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CAPÍTULO 4 – “AGENDA OCULTA”: COMPORTAMENTO DA MÍDIA E AS

4.1. CONSELHOS DE ÉTICA E 0800

A mídia defende seus interesses particulares. É empresa privada. Visa lucro. E, se ela é o quarto poder, não seria necessário a utilização de aparatos para conter os abusos, os erros cometidos e, principalmente, a manipulação de informações? Se a imprensa quer defender o interesse público nada mais justo que o próprio público (aqui no sentido fraco da palavra, considerando o leitor do jornal, por exemplo) ser um dos agentes que possam opinar sobre essa mesma imprensa. Hoje, ao olhar para a Câmara – que é ―fiscalizada‖ pela grande imprensa – percebe-se que lá existe um Conselho de Ética e até o Sistema 0800 para que o eleitor possa reclamar e dar sugestões sobre determinados assuntos que seu deputado esteja defendendo. Nas Prefeituras existem as Ouvidorias. As diferentes modalidades esportivas têm conselhos deliberativos, de ética. Outras profissões, como os advogados, os médicos, e outros profissionais liberais contam com os conselhos. E a imprensa? Onde o leitor pode reclamar dela?

A experiência do ombudsman ainda é muito restrita na imprensa brasileira. Poucos meios de comunicação da grande imprensa, como o Jornal Folha de S. Paulo e mais

recentemente a TV Cultura contam com esses profissionais. Eles são incumbidos de analisar e fazer críticas à postura de jornal e qual o ângulo de cobertura escolheu para uma determinada notícia. No entanto, o grau de liberdade nem sempre é o desejado para esse profissional. Um caso ―célebre‖ é o do jornalista Mário Magalhães. Ele decidiu não ter seu contrato de ombudsman renovado na Folha por discordar da postura do jornal em relação ao seu trabalho.

Assim sem um sistema de controle, a imprensa acaba sendo combatida em meio aos processos judiciais, movido por pessoas que se sentem lesadas pela cobertura da mídia. Por não existir um teto para as multas por dano moral, as sentenças podem levar à falência de pequenas e médias empresas, ou punir as grandes. E, mais uma vez, por conveniência corporativa, a grande mídia não divulga as decisões de indenizações das vítimas de seus erros.

Veja o que diz Mário Rosa sobre o assunto:

Se é verdade que o poder da imprensa pode estar sendo combatido a partir dos questionamentos judiciais (algo, por sinal, legítimo e democrático), é verdade também que a própria imprensa não vem expressando sua adesão a determinados valores, ao menos no sentido de reconhecer as próprias falhas. Empresas tão privadas quanto as jornalísticas criaram linhas 0800 para mostrar a seus consumidores que eventuais defeitos em seus produtos são falhas não intencionais, que serão reparadas assim que constatadas, em benefício dos clientes. Órgãos públicos, como a Câmara dos Deputados, criaram instituições como conselho de ética para punir e expulsar políticos que cometam erros inadmissíveis. Leis para cassar deputados já existem há décadas. O conselho de ética, nesse caso, só veio a dar uma satisfação social nesse sentido. A mídia vem caminhando na direção de maior transparência, com a criação de manuais de redação e ombudsman, sem dúvida sinais alvissareiros. Todavia, a velocidade dessa caminhada está aquém da agilidade que a imprensa costuma exibir em outros campos. Infelizmente. 349

Francisco Fonseca acredita que, do ponto de vista da sociedade brasileira, as iniciativas já consolidadas do Observatório da Imprensa e mesmo a Revista Imprensa cumprem um importante papel fiscalizatório. No entanto, representam ainda apenas uma condição necessária, mas não suficiente.

(...) deve-se considerar, além do mais, a pequena abrangência dessas iniciativas – seja para denúncia dos oligopólios, seja para trazer à tona visões alternativas às da grande imprensa, seja, especialmente, para o franqueamento ao dissenso. Já que em escala global, a tentativa de constituição de centros de informação independentes, tais como os sítios brasileiros Carta Maior e Ciranda, além dos internacionais Media Watch e Le Monde Diplomatique350,entre inúmeros outros, não apenas

utilizam da internet como veículo de informação global como, principalmente, avaliam os grandes jornais, revistas, agências noticiosas e emissoras de televisão. Procuram demonstrar, assim, outros lados, outras vozes e outras interpretações dos fenômenos que tendem a ser retratados de maneira homogênea pelos grandes

349ROSA, 2007, p. 453.

350Os endereços eletrônicos desses órgãos são, respectivamente, www.cartamaior.uol.com.br, www.

grupos de comunicação. Esses novos organismos estimulam o surgimento de jornais e revistas, não vinculados a grandes grupos – é a situação, na grande imprensa brasileira, das revistas Carta Capital e Caros Amigos. Tudo isso conflui para a ideia de que ―um outro mundo é possível‖, lema do Fórum Social Mundial, cujo tema da informação plural é fundante 351.

Fonseca defende ainda mudanças na forma de concessão de emissoras de televisão, com ampliação da participação da sociedade no sistema decisório, sobretudo por meio de fortalecimento do Conselho de Comunicação Social.

(...) a concessão e mesmo o estímulo governamental em termos de crédito, que poderia ocorrer, às emissoras de rádio e televisão livres (comunitárias), que, no Brasil, foram abarcadas por grupos evangélicos em larga medida descompromissados com os valores democráticos; o rigoroso impedimento da concentração acionária dos veículos de comunicação e proibição de que um mesmo proprietário possua diversas modalidades de meios de comunicação, como existem em determinados países europeus, entre inúmeras medidas352.

Fonseca reconhece que o assunto é polêmico. Segundo ele, a luta pelo controle e democratização da mídia assumem contornos de uma verdadeira guerra de posições.

Afinal o auto-elogio que a mídia como um todo faz de si em relação à sua capacidade investigativa sobre o poder do Estado e sobre as autoridades é perfeitamente contemplada pela capacidade do Ministério Público, por exemplo – entidade capaz, legal e tecnicamente, de promover investigações em concomitância às suspeitas e mesmo de maneira preventiva. Em outras palavras, o poder fiscalizatório e investigativo que a mídia autoproclama-se pode e deve ser exercido por instituições de fato públicas, caso o Ministério Público, das organizações civis sem fins lucrativos e de determinadas organizações não-governamentais, entre inúmeros outros atores. Afinal a mídia é um agente privado que objetiva fins privados: o lucro353.

Algo precisa ser feito em relação ao controle de qualidade das informações, uma vez que o processo de manipulação existe.

Bucci faz referência a esse assunto:

Que existe manipulação, existe. Ela nada mais é que a distorção deliberada da informação. Movidos por interesses escusos, há donos de meios de comunicação e funcionários da cúpula de empresas que patrocinam mentiras para atingir objetivos particulares. A manipulação agride o cidadão e deve ser combatida, como é óbvio (...)354.

351 FONSECA, junho/2004. 352 Ibid., p. 22.

353 FONSECA, loc. cit. 354 BUCCI, 2000, p. 176.