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3. A teoria da empresa em crise na experiência brasileira

3.5 A compatibilidade da teoria com a ordem econômica brasileira

Se a teoria da failing firm tem como fundamentos, conforme anotado, a proteção à livre concorrência e a preservação da empresa e esses dois valores têm base constitucional e compõem a ordem econômica brasileira, resta claro que a defesa tem aplicação no direito pátrio, apesar da ausência de normatização expressa. Dentre as decisões já proferidas pelo CADE, verifica-se, justamente naquela em que a autarquia aprovou a concentração utilizando como fundamento primordial a defesa da empresa em crise, a melhor argumentação já formulada, conforme se depreende do seguinte trecho da manifestação exarada pela Procuradoria:

(...) não obstante inexistam quaisquer previsões acerca da failing company defense na legislação brasileira, ela apresenta-se em consonância com o sistema jurídico de defesa da concorrência brasileira. Sendo o objetivo do direito antitruste a maximização do bem-estar, é inevitável fazer-se a ponderação entre as perdas sociais decorrentes da concentração econômica - ilustrado pelo triângulo de peso morto e outros quejandos - e os benefícios sociais proporcionados ao se evitar a destruição de riquezas - ativos tangíveis e intangíveis que se perderiam com a falência (BRASIL, 2008a).

Essa análise supratranscrita foi realizada à luz da legislação anterior, sendo, portanto, necessária um estudo específico, segundo os preceitos da Lei 12.529/2011.

Se todos os três requisitos listados no tópico anterior forem cumpridos, ou seja, se restar comprovado que a empresa está em uma grave crise econômico-financeira que a levará Roberta Fernandes (2013), ao concluir pela aplicação da failing firm no Brasil, limita-se a elencar os seguintes requisitos, sem vislumbrar a possibilidade de ponderação: a empresa ser insolvente juridicamente e economicamente; análise de hipóteses da lei falimentar; inexistir uma empresa alternativa interessada na firma a ser adquirida, que pague ao menos o valor da liquidação da firma e seja menos lesiva à concorrência; ato de concentração não pode gerar mais prejuízo à concorrência do que a liquidação e dissolução da firma, com a saída dos seus ativos do mercado relevante. Registre-se o mérito do trabalho em buscar, conforme se tentou nesta dissertação, analisar os requisitos de outras jurisdições à luz do direito brasileiro. Discorda-se apenas da tentativa de inserir, nos requisitos da failing firm, os critérios jurídicos de crise, ou seja, as hipóteses de falência, pelos motivos já explanados.

à insolvência em futuro próximo; que não há alternativa viável menos ofensiva à concorrência; e que, sob o ponto de vista estritamente econômico-concorrencial, o cenário futuro com a concentração for semelhante ou melhor do que sem a concentração, a operação deverá ser aprovada, uma vez que não pode ser apontada como causa de quaisquer das situações previstas no §5, art. 88, da Lei 12.529/2011 (eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, possibilidade de criar ou de reforçar uma posição dominante ou possibilidade de dominação de mercado). Nesse caso, estará resguardado tanto o princípio da livre concorrência quanto o da preservação da empresa.

Quando forem preenchidos os dois primeiros requisitos, mas não o último, uma vez que a aprovação implicará um ambiente concorrencial futuro desfavorável, haverá um choque entre a proteção à livre concorrência (reprovação) e a preservação da empresa (aprovação). Por tudo já exposto, é possível apontar algumas direções para solucionar esse conflito normativo.

Primeira, a ponderação é um postulado246 que pode ser aplicado ao caso. Ponderação aqui no sentido de método destinado a atribuir, diante do caso concreto, pesos a elementos que se entrelaçam, o qual, em princípio, não tem referência prévia a pontos de vista materiais que orientem o sopesamento, devendo, contudo, essa referência material ser utilizada pelo intérprete. Nesse sentido, alerta Humberto Ávila: “é importante registrar que a ponderação, sem uma estrutura e sem critérios materiais, é instrumento pouco útil para a aplicação do direito. É preciso estruturar a ponderação com a inserção de critérios” (ÁVILA, 2011, p. 155).

Segunda, em observância ao disposto no caput do art. 170 da Constituição Federal, no qual se determina, como fim da atividade econômica, a existência digna das pessoas, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser utilizado, na sua função rearticuladora, a fim de que se permita a melhor interação entre a livre concorrência e a preservação da empresa e que se tente conferir-lhes unidade de sentido.

Terceira, o art. 88, §6°, da Lei 12.529/2011 oferece um importante suporte material para a análise do conflito, porquanto indica que a livre concorrência pode ser mitigada, desde que “sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios

246 São condições essenciais para se interpretar outras normas. Para o caso, a depender do tipo de conflito, podem ser utilizados os postulados normativos aplicativos (dentre os quais estão a proporcionalidade ,a razoabilidade, a igualdade, que são postulados específicos, ou ponderação, concordância prática e proibição de excesso, chamados de postulados inespecíficos), que são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto de aplicação, daí a denominação de metanormas ou normas de segunda grau (ÁVILA, 2011, pp 133-191).

decorrentes”. O interesse dos consumidores deve ser, pois, o norte que irá guiar o operador do direito no exercício de ponderação.

Quarta, o CADE não estará limitado a decisões de caráter extremo, como a necessária aprovação ou reprovação da concentração. Há uma margem considerável de soluções, as quais podem ser adotadas a partir da aprovação com restrições, comportamentais e estruturais, ou até mesmo a partir de soluções negociadas, os ACCs, de maneira que se busque a preservação do interesse dos consumidores.

Portanto, em síntese, quando existir um potencial conflito entre a livre