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2. A teoria da failing firm em outros ordenamentos e temas correlatos

2.2 A failing firm em outras jurisdições

2.2.3 Reino Unido

O sistema do Reino Unido tem a peculiaridade de não exigir que atos de concentração sejam compulsoriamente notificados, podendo os agentes econômicos, assumindo os riscos, deixarem de apresentar operações que, em tese, podem ser prejudiciais a concorrência, fato que contrasta com a maioria dos regimes de defesa da concorrência, como o brasileiro, o norte-americano e o da Comissão Europeia (OCDE, 2010, p. 155). De toda forma, também se aplica, no Reino Unido, a failing firm defense.

Os agentes econômicos que optam por não apresentar sua transação perante as autoridades britânicas168, o UK's Office of Fair Trading - OFT e a Competition Commission -

168 As autoridades que cuidam da política antitruste no Reino Unido hoje são, basicamente, o Office of Fair

Trading, a Competition Commission e o Competition Appeal Tribunal - CAT. A CC é uma agência pública que tem a função de garantir a concorrência sadia nos mercados britânicos. Os casos lhe são submetidos pelo OFT,

CC, podem ser compelidos a fazê-lo, caso haja suspeita de que a concentração resulte ou possa resultar em uma substancial redução da concorrência. Nesse momento, é possível emergir a discussão acerca da failing firm e das respectivas consequências para a análise antitruste.

Os critérios para aplicação da defesa no Reino Unido são basicamente os mesmos utilizados nos Estados Unidos e na União Europeia e já estavam descritos no Guia de Concentrações britânico, vigente até setembro de 2010, da seguinte forma:

3.61 In some cases, whether or not one of the firms merging would fail may be an issue. Where the CC considers that one of the firms would fail then the situation in the market without the merger may be similar to that which would result from the merger, and thus the merger itself may not lead to any significant changes in the extent of competition in the market.

3.62 For a firm to be considered a failing firm, the CC will need to be satisfied that: the firm is unable to meet its financial obligations in the near future; and that the firm is unable to restructure itself successfully169 (OCDE, 2010, p. 171).

No atual Guia de Concentrações170, três são os critérios elencados e levados em consideração pelas autoridades britânicas para a adoção da defesa:

4.3.8 (a) whether the firm would have exited (through failure or otherwise); and, if so (b) whether there would have been an alternative purchaser for the firm or its assets to the acquirer under consideration; and (c) what would have happened to the sales of the firm in the event of its exit171 (Competition

Commission, 2010, p. 23).

que tem a função de investigar se determinada operação é ou não prejudicial à concorrência (o órgão também tem atribuições inerentes à defesa dos consumidores). Em casos de relevante interesse público, o Secretary of

State também pode submeter um caso à CC. Determinadas operações podem, ainda, ser julgadas pelo CAT. Em abril de 2014, a Competition & Markets Authorities (CMA) irá reunir as atividades hoje exercidas pelo CC com algumas das funções até então praticadas pelo OFT. Outros detalhes podem ser obtidos nos sites: http://www.competition-commission.org.uk/; http://www.oft.gov.uk/; http://www.catribunal.org.uk/.

169 “3.61 Em alguns casos, analisar se deve ou não uma das empresas envolvidas na concentração falir pode

ser relevante. Quando a Competition Commission considera que uma das empresas poderia falir e, então, a situação no mercado sem a fusão pode ser semelhante ao que resultaria da fusão e, portanto, a própria fusão não pode levar a alterações significativas no grau de concorrência no mercado. 3.62 Para uma empresa ser considerada uma empresa em crise, a Competition Commission terá de estar convencida de que: a empresa é incapaz de cumprir suas obrigações financeiras no futuro próximo, bem como que a empresa é incapaz de se reestruturar com sucesso”- tradução nossa.

170 Destaca-se o grau de detalhamento do documento, que nos itens subsequentes busca melhor definir cada uma dos critérios elencados (Competition Commission, 2010, pp. 23-25).

171 “4.3.8 (a) se a empresa teria saído do mercado (por conta da falência ou de outra forma), e, em caso

Em síntese, é avaliada (i) a inevitabilidade da saída da empresa em crise, (ii) se existe alternativa menos anticompetitiva e, finalmente, (iii) os cenários de mercado com e sem a operação. Há, pois, uma análise hipotética em contraste aos fatos (existência da operação), para a qual, segundo critérios britânicos, deve ser ponderado exclusivamente o elemento concorrência. Nesse sentido, se as autoridades acreditarem que, com a saída dos ativos da empresa em crise, sua participação de mercado será distribuída entre os demais agentes econômicos, preservando-se, pois, o ambiente concorrencial, a operação não deve ser aprovada, por implicar alta concentração e por ofender em grau maior a concorrência, em comparação com o cenário hipotético. Entretanto, se avaliação for de que, inevitavelmente, o adquirente irá absolver a participação de mercado da empresa falida, não há motivos concorrenciais para impedir a operação.

Há operações analisadas pelas autoridades britânicas em que a teoria da failing firm foi debatida e utilizada. Em um caso julgado no final de 2008, a Competition Commission aplicou o conceito de empresa insolvente para facilitar a aquisição, pela HMV, de 15 lojas pertencentes a seu concorrente direto, a Zavvi entretenimento, cadeia de varejo. Na decisão, os princípios elencados no atual Guia de Concentrações britânico já haviam sido utilizados. Por exemplo, foi considerado, em menor detalhe, se a saída das lojas em questão era inevitável na ausência da concentração, ou se havia qualquer perspectiva séria de saneamento, dedicando a autoridade britânica maior atenção simplesmente ao fato de que o fechamento das lojas em questão seria bem pior para os consumidores do que a fusão (GCR, 2010b).

Também em 2008, a Long Clawson e a Millway (uma divisão da Dairy Crest), importantes fabricantes de queijo, tiveram a teoria da failing firm aceita. Destaca-se no caso a análise acerca da inviabilidade da Millway. A Dairy Crest havia, nos últimos anos, feito investimentos consideráveis na Millway e as autoridades concluíram que, se a recuperação da divisão fosse realmente possível, a Millway teria se recuperado. Ao final, a operação foi aprovada pela Competition Commission (OCDE, 2010, p. 159).

Entretanto, é mais corriqueiro haver a discussão dos requisitos da failing firm defense e, ao cabo do procedimento, as autoridades britânicas afastarem sua aplicação. Em 2009, Holland and Barret (uma subsidiária da NBTY Europe Limited) e a Julian Graves eram

sob consideração, e (c) o que teria acontecido com as vendas da empresa no caso de sua saída do mercado” – tradução nossa.

dois dos maiores especialistas em revender comida saudável no Reino Unido. A Julian Graves estava em crise, fato que restou demonstrado perante a Competition Commission, sobretudo por meio da realização de auditorias. Entretanto, a sua aquisição pela NBTY não era a única alternativa viável, pois existiam outros compradores que expressaram de maneira clara e crível o interesse em adquirir a Julian Graves, motivo pelo qual a teoria da failing firm não foi aceita (OCDE, 2010, p. 158).