e evolução dos jornais, no Brasil. Ele revela que o surgimento e o desenvolvimento da imprensa resultaram da ―necessidade social‖ da burguesia mercantil em possuir dispositivos técnicos de disseminação ideológica, crescentemente potentes e aprimorados, que facultassem a sua ―ascensão‖ à categoria de classe dominante e a prevalência indefinida do seu domínio12.

Para Jorge Pedro Sousa, em ―As histórias da imprensa de Nelson Werneck Sodré e de José Manuel Tangarrinha: uma comparação‖13, o próprio conceito de liberdade de imprensa é

encarado por Sodré14 como um conceito burguês surgido para subtrair ao Estado e à aristocracia, em benefício da burguesia mercantil, o controle sobre a imprensa, em um contexto de luta de classes.

O livro de Sodré é dividido em seis capítulos - dedicados à imprensa colonial, à imprensa da independência, ao pasquim, à imprensa, no Império, à grande imprensa e à crise da imprensa - onde é possível verificar a imprensa de ontem e de hoje. Ele revela, por exemplo, que a Independência do Brasil trouxe ao invés da liberdade de imprensa, a continuação da censura e da repressão. ―É na medida em que compreendem a necessidade de

9 SILVA, Juremir Machado. A miséria do Jornalismo Brasileiro: as (in) certezas da mídia. Petrópolis: Vozes,

2000, p.24.

10 Silva, 2000, p.35.

11 SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. X. 12 Ibid, p. 2-3, 5-6 et passim.

13 SOUSA, Jorge Pedro. As histórias da imprensa de Nelson Werneck Sodré e José Manuel Tangarrinha: uma

comparação. Trabalho baseado numa comunicação ao XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2011.

(15)

limitar a Independência que os representantes da classe dominante colonial opõem restrições à liberdade de imprensa‖15.

Em um dos capítulos do livro, Sodré fala dos pasquins. A situação política pós-Independência vivia uma certa turbulência. São criticadas as reações conservadoras e os subsequentes atentados contra a liberdade de imprensa. Aliás, o autor sugere que a própria abdicação de D. Pedro I resultou mais da ―separação entre o imperador e largas camadas da população‖16 do que de uma necessidade de regressar a Portugal para resolver os problemas

criados pelo seu irmão, D. Miguel, que tinha instituído um regime absolutista e despótico e destronado a rainha legítima, Dona Maria, filha de D. Pedro.

De acordo com Jorge Pedro Sousa, são os períodos de avanço liberal que, segundo Sodré, permitiram o surgimento do pasquim, ―imprensa peculiar, cujos traços de grandeza e autenticidade são normalmente apresentados como impuros‖17.

Sousa lembra que o autor realça o papel de periódicos doutrinários já anteriormente referidos, como o Revérbero ou o Malagueta, mas também o surgimento de novos jornais combativos, um pouco por todo o Brasil, como o Aurora Fluminense (1827), de Evaristo da Veiga e José Apolinário, O Compilador Mineiro (1823), A Sentinela de Serro (1830), O Farol Paulistano (1827) e O Observador Constitucional (1829).

É lembrado também por Sousa que formalmente os jornais panfletários de periodicidade incerta tinham poucas páginas e viviam, principalmente, de artigos.

No quinto capítulo de seu livro, Sodré, por sua vez, fala sobre a ―grande imprensa‖, ou imprensa industrial de massas, que surgiu no Brasil já no período republicano, se beneficiando da revolução tecnológica (rotativas, zincografia, telefone, telégrafo, fotografia...), do clima econômico e da ascensão da burguesia comercial e mercantil.

A imprensa industrial brasileira foi, porém, em vários casos, mais um produto da reconversão de jornais existentes do que de novos projetos. Aliás, na primeira fase da República, de acordo com Sodré, não surgiram muitos jornais novos. Só em 1891 apareceria o Jornal do Brasil, ―montado como uma empresa, com estrutura sólida. Vinha para durar‖18.

A imprensa da época também refletiu as tensões e o combate político.

Surgiu também o folhetinismo, aliás, não foi alheio à valorização dos escritores de jornal. O próprio anúncio publicitário evoluiu e tornou-se mais literário, graças à colaboração

15 SODRÉ, 1999, p. 42 e p. 45. 16 Ibid., p. 86.

(16)

de escritores famosos, ou até mais persuasivo, devido ao recurso aos testemunhos de personalidades famosas que apregoavam as virtudes de um produto ou serviço.

As agências publicitárias fariam, aliás, na mesma época, a sua estreia no Brasil. No entanto, a mistura entre jornalismo e literatura também teve consequências menos agradáveis. ―O noticiário era redigido de forma difícil, empolada‖19.

Gradualmente, a grande imprensa tornou-se menos literária20, até porque surgiu uma imprensa especificamente literária, apesar dos folhetins, que eram uma mais-valia para os periódicos generalistas se manterem em lugar de destaque nas páginas dos grandes jornais21. Ainda assim, conforme revela Sodré22, jornalistas escritores como Lima Barreto ou mesmo Monteiro Lobato (este de forma esporádica) e políticos jornalistas como Rui Barbosa, ao mesmo tempo em que faziam análises e opinavam nas páginas dos jornais, sobre política nacional, mas também sobre a situação internacional – por exemplo, sobre a I Guerra Mundial – tinham liberdade para dotar os seus textos de elevação estilística.

De acordo com Sodré23, na década de 20, o jornalismo brasileiro já era decididamente um negócio industrial e a imprensa artesanal não era mais do que um arcaísmo. Mas isso não evitou que, por vezes, a imprensa industrial não tivesse lançado sobre si mesma o opróbrio de dar voz às campanhas difamatórias de determinados políticos, como a que afetou aquele que viria ser o Presidente Artur Bernardes quando era candidato, devido à publicação de cartas falsas por alguns jornais.

Aliás, embora industriais, vários dos grandes jornais tornaram-se vozes partidárias, quase repetindo uma situação comum na fase da imprensa artesanal, pelo que, devido à inconstância da turbulenta situação política, aos golpes e contragolpes, e mesmo às revoltas militares, não raras vezes tornaram-se vítimas de censura, de julgamentos arbitrários por abuso de liberdade de imprensa, de proibições de circulação, de ataques às instalações e de variadíssimos outros constrangimentos.

1.3. Assis Chateaubriand

19 SODRÉ, 1999, p. 283. 20 Ibid., p. 323.

(17)

Entra também em cena outro personagem fundamental para a imprensa brasileira – Assis Chateaubriand. Em 1924, com o controle de O Jornal, Chateaubriand começou a construir aquele que viria a ser o maior grupo de comunicação do Brasil: Os Diários Associados, também responsável pela introdução da televisão no País. O grupo reuniu periódicos como o Diário de Pernambuco, o Jornal do Comércio e o Diário da Noite.

Controverso, inimigo de personagens como Rui Barbosa, acusado de chantagear empresas para obter publicidade para os seus jornais, Chateaubriand também manteve, segundo Sodré24, uma polêmica, mas lucrativa, amizade com o presidente Getúlio Vargas, que transbordou, aliás, para as páginas dos seus jornais, em benefício mútuo.

Chateaubriand é considerado o magnata das comunicações como o personagem Kane do filme ―Citizen Kane‖. O filme do diretor e ator norte-americano Orson Wells (1941) foi baseado em fatos reais, pois conta a vida do magnata norte-americano da comunicação Willian Randolph Hearst, herdeiro de um grande jornal.

Ele foi comandante das comunicações no período de trinta anos (1930 a 1960). Em 1950, Chateaubriand inaugurou a primeira emissora de TV intitulada TV Tupi. Na política, foi senador da República num período de cinco anos, homem que causou muita emoção, tanto negativa como positiva, foi, portanto, amado e odiado. É também responsável pela fundação do Museu de Arte de São Paulo, o Masp (1947) da Avenida Paulista.

A concentração, segundo Sodré25, dá aos conglomerados mediáticos um grande poder, mal usado: a época é das grandes corporações que manipulam a opinião, conduzem as preferências, mobilizam os sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas meticulosamente, arrasam reputações, impõem notoriedades, derrubam governos.

No livro de Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca ―História da Imprensa no Brasil‖, Chateaubriand é lembrando também como o jornalista que chantageava empresários para conseguir anúncios.

Fernando Moraes conta em seu livro ―Chatô, o Rei do Brasil‖, histórias envolvendo as táticas de Chatô para conseguir anúncios e transpor os limites entre o Clero e o Estado, jargão jornalístico para atingir a fronteira entre o editorial e o publicitário.

Num Brasil pré-isqueiro Bic, Chateaubriand, ao notar que os fabricantes de fósforos não anunciavam nos Associados, mandou comprar várias caixas do produto e obrigou a redação, do editor à telefonista, a contar os palitos das caixas que anunciavam conter 50. Constatado que só havia 45, começou a calcular o rombo que os fabricantes causavam ao bolso do consumidor, anunciando em manchete de

(18)

primeira página: ―Fósforos sobem de 20 para 30 centavos‖. Prosseguiu com as reportagens. Comparou que os fósforos subtraídos ao povo pelos fabricantes dariam quatro voltas na Terra26.

1.4. Pasquins

Tese de mestrado, de autoria de Rodrigo Cardoso Soares de Araújo, cujo título ―Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880 – 1883)‖27, traz contribuição

sobre a história da imprensa, principalmente dos pasquins.

Já o estudo produzido por Leandro Marlon Barbosa Assis28 mostra a tendência dos meios de comunicação em que ele conta episódios sofridos por D. Pedro I no século XIX.

Em sua tese ―O papel da imprensa na formação do ideário republicano‖ (1808-1889), ele diz que nos finais dos anos de 1820 elevaram-se o número de periódicos (jornais) contra a figura imperial de D. Pedro I.

Leandro Marlon e afirma que assumir uma opinião favorável pela defesa da República era um tanto quanto complicado, visto que, era um crime previsto pelo Código Criminal, de 1830, e também pelo Código de Processo, de 183229.

Percebe-se então, como forma de fugir da legislação que perseguia os defensores do ideário republicano, a transcrição de artigos de outros períodos e o mais comum: o uso de vocábulos ambíguos durante o período imperial – o que pode ser visto claramente com o jornal O Repúblico que será tratado posteriormente.

Durante o Segundo Reinado de um modo específico, sendo potencializada pela doença de D. Pedro II, multiplicavam-se charges e caricaturas que divulgavam o estado doentio do imperador e as notícias de seu possível comportamento em reuniões. Segundo Assis, essa nova forma de apresentação periódica fazia com que um maior número de pessoas tivesse contato com os jornais, tirando, assim, o caráter sacro da figura real.

26 MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina (org.). A História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto,

2008. , p. 183.

27 ARAÚJO, Rodrigo Cardoso Soares de. Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880 1883).

Trabalho de Mestrado em História, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 2009.

28 ASSIS, Leandro Marlon Barbosa. O papel da imprensa na formação do ideário republicano (1808-1889). CA

História – Caderno Acadêmico de História. Revista Discente de História. 2011. Vol. II, nº 2.

29 Interessante é notar o que diz a lei de 20 de setembro de 1830 sobre a ―liberdade da imprensa‖. ―Abusam do

direito de comunicar os seus pensamentos os que por impresso de qualquer natureza emitirem: 1°. Ataques dirigidos a destruir o Sistema Monárquico Representativo, abraçado e jurado pela Nação e seu Chefe. 2°. Provocações dirigidas a excitar rebelião contra a Pessoa do Imperador e seus direitos ao Trono (Coleção de leis

(19)

―Houve uma maior aproximação com uma linguagem cientificista, que levava a ideia de República para o campo do progresso e do futuro. Porém, tamanhos avanços se deram por uma reestruturação de todo o vocabulário, pensamento e tradição liberal‖30. Assis complementa o pensamento de Melo. ―Isso faz com que o espaço público possa puxar para si

essas ‗questões‘ políticas, onde o principal agente é o povo, perdendo um pouco sua importância na década de 1880‖31.

A dissertação de mestrado ―Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880 – 1883)‖ traz uma importante contribuição sobre o tema deste capítulo: mostrar as velhas práticas da imprensa que não são de agora. Existem, no Brasil, desde a época do Império.

É um estudo aprofundado sobre os pasquins32– os periódicos que difamavam. O termo ainda pode ser empregado a alguma tipo de sátira. Assim, os pasquins ‗usaram e abusaram‘ das notícias tendenciosas na época imperial. Evidentemente, que aqui não se entra no mérito sobre a inocência ou não da família real nos episódios.

O trabalho aponta que o grupo de periódicos classificados como pasquins, em princípios da década de 1880, obviamente compartilhava semelhanças. O programa desses periódicos – ainda que muitas vezes acabasse não sendo seguido, ou o fosse apenas de forma parcial e deformada – enunciava o intuito de se combater os ―vícios‖ políticos e morais da sociedade. Segundo ele, o alvo deles era bem variado; combatiam-se desde ―problemas‖ sociais como o jogo, a prostituição e similares perturbações públicas, até a política do governo e de seus agentes.

Atuando na esfera pública esses pasquins invadiam a esfera privada, expondo aspectos ou acontecimentos negativos da vida de indivíduos. Os pasquins não poupavam ninguém de ofensas e exposições ao ridículo, mesmo D. Pedro II, o Presidente do Conselho de Ministros, os ministros e o Chefe de Polícia da Corte – todos eram atacados com vigor. Apresentavam a seus leitores uma linguagem diferente da utilizada pelo resto da imprensa da época e carregada de ironia e sátira. Eram publicados num pequeno formato com quatro páginas, sendo vendidos a 40 réis. Ainda que tivessem objetivos diferentes, a forma de atuação pouco variava. A fórmula composta por intrigas e difamações, por via de linguagem virulenta, agradava ao público leitor da Corte Imperial e, obviamente, viabilizava o empreendimento econômico. Afinal de contas, apesar dos pasquins surgidos na década de 1880 almejarem intervir politicamente na sociedade, também se tratava de uma forma de ganhar dinheiro. E, para a maioria dos pasquins, este era o objetivo primeiro. Quase todos os autores destes periódicos diziam ter surgido do povo, como era de se esperar levando-se em conta a retórica da época. Além da noção de povo ser muito fluida, ela não indica claramente quem eram estes pasquineiros. Membros

30 MELO, 2007, p. 11. 31 ASSIS, 2011.

32A designação ―pasquim‖ dada a certo tipo específico de imprensa é objeto de ampla discussão entre esses

(20)

da camada média urbana, tipógrafos e jornalistas pouco prestigiados estavam por detrás destes periódicos publicados33.

É interessante observar que já naquela época, ―no fio da balança entre a aceitação pública ou seu repúdio, não raras vezes violentas, as discussões quanto à liberdade de imprensa acompanham o surgimento dos pasquins‖.

Outros autores como Barbosa Lima Sobrinho trouxeram discussão sobre esse fato histórico da época. No ensaio ―O problema da imprensa‖34, ele traz informações sobre a

legislação referente à imprensa e suas limitações.

Só para se ter uma ideia, a imprensa, do começo da década de 1880, que cometia abusos, respondia aos artigos dispostos no Código Criminal de 1830 e o desenvolvimento da práxis judicial ficou determinado a partir do Código de Processo Criminal de 1832.

De acordo com a dissertação de Araújo, com uma lei aprovada em 3 de dezembro de 1841 extinguiu o júri de acusação, determinado por este Código, e relegou suas funções aos juízes de direito.

Ainda segundo Araújo, Lima Sobrinho analisa alguns projetos não aprovados que propuseram reformas na atuação da imprensa. E mais: em 1869, Manuel Pinto de Souza Dantas, o senador Dantas, apresentou um projeto que previa a obrigação de assinar todas as publicações da imprensa, com exceção daquelas que tivessem denúncias ou queixas contra as autoridades do governo.

Já em 1871, o deputado Heráclito Gama pretendia a não aceitação de responsabilidades que não a do autor signatário para qualquer escrito publicado na imprensa, segundo Soares. Por fim, o deputado Morais e Silva, em 1875, propunha que o impressor fosse indiciado como responsável, independente de qualquer assinatura. Nesta mesma obra, Lima Sobrinho ainda fornece uma importante contribuição para o entendimento dos meios pelos quais os pasquineiros tentavam esquivar-se da Justiça. Analisando os ―testas de ferros‖ – homens de frente no conflito entre pasquins e autoridades judiciais – vemos que a atuação destes indivíduos na imprensa, facilitada pela extinção do júri de acusação em 1841, era

prática corrente, tanto nos pasquins quanto na ―grande imprensa‖35.

Outro importante trabalho que também aborda com propriedade a imprensa da época do império também foi citado na dissertação de Araújo. Trata-se da mais recente biografia lançada sobre a vida de D. Pedro II, por José Murilo de Carvalho36. Ele menciona os ataques feitos pelo jornalista pasquineiro Apulco de Castro ao imperador. ―Para criticar o reinado de

33 ARAÚJO, 2009, p. 12.

34 SOBRINHO, Barbosa Lima. O problema da imprensa. São Paulo: EDUSP, 1997. 35 ARAÚJO, op. cit., p. 13.

(21)

D. Pedro II e a própria Monarquia, o pasquineiro não hesitava em fazer acusações à vida privada do imperador e em ridicularizá-lo de todas as formas possíveis, chegando até mesmo a acusá-lo de trair sua esposa com a Condessa de Barral‖37.

Na época, entre todos os jornais pasquineiros mais sensacionalistas, na opinião de Araújo, o Corsário era o mais ‗bandido‘.

No trabalho de dissertação sobre os pasquins, ele afirma que o Corsário surge em dois de outubro de 1880, com uma linguagem mesclava ironia e sátira aos mais veementes ataques ao governo, à polícia da Corte Imperial e ao próprio regime imperial.

O Corsário, sem dúvida, foi o pasquim que atingiu maior popularidade entre os anos de 1880 e 1883. O mais famoso e o ―mais bandido‖ dos pasquins, segundo ele.

Só para dar um exemplo o pasquim trazia a seguinte chamada abaixo, conforme trabalho de Araújo.

―A imprensa é a artilharia do pensamento‖, dizia o Corsário em sua quarta edição, a

13 de outubro de 1880. Vale acrescentar que para ele não faltava munição. Atacava em suas colunas o imperador, o presidente do Conselho de Ministros, os Ministros e o Chefe de Polícia com virulência poucas vezes vistas na imprensa do Brasil

Império. Sem deixar, por outro lado, de tratar de setores ―menos prestigiados‖ da

sociedade, tais como prostitutas, seus agenciadores – os ―cafténs‖ –, bêbados, viciados em jogos e donos de casas de tavolagem, entre outros. Importante observar que o tom usado pelo Corsário nos seus ataques a esses dois grupos sociais distintos não variava muito de um para o outro. Já em seu número de lançamento, seu programa anunciava essa característica, em meio a um texto rebuscado pela retórica preponderante na imprensa da época: depois do descalabro enraizado que germina assombrosamente na nossa sociedade, correndo a escala social sem distinção de classes; depois do horror ao trabalho, causa mais poderosa para o enobrecimento do homem e exaltação do País, depois que vimos uma multidão de indivíduos constituídos em piratas, fazendo presas por todos os modos, no intuito de fazer fortuna, ou de viver no ócio, ou mesmo levados por maus instintos – resolvemos de alguma sorte concorrer para o extermínio de tão prejudiciais párias38.

Ficções também eram criadas no pasquim Corsário. Araújo diz que merece atenção especial a divertida coluna intitulada ―cartas ao vovô‖, publicada ao longo do ano de 1883. Segundo ele, nela o Corsário apresentava-se em primeira pessoa, como sendo um indivíduo de certo status: o neto do imperador D. Pedro II. Carregada de ironia, a narrativa empregada na série tratava o imperador de forma jocosa, chamando-o de ―vovozinho‖ e se identificando como seu ―netinho‖. De acordo com Araújo, o pretenso parentesco permitia uma maior intimidade ao lidar com o imperador. Questionando a participação dele em uma exposição pedagógica realizada naquele ano, seu ―neto‖ afirmava:

37 ARAÚJO, 2009, p. 18

.

(22)

Vovô, você é um idiota, é um tolo, perdoe ao seu neto se usa desta linguagem tão franca, você é um desfrutável porque sendo, como se diz um sábio, concorre com a sua presença e o seu rico dinheiro para essas coisas. Vovô, das duas, três: ou você é um sábio ou é um burro; nós, no entanto, vamos pela segunda hipótese. (...) Ora, vovô, não continue a envergonhar seu neto, que lhe estima, como um verdadeiro amigo das vísceras. Nesta mesma edição o Corsário apresentava uma pretensa, obviamente falsa, carta em resposta de D. Pedro II, endereçada a seu netinho. Nela, o imperador pondera abertamente, por se tratar de uma carta de foro íntimo, sobre as dificuldades que vem encontrando em seu reinado. ―Acho-me bastante aborrecido com o diabo desta coroa, que pesa-me mais do que a consciência de uma condenada. Tenho tentado passar este trambolho para tua tia Isabel, mas ela, menina esperta, não

quer aceitar (...). As ―cartas ao vovô‖ tinham como principal artifício lúdico fazer

parecer ridícula a figura de D. Pedro II. Avacalhado três vezes por semana por um neto bastardo, esse sujeito beirando a casa dos sessenta anos e exercendo o alto cargo que lhe cabia, dava-se ao desesperado papel de desabafar com uma criança que não lhe tinha o menor respeito39.

Houve também na época do Império outras características exploradas pelo pasquim Corsário: a exploração da intimidade de pessoas influentes da Corte, ou mesmo simplesmente a difamação. De acordo com o trabalho de Araújo, essas características utilizadas rendiam boas tiragens ao Corsário. De acordo com ele, é enorme a lista de pessoas públicas atacadas nele pelas mais diferentes razões, mesmo por motivos falseados, esdrúxulos, ou até mesmo sem motivo algum, apenas com o intuito de criar polêmica. São frequentes, por exemplo, os ataques à personalidades públicas ligadas à literatura, como Machado de Assis e o historiador Capistrano de Abreu. Este último foi ridicularizado pelo Corsário, sobretudo no ano de 1883, quando teve seu nome estampado em praticamente todas as edições.

Araújo classifica a ―cultura da violência‖ que estaria presente no universo pasquineiro pela palavra impressa.

(...) em ameaças ou injúrias, ou ainda, propagandeando a violência, construíam simbolicamente um submundo das letras. Distante do prestígio que cercava os jornalistas das redações da Rua do Ouvidor, frequentadores dos refinados cafés; os pasquineiros, com suas redações sediadas nas ruas de menor importância do centro da cidade, eram vistos como indivíduos que por meios escusos ―ganhavam‖ a vida. Quando um pasquim tratava de si mesmo – era comum as narrativas aparecerem na primeira pessoa do singular, sobretudo, os artigos mais importantes escritos pelos proprietários – vimos que retoricamente apresentavam-se como um órgão do povo, ou de moralização, crítica, censura, etc. Buscavam legitimação pública

justificando-se como um ―bem social‖. De fato, os pasquins exerciam pragmaticamente um

serviço à sociedade com a publicação de diversas denúncias de crimes ou reclamações de indivíduos, muitas vezes, gratuitamente. A publicação de reclamações ou denúncias da população manteve permanência como prática da imprensa da cidade. Quase duas décadas depois, o Jornal do Brasil sistematizaria tal

prática com a criação da coluna ―queixas do povo‖ (...)40.

(23)

Ele conta que alguns fatores, entretanto, depunham contra a construção desta imagem positiva que os pasquins se imputavam.

Ao mesmo tempo em que elevavam uma pretensa importância a sua diferenciada atividade jornalística, tinham no estabelecimento de polêmicas uma de suas características mais marcantes. Nestes debates travados entre os pasquins, a imagem

forjada do ―outro‖ era sempre desfavorável. Assim, o público que acompanhasse estas polêmicas vislumbrava outras imagens daqueles ―benfeitores‖. Além das

diversas críticas feitas com o intuito de se denegrir seus adversários, apelando para fatores raciais ou morais, os pasquineiros acusavam-se mutuamente de praticarem a chantagem e a extorsão como meios de obter benefícios pecuniários. Uma parcela considerável das agressões de que os pasquineiros sofreram foram motivadas pela

―escandalosa chantagem‖ que alguns deles praticavam. Coletivamente, em debate impresso, construíam um universo onde sua atividade social ou mesmo política era ofuscada pela ambição econômica que os levava à prática de atos ilegais41.

Segundo Araújo, ―no rastro das polêmicas travadas entre os diferentes pasquins foi possível perceber esta outra maneira que os pasquineiros utilizavam para tornar suas empresas lucrativas, além das vendas, anúncios e artigos publicados a pedidos: a extorsão42 sobre indivíduos que eram ameaçados de difamação ou mesmo daqueles que eram surpreendidos já com seus nomes estampados nos diferentes pasquins. Afinal de contas, não pretendiam apenas tomar papel ativo na política pública, mas também almejavam a viabilidade econômica destes empreendimentos‖.

De acordo com ele, duas eram as maneiras de executar o golpe.

Numa, os indivíduos atacados nas páginas dos diferentes pasquins eram procurados e lhes era exigida certa quantia a fim de que não se publicasse mais artigos difamando-os. Ou ainda, as vítimas poderiam ser procuradas antes da publicação de qualquer artigo. Cabia a ela tomar a decisão de pagar ou não. Contudo, o preço muitas vezes era caro, já que os pasquins não conheciam limites para a injúria e a difamação. Obviamente, a prática da extorsão não era assumida por nenhum pasquineiro, ainda que as acusações despontassem de todos os lados.

A fonte da qual nos valemos nesta investigação do submundo das letras na Corte Imperial são os próprios pasquins. Mesmo sem possibilidades documentais de completar, por inteiro, o quebra-cabeça complexo desta prática, uma certeza é

possível ter: a extorsão, ou a ―chantagem‖ como diziam, era prática comum no

submundo dos pasquins. Sendo mesmo notória como afirmava o Corsário: ―É sabido

que a chantagem é escandalosamente exercida no Rio de Janeiro, pelos donos de uns

jornais que por aí se publicam‖. Todos os pasquins que chegaram a atingir alguma

popularidade e regularidade em suas publicações costumavam exibir em sua primeira página em letras destacadas dizeres que pretendiam alertar o público contra a atuação desses chantagistas. Raimundo Magalhães Júnior, em seu estudo sobre a vida de Apulco de Castro, recorrendo a análise dos pasquins que o Corsário debatia com frequência já havia vislumbrado a prática da extorsão neste meio. Não

41 ARAÚJO, 2009, p. 133.

42 Aqui vale uma pequena referência ao jornalista Assis Chateaubriand. Sua biografia é sempre lembrada com

(24)

prosseguindo sua investigação por este rumo, apenas apontava para esse fato, também vendo nestes alertas indícios de que se praticava a extorsão43.

A análise feita nesse trabalho dá uma pista de que, as práticas exercidas pela grande imprensa nesse século XXI lembram muito – para não dizer que são iguais – as adotadas no período imperial, sobretudo, pelos pasquins.

1.5. A mídia como aparelho privado de hegemonia

Abrindo aqui um parênteses, o escritor Antônio Gramsci44 destrinchou o papel da imprensa como aparelho privado de hegemonia45. Para ele, a grande mídia reproduz discursos hegemônicos. Gramsci acredita que a infraestrutura (forças produtivas e de relações econômicas) não é o único fator decisivo para manter o ‗pensamento dominante‘. O aparelho ideológico também tem papel fundamental.

Gramsci entendia que a superestrutura ideológica é o principal fator de produção de consenso das massas – o que faz com que todos pensem da mesma maneira – sem questionamentos. Não é preciso utilizar a força, a violência, ‗matar‘ alguém para que uma classe se mantenha no poder. Basta utilizar o consenso, que se fabrica por meio dos aparelhos privados de hegemonia, como são os meios de comunicação de massa. São eles que dão visibilidade para acontecimentos, interpretações e ideias que dão sustentação ideológica para a classe dominante. Gramsci entende que o aparelho responsável por esse consenso engloba escolas, além da mídia, igrejas e sindicatos.

Para aprofundar ainda mais o tema e tentar descobrir como funcionam os aparelhos privados de hegemonia e a produção do consenso ‗forjado‘, é preciso, abordar, os conceitos gramscinianos de Estado e sociedade civil sob a perspectiva de Álvaro Bianchi46.

Gramsci fala de um Estado diferente dos jusnaturalistas – contratualistas que propunham que o Estado existe para colocar ordem - desenvolvido por Thomas Hobbes e Jonh Locke, o homem como inimigo do homem. Para os jusnaturalistas, não se pode viver em sociedade, a menos que seja firmado um contrato social.

43 ARAÚJO, 2009, p. 133.

44Antonio Gramsci, intelectual italiano e fundador do Partido Comunista Italiano, é ‗fundador‘ do conceito de

hegemonia.

45 Gramsci introduziu em suas obras o conceito de hegemonia - a capacidade que as classes dominantes têm de

manter o poder utilizando o poder ideológico e não somente a coerção.

46 BIANCHI, Álvaro. O laboratório de Gramsci-Filosofia, História e Política. São Paulo: Alameda, 2008, p.

(25)

Quando se rompe esse contrato, há castigos de toda ordem imprimidos pelo Leviatã – um ser supremo com poderes para aplicar coerção – neste caso o Estado.

Para Marx, por exemplo, a divisão de classes era o motivo pelo qual existia a necessidade de um Estado. Quando a sociedade se iguala, o Estado teria de desaparecer. Em Marx percebe-se a separação entre Estado e sociedade.

É importante observar que desde Maquiavel até Hobbes, de Locke, Rousseau até Marx, o Estado vem sendo interpretado das mais diversas maneiras. É, entretanto, em Marx, que o Estado perde sua áurea de superioridade entre os homens. Marx também fala das estruturas que são as relações econômicas de dominação do Estado.

Já Gramsci fala das superestruturas, aprofunda e amplia o conceito de Marx sobre o Estado. Para Gramsci, além das relações econômicas, existem as relações político-ideológicas (que vão formar o consenso). Portanto, ele desenvolve uma visão mais profunda e complexa sobre a sociedade e o Estado.

Para Gramsci, o Estado não é apenas força. É força e consenso. Ou seja, apesar de estar a serviço de uma classe dominante ele não se mantém apenas pela força e pela coerção legal; sua dominação é bem mais sutil e eficaz. Não precisa de camisa de força ou de aplicações punitivas para conseguir fazer com que todos tenham um mesmo comportamento e uma maneira igual de pensar. Será por meio de diversos meios (inclusive os de comunicações) e sistemas, de entidades que aparentemente estão fora da estrutura estatal coercitiva, que o Estado se mantém e se reproduz como instrumento de uma classe, também construindo o consenso no seio da sociedade. Tudo muito sutilmente.

Afinal é preciso parecer que as ações vão contemplar toda uma sociedade. Veja o que diz Bianchi na perspectiva de Gramsci sobre o Estado hegemônico. ―O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo‖47. Mas atenção: ―essa expansão, para ser eficazmente levada a

cabo, não poderia aparecer como a realização dos interesses exclusivos dos grupos diretamente beneficiados. Ela deve apresentar como uma expansão universal – expressão de toda a sociedade – por meio da incorporação à vida estatal das reivindicações e interesses dos grupos subalternos, subtraindo-os de sua lógica própria e enquadrando-os na ordem vigente. Incorporação essa que é o resultado contraditório de lutas permanentes e da formação de equilíbrios instáveis e de arranjos de força entre as classes‖48. Quem já não ouviu

(26)

recentemente, um importante meio de comunicação reproduzir o seguinte slogan: ―a rádio que briga por você!‖. Nesse caso, você quem?

É a pura reprodução de um consenso dominante. Gramsci, portanto, tem conceito ampliado de Estado. Segundo Bianchi, é a expressão no terreno das superestruturas, de uma determinada forma de organização social da produção. Articulação entre economia e política. O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo destinado a criar condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo, como já foi enfatizado na página anterior. Mas, essa tentativa deve ser ‗camuflada‘ como se fosse universal para expansão de toda a sociedade. É a formação do consenso forjado. Então Estado, para Grasmci, é sociedade política e sociedade civil porque cria condições para expandir um grupo dominante e, ao mesmo tempo, se apresenta como aquele que atende a todos.

―O termo hegemonia, apesar de ter sido usado anteriormente por Lênin, traz uma dupla interpretação: a primeira, teria o significado de dominação; a segunda, um significado de liderança tendo implícita alguma noção de consentimento. É nesta segunda definição que este termo assume um papel de destaque na elaboração de todo o quadro teórico gramsciano. É interpretando como se dá a dominação da burguesia na Itália, e utilizando Maquiavel e Pareto, sobre seus conceitos de Estado como força e consentimento, que o conceito de hegemonia em Gramsci assume papel fundamentador na sua concepção de Estado‖49.

Segundo Rêgo, é em uma carta à sua cunhada Tatiana Schucht, de dezembro de 1931 que Gramsci expõe de forma resumida seu novo conceito de Estado ampliado.

―Eu amplio muito a noção de intelectual e não me limito à noção corrente que se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de produção e a economia a um dado momento); e não como equilíbrio entre a sociedade política e sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercidas através de organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc.)‖50.

1.6. Objetos de Análise

Essa dissertação tem como objetivo analisar a cobertura jornalística de escândalos políticos por parte da Revista Veja, dos jornais Correio Braziliense, Folha de S. Paulo e O

49 RÊGO, João. Reflexões sobre a teoria ampliada do Estado em Gramsci. Site João Rego: Ditos & Escritos. 5

de abril de 1991. (http://www.joaorego.com/3-politica%20/%20reflexoes-sobre-a-teoria-ampliada-do-estado-em-gramsci/), 2012.

(27)

Estado de S.Paulo. Nesse caso, a análise será feita das reportagens publicadas da acusação de corrupção contra o então ministro da Saúde, Alceni Guerra, em 1991, e contra o então deputado Ibsen Pinheiro, em 1993. Aquele é um momento de redemocratização do País após o fim do regime militar.

Como afirma Perseu Abramo e Eugenio Bucci, autores estudados nesse trabalho, a imprensa faz a sua verdade. Essa verdade, muitas vezes, é irreal. Assim, com consciência de que a manipulação existe, e que a grande imprensa toma posições políticas pode-se afirmar que a influência da mídia pode alterar a ―história‖.

2. ESTRUTURA METODOLÓGICA

Discute-se muito o papel da imprensa, como ela influencia, pauta a agenda política, mantém relação de controle do poder e, em grande parte das vezes, atua distante do real interesse público. Em determinados momentos fala em nome da democracia para estabelecer suas posições e defender, na maioria das vezes, os seus próprios interesses. A grande mídia pode ser a instituição capaz de intermediar relações sociais e políticas. Afinal ela quer investigar. Às vezes, se intitula do lado da sociedade, a guardiã. Luiz Martins da Silva, entre tantos outros autores, afirma que

com ou sem nova Lei de Imprensa, o jornalismo brasileiro terá de abandonar uma certa Idade do Ouro, um estágio primitivo caracterizado pela boa preguiça, em troca de novos hábitos, o principal deles, a apuração. Até recentemente, predominava a impunidade e a certeza de que nada aconteceria aos detratores, mesmo porque não havia uma cultura de reação e de proteção às vítimas, nem a atuação de mecanismos de crítica, fiscalização e controle, a exemplo dos observatórios e institutos de

imprensa, duas das modalidades dos chamados ―cães-de-guarda‖ da imprensa, uma

cultura que começa a se formar no Brasil. (...) A pressa na investigação ou a total ausência desse procedimento têm imposto à imprensa brasileira dois tipos de prejuízo, que se alternam, ou se somam: perda de credibilidade e de recursos financeiros. Mesmo que se valha de fontes de fé pública e mesmo que venha a estabelecer uma rigorosa conduta na checagem das informações, mesmo assim, a imprensa brasileira está fadada a uma grande vulnerabilidade, graças a dois fatores: a inexistência de um teto para as penas pecuniárias em casos de prejuízo moral e a facilidade com que este delito pode ser tipificado, dada a amplitude subjetiva com que se pode caracterizá-lo51.

51 SILVA, Luiz Martins. Imprensa, danos morais e indenizações. Trabalho Acadêmico. Compós, Porto Alegre:

(28)

Para tentar abordar todas essas questões, é preciso buscar respostas. É a Ciência a única capaz de dar a resposta aos anseios da pesquisa. Para isso, foi preciso buscar paradigmas-modelos para se chegar perto ou até o resultado esperado. ―A ciência normal implica tentativas detalhadas de articular um paradigma com objetivo de melhorar a correspondência entre ele e a natureza‖.52

Thomas Kuhn dizia que a ciência normal é uma atividade de resolução de problemas governada pelas regras de um paradigma.

Um problema de pesquisa supõe que informações suplementares podem ser obtidas a fim de cercá-lo, compreendê-lo, resolvê-lo ou eventualmente contribuir para a sua resolução53.

A pesquisa é qualitativa54. Também foi utilizada a técnica da análise do discurso55 analisando, no caso do discurso propriamente dito, formas de fala e textos dos personagens estudados. Neste caso, o material utilizado são revistas e jornais como será descrito mais à frente. Dentro da análise do discurso é feito então estudo de caso.

A análise documental são recortes de reportagens de jornais e revistas. Houve a opção por fazer entrevistas com jornalistas. Pelo menos uma dezena delas foi feita. Os documentos obtidos por meio do material documental também foram utilizados.

Com as revistas e os jornais foi preciso fazer uma análise de conteúdo das capas das mídias já citadas (por serem a primeira e principal forma de atrair o leitor); avaliação de fotos, títulos (palavras escolhidas) e ilustrações/artes, reportagens (toda a diagramação e ―distribuição‖ das informações) com títulos, linhas-finas (subtítulos), fotos (e suas respectivas legendas), e ênfases das matérias com o espaço destinado às publicações das acusações e da defesa.

52 CHALMERS, Alan F. O que é Ciência, Afinal?. Tradução Raul Fiker. Editora Brasiliense, 1993, p. 108. 53 LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A Construção do Saber Manual de metodologia da pesquisa em

ciências humanas. Porto Alegre: Editora UMFG,1999.

54 As investigações qualitativas, por sua diversidade e flexibilidade, não admitem regras precisas, aplicáveis a

uma ampla gama de casos. Além disso, as pesquisas qualitativas diferem bastante quanto ao grau de estruturação prévia, isto é, quanto aos aspectos que podem ser definidos já no projeto (MAZZOTTI, Alda Judith Alves; GEWANDSZNAJDER, Fernando; O Método nas Ciências Naturais e Sociais – Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. São Paulo: Editora Pioneira, 1999, p. 147).

55 Nome dado a uma variedade de diferentes enfoques no estudo de textos, desenvolvida a partir de diferentes

(29)

Nessa dissertação, optou-se por não fazer análise dos editoriais56 de jornais e revistas em estudo que trataram dos assuntos em questão, apesar de serem reconhecidamente importantes para se entender a posição ideológica da grande mídia.

A razão principal é que editoriais divulgados foram – em número de publicação - infinitamente inferiores em relação às reportagens, tanto pelos jornais como pelas revistas que trataram do assunto. Não houve uma periodicidade de editoriais como as reportagens publicadas todos os dias sobre os fatos desse estudo de caso em questão.

Por outro lado, as matérias publicadas tornam-se objetos com mais sustentabilidade para as análises, uma vez que nos editoriais estão as opiniões – consideradas mais difíceis de serem manipuladas por tratar-se de opiniões individuais, posições do veículo de comunicação.

Foi importante também fazer uma revisão da bibliografia para descobrir que, dentro das Ciências Sociais/Políticas, o tema ‗controle da mídia‘ pouco ou quase não é estudado. Ou se fala da política analisada em si. Ou se fala da mídia, mas sobre o comportamento de um periódico em determinada cobertura política.

Para desenvolvimento da dissertação também foi preciso buscar trabalhos no Departamento de História. A dissertação de mestrado de Rodrigo Cardoso Soares de Araújo, em ―Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880-1883)‖ foi utilizada como suporte para o contexto histórico do trabalho (já mostrado na introdução dessa pesquisa).

Diante do material teórico foi possível estruturar a pesquisa em quatro capítulos (incluindo as considerações finais). Um dos capítulos traz discussões críticas sobre a liberdade de imprensa e a falta de controle democrático sobre ela, além de sugestões para ‗democratizar‘ a informação. Também se trata da seguinte questão: a imprensa pode virar escândalo, ser o próprio escândalo? Para isso, foi preciso buscar reportagem da Revista Carta Capital que tenta mostrar a falta de transparência da Revista Veja em envolvimento com bicheiro.

56 José Marcos de Melo diz que nas sociedades capitalistas, o editorial reflete não exatamente a opinião dos seus

(30)

Havia uma possibilidade de se estudar, além dos escândalos de Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro (anos 90), mais dois episódios ocorridos em 2011, sobre o envolvimento de casos de corrupção dos ex-ministros Antônio Palocci (Casa Civil) e Orlando Silva (Esportes). No entanto, em função de o trabalho de mestrado ficar muito extenso optou-se por suprimir esses dois escândalos que poderão ser estudados em uma futura tese de doutorado.

Pergunta problema: Qual foi o comportamento da grande imprensa na cobertura dos escândalos políticos de Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro?

2.1. Justificativa para a escolha das fontes

Por que escolher os jornais Correio Braziliense, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e as Revistas Veja e IstoÉ (essa última só como suporte) para delinear as análises deste trabalho abordando a cobertura política da imprensa escrita nos casos Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro?

O Correio Braziliense por ter sido o primeiro jornal a publicar a denúncia contra Alceni. Veja por ter feito uma edição histórica e até hoje comentada nos bastidores políticos de Brasília (Congresso Nacional) sobre o caso Ibsen. Além disso, todos os periódicos em questão fazem parte da grande imprensa57 no Brasil.

E, sobretudo, mantém mesmo que de forma muitas vezes subliminar, posturas ideológicas por serem empresas privadas. Para Bernardo Kucinski, Folha e O Estado, por exemplo, são grandes jornais do País por causa de suas iniciativas de definir as agendas de discussões58.

Ele, no entanto, diz que a estrutura do mercado dos jornais brasileiros é imagem reflexa da estrutura da propriedade agrária, na qual, em cada macrorregião, poder e prestígio são disputados (...)59.

Kucinski destaca mais:

57Ana Lúcia Martins e Tânia Regina de Luca afirmam que a expressão ‗grande imprensa‘, apesar de consagrada,

é bastante vaga e imprecisa, além de adquirir sentidos e significados peculiares em função do momento histórico em que é empregada. De forma genérica designa o conjunto de títulos que, num dado contexto, compõe a porção mais significativa dos periódicos em termos de circulação, perenidade, aparelhamento técnico, organizacional e financeiro (MARTINS; LUCA, 2008, p. 149).

58 KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Editora

Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 24.

(31)

Os jornais são geridos hedonisticamente como uma grande propriedade familiar, na qual o gozo pelo exercício do poder é tão importante quanto o lucro capitalista. Mantêm-se os métodos, valores e mentalidade dos mandatários iniciais da colonização brasileira. (...) Na escala de valores do jornalista anglo-saxônico, predominam os valores da verdade, imparcialidade e objetividade. Isso não significa que sejam efetivamente fiéis à verdade, e sempre objetivos, mesmo porque essas categorias são discutíveis no processo jornalístico, necessariamente subjetivo. Mas significa que esses valores vão constituir a ideologia e o referencial do jornalismo anglo-saxônico da verdade, omissão e parcialidade60.

Jornais e revistas são empresas privadas e, como qualquer outra empresa privada, buscam lucro. Ainda de acordo com Kucinski, no panorama da mídia brasileira, as revistas semanais emergem como principais usinas ideológicas61 dos conceitos e preconceitos da classe média. Essa tendência teria ocorrido com Veja na cobertura dos escândalos em questão?

Em contraste com a debilidade relativa de nosso mercado jornalístico, em comparação com os Estados Unidos e Europa, Veja está entre as maiores revistas semanais do mundo. São três as condições que qualificam a importância dessas revistas na esfera pública do Brasil, especialmente a líder delas, Veja: a circulação relativamente alta e de caráter nacional – cerca de 1,1 milhão de exemplares no caso de Veja -, sendo cada exemplar lido, em média, por quatro pessoas; IstoÉ tem mais de 330 mil exemplares de circulação e Época, em poucos meses, já chegava aos 350 mil exemplares; b) a durabilidade desse tipo de mídia, que depois de lida vai para as salas de estar dos médicos e dentistas, e para as bibliotecas das escolas, onde são usadas por meses em trabalhos escolares; c) uma vitalidade econômica que torna relativamente imunes às pressões dos governos. No processo de imposição do consenso, essas revistas têm exercido um papel fundamentalmente ideológico, captando, reprocessando e realimentando os temores das classes médias. São muito ligadas a seu público, que nesse caso não é formado pelos próprios protagonistas das notícias e sim por uma classe média em constante processo de mutação, ora enriquecendo, ora empobrecendo, conforme o andar das crises econômicas. Portanto, uma classe média mais sensível e nervosa do que a classe média norte-americana. Veja foi fundamental na disseminação do medo da classe média ante uma possível vitória de Lula. Foi também fundamental no processo de impeachment de Collor, que cometeu o crime capital de ter confiscado as poupanças dessa mesma classe média. Na queda de Collor, o processo foi conduzido mesmo pelas revistas semanais Veja e IstoÉ. As histórias de Veja, fortemente editadas, já refletem todo um exercício de compactação do eu a classe média pensa, ou do que seus editores julgam que é o pensamento convencional da classe média. Eugênio Bucci relaciona

esta operação de Veja como uma usina ideológica, na forma de uma ―linha de montagem‖62.

Em relação aos jornais utilizados como base de estudos desse trabalho, o mesmo autor traz em sua obra informações importantes a respeito das posições e trajetórias dos

60 KUCINSKI, 1998, p. 28-29.

61 Usinas ideológicas no sentido de formar opinião. De produzir conjunto de ideias ou pensamentos de uma

pessoa ou grupo. O autor, quando diz usina ideológicas, quer enfatizar a importância desses meios de comunicação para a nossa sociedade e como pode trazer influências para o bem ou para o mal.

Imagem

Fig. 17 / Edição 696 - 4 de maio de 2012

Referências

Documentos relacionados

A pesquisa de Pinto (2009) analisou as dissertações do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São

Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Estudos Pós- graduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. Trata-se de

referir à Casa de Correção. Entretanto, optou-se, neste trabalho, pela primeira designação do estabelecimento penal para não confundi-lo com a Penitenciária do

“(...) em si, a pauperização originária do processo produtivo, a espoliação urbana decorrente da falta de bens de consumo coletivos, do acesso à terra e habitação ou

NOTA DO PT CONDENA A AÇÃO DE ATIVISTAS - O diretório estadual do PT divulgou ontem nota em que apresenta a posição contrária do partido à invasão e destruição na empresa

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Contábeis e Atuariais da PUCSP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte

Tais práticas alimentares que centram na dieta a forma de emagrecer não desconhecem as propostas de reeducação alimentar veiculadas atualmente: ‘É eu acho que eu comendo menos,

Este estudo desenvolvido no Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e vinculado