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2. A teoria da failing firm em outros ordenamentos e temas correlatos

2.2 A failing firm em outras jurisdições

2.2.5 Japão, África do Sul e Chile

No Japão, segundo prescrição do seu guia de fusões e aquisições editado em 2004 e revisado pela última vez em 2011, a autoridade japonesa responsável pela análise antitruste, a Japan Fair Trade Commission (JFTC), deve considerar os seguintes requisitos cumulativos para que a defesa da empresa em crise seja aceita: deve restar claro que uma das partes envolvidas na operação é, ou será em curto espaço de tempo, insolvente, além do que é preciso investigar se não existe solução menos anticompetitiva para resguardar os ativos da failing firm no mercado (JFTC, 2004, p. 31). Existindo esses dois requisitos, a teoria é uma solução viável, sob o ponto de vista concorrencial, na jurisdição japonesa (GCR, 2010a).

A premissa da qual partem as autoridades japonesas é a de que se o negócio está em crise (ou vem obtendo sistematicamente poor results), a possibilidade de a operação deteriorar o ambiente concorrencial é reduzida, visto que a própria viabilidade do negócio, sem a concentração, está em xeque (OCDE, 2010, p. 120). Entretanto, no Japão, a teoria da failing firm, segundo a descrição de casos nos quais ela foi aplicada, aparenta ser apenas um dos elementos levados em consideração pela autoridade antitruste para a aprovação da operação. Ou seja, existiam outros fatores que, sob o aspecto concorrencial, legitimavam a concentração.

172 “A fusão não causa a criação ou o reforço de uma posição dominante se as condições de mercado,

independentemente da fusão, deteriorarem. Avaliar causalidade requer comparar as condições de mercado o esperadas após a fusão com o contrafactual, ou seja, as prováveis condições de mercado sem a fusão. Assim, é necessário comparar dois cenários sobre o desenvolvimento futuro das condições de mercado. Apenas quando essa comparação mostra que as condições de concorrência pós-fusão seriam piores do que as condições na ausência da concentração, a fusão pode ser considerada como a causa desta mudança e pode ser proibida ou liberada com compromissos” – tradução nossa.

Em 1991, Ivo Bank e Toho Sogo Bank, dois bancos regionais, planejaram uma fusão. Além do fato de que a participação de mercado pós-operação não era considerável, consta como fundamentos da aprovação a crise financeira por que passava o Toho Sogo Bank, bem como o fato de que, dificilmente, outro agente econômico teria interesse em adquirir seus ativos. Também no setor financeiro, em 1998, o Hokkaido Takushoku Bank, em crise, transferiu vários ativos para o Hokuyo Bank. Nesse caso, embora a JFTC tenha considerado alta a participação de mercado gerada, a operação foi aprovada não apenas por conta da teoria da failing firm, mas também porque havia a existência de outros competidores fortes no mercado (OCDE, 2010, pp. 121-122).

No Chile, a lei que trata da proteção à concorrência data de 1973 e, semelhantemente ao que ocorre no Reino Unido, as concentrações econômicas não são de submissão obrigatória à Fiscalia Nacional Economica (FNE), principal órgão antitruste chileno (OCDE, 2010, p. 89). Tal fato restringe bastante o conjunto de casos analisados naquela jurisdição, mas, mesmo assim, desde 1981, as autoridades chilenas reconheceram a aplicação da teoria da failing firm, em um dos raríssimos casos em que ela foi invocada173.

Comercial Huechuraba Ltda.(pertencente à Cerverias Unidas S.A.) adquiriu o controle da Cervecera del Pacífico S.A. que, no final de 1980, havia perdido 70% do seu valor. Na época, a empresa adquirida detinha cerca de 5% de participação no mercado doméstico de cerveja, com capacidade instalada para alcançar 20%. As autoridades chilenas, na oportunidade, decidiram que “the disappearance of a competitor in bankruptcy or insolvency, whose market share has been very weak, does not seriously affect competition in the affected market” (OCDE, 2010, p. 90)174. Como critérios, foi avaliado o risco de a

Cervecera del Pacífico S.A. sair do mercado, bem como o fato de que não havia alternativa menos anticompetitiva do que a aquisição.

Hoje, o Guia de Concentrações do Chile (Guide for The Analysis of Merger Transactions), publicado em outubro de 2012, traz expressamente os requisitos para a adoção da teoria da failing firm, que são os seguintes:

a. The firm allegedly failing, due to economic problems, will leave the market in the near future unless it is absorbed by another company; b. The exit will lead inevitably to the disappearance of its tangible and intangible

173 Até 2010, tinha sido o único caso registrado no Chile em que a defesa tinha sido arguida e integralmente considerada (OCDE, 2010, pp. 89-90).

174 “O desaparecimento de um concorrente em caso de falência ou insolvência, cuja participação de mercado

assets from the market; c. Having explored alternatives, there was no other option to preserve the company’s assets in the market that would be less costly for competition175 (FNE, 2012, p. 23).

Por fim, merece destaque o fato de que, segundo o ordenamento jurídico chileno, se os ativos de uma empresa estão prestes a desaparecer do mercado, uma análise prospectiva sugere que os consumidores não estarão em pior situação com a operação do que na sua ausência (FNE, 2012, p. 23).

Contudo, nem todos os países apresentam critérios infralegais claros para a aplicação da teoria da failing firm. Muitas jurisdições, sobretudo a dos países em desenvolvimento, ainda não elaboraram as premissas a partir das quais deve ser aplicada a teoria. É o caso da África do Sul, por exemplo.

Naquela jurisdição, o fato de a sociedade objeto da operação estar em crise é apenas mais um critério que será avaliado para considerar se uma fusão ou aquisição será favorável à concorrência176. Não existe o arcabouço normativo, nem empírico (casos julgados), que sustente a independência da teoria da failing firm, ou sua aplicação como uma defesa autônoma. Existe, é verdade, no Competition Act, principal norma antitruste do país, na parte referente ao controle de estruturas, a menção ao critério “whether the business or part of the business of a party to the merger or proposed merger has failed or is likely to fail177” como um dos oito a serem analisados para verificar se determinada operação tem ou não potencial anticompetitivo (REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL, 2005, p. 31).

A partir da análise de critérios adotados em outras jurisdições, dentre as quais se destacam os Estados Unidos e a União Europeia, a autoridade de defesa da concorrência da

175 “A empresa alegadamente insolvente, devido a problemas econômicos, vai deixar o mercado em um futuro

próximo, a menos que seja adquirida por outra empresa; b. A saída vai levar inevitavelmente ao desaparecimento de seu ativo tangível e intangível do mercado; c. Dentre as alternativas, não havia outra opção para preservar os ativos da empresa no mercado que fosse menos onerosa para a concorrência” – tradução

nossa.

176 Essa visão, é importante mencionar, contraria a essência da failing firm. Essa também é a posição de Irene Diamant, que, em 1979, já constatava: “Several suggestions for modifying the failing company doctrine have

been made. The most extreme suggestion is to eliminate the defense altogether and simply to consider the financial condition of the company as one factor, along with market share and concentration, in determining whether the merger is legal. This alternative ignores the adverse effect of a business failure on the economy, which was the main reason why the Court in International Shoes established the doctrine, and also contradicts the express congressional approval of the defense” (DIAMANT, 1979, p. 890). "Várias sugestões para modificar a defesa da empresa em crise foram feitas. A sugestão mais extrema é o de eliminar a defesa por completo e simplesmente considerar a condição financeira da empresa como um fator, juntamente com a participação de mercado e o nível concentração, para determinar se a concentração é legal. Essa hipótese ignora o efeito adverso da falência na economia, o qual foi a principal razão para a Suprema Corte no caso International Shoes estabelecer a doutrina, e também contraria o intento do Congresso ao aprovar a defesa” –

tradução nossa.

177 “Se o negócio ou parte do negócio de uma das partes na fusão ou na proposta de fusão faliu ou é provável

África do Sul (Competition Commission of South Africa) aprovou, em 2002, fusão entre a Iscor Limited e a Saldanha Steel (Pty) Ltd, em um dos primeiros casos em que a teoria foi aplicada na África do Sul. Registre-se, contudo, que a situação de crise da Saldanha foi apenas um dos fundamentos considerados, dentre outros, para a aprovação (OCDE, 2010, p. 195).

Outro caso significativo na África do Sul aconteceu na fusão, em 2005, dos grupos hospitalares Phodiclinics e Protector Group Medical Services, estando este último grupo em situação de quase falência à época da operação. Além da situação de crise, analisada sob a perspectiva da failing firm defense, foi considerada para a aprovação da concentração os investimentos que seriam feitos, o que beneficiaria a população atendida pelos hospitais, bem como que o poder de mercado dos hospitais poderia seria contrabalanceado pelo poder dos planos de saúde (OCDE, 2010, p. 196).

Percebe-se, portanto, que a teoria é adotada em diversas jurisdições e os seus critérios de aplicação, os quais têm previsão, em regra, em atos infralegais, são semelhantes. Existem outras discussões relacionadas ao tema da failing firm, que, apesar de se aproximarem da teoria, uma vez que abordam o cenário da crise empresarial, dela se distinguem. Para evitar possíveis confusões, serão explicadas aqui algumas dessas ideias correlatas.