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3. A teoria da empresa em crise na experiência brasileira

3.6 Interface entre a Lei de Recuperação de Empresas e de Falência com a Lei da

3.6.1 A incidência de normas da Lei de Concorrência no procedimento de falência

No procedimento de falência, por exemplo, os atos praticados no momento de realização dos ativos da empresa em crise podem configurar também atos notificáveis à luz da lei antitruste. O art. 140 da Lei 11.101/2005 estabelece as formas de alienação dos bens empresarias, em ordem que privilegia a venda em bloco, com a nítida finalidade de se tentar manter a unidade produtiva para o futuro adquirente. O rol, na forma como descrito, também reflete a preocupação do legislador com a permanência da atividade empresarial no mercado.

Dentre os casos brasileiros aqui analisados, o ato de concentração 08012.014340/2007-75, justamente aquele no qual a teoria da failing firm restou aplicada, referia-se justamente a uma concentração econômica decorrente da aquisição de ativos em leilão realizado por massa falida. Da leitura do voto condutor, consta que “a Votorantim Metais Zinco S/A participou do leilão de alienação dos direitos minerários da Massa Falida de Mineração Areiense S.A., quando firmou um contrato de arrendamento de três anos” (BRASIL, 2008b). O contrato de arrendamento foi notificado ao SBDC por se enquadrar nas regras de notificação de atos de concentração aplicáveis à época, estabelecidas no art. 54 da Lei 8.884/1994.

É importante perceber que, para os casos de alienação de ativos, mediante leilão, em processos de falência248, quando configurarem também atos de concentração econômica

247 Como, por exemplo, a preterição do conceito jurídico de crise, estabelecido na legislação falimentar, em favor do conceito de crise trazido pelas ciências da administração de empresas e da contabilidade, conforme estudado. Ou, ainda, quando se explicou a dificuldade de analisar, à luz da legislação brasileira, a possibilidade de a empresa se recuperar à luz da legislação falimentar, fato que inviabiliza a utilização desse requisito para aplicação da failing firm defense no Brasil.

248 A regra também se aplica para os leilões de ativos realizados no bojo de procedimentos de recuperação judicial.

cuja notificação é obrigatória, a maioria dos requisitos da failing firm defense estarão preenchidos sempre que o adquirente for o único participante do leilão (caso do ato de concentração 08012.014340/2007-75) ou, no mínimo, for aquele que detém o menor poder econômico dentre os participantes.

Isso porque, caso não seja aprovada a operação, os ativos produtivos necessariamente sairão do mercado, se é que já não saíram, em razão da situação de crise cabalmente constatada com a decretação da falência. Não existiria alternativa viável menos ofensiva à concorrência, uma vez que foi realizado leilão público e apenas o adquirente participou do procedimento ou, pelo menos, dentre os participantes, o adquirente é aquele que detém menor participação de mercado, fato indicativo de que, dentre as operações possíveis, a alternativa vencedora é a que gerará menor concentração249. Finalmente, apenas restaria analisar se seria possível imputar prejuízo significativo à concorrência em decorrência da concentração, ou se esse prejuízo seria consequência natural da própria saída da failing firm.

A partir do ato de concentração citado, podem-se indicar problemas de natureza procedimental e de natureza decisória na aplicação dos preceitos da Lei da Concorrência a atos econômicos praticados no bojo de procedimentos da Lei de Recuperação e de Falências.

Quanto aos problemas de natureza procedimental, observa-se a dificuldade que pode ocorrer na interação entre o procedimento de aprovação do ato de concentração e procedimento falimentar específico, sobretudo por conta da notificação prévia do controle de estruturas instituída pela Lei 12.529/2011.

Há a possibilidade de que a decisão do CADE, aprovando ou não a operação, apenas seja proferida em momento posterior ao que, naturalmente, seriam consumados os atos do leilão no procedimento falimentar. O descompasso entre os procedimentos pode gerar atrasos indesejados à falência, que deve prezar pela célere alienação dos ativos, evitando, assim, uma maior depreciação e prejuízo para os credores.

Uma solução juridicamente250 possível, por parte do Judiciário, seria a suspensão do processo falimentar até que a decisão seja proferida pelo CADE, entendendo-a como questão prejudicial externa251. Alternativamente, uma vez que é a consumação do ato que está condicionada à aprovação do CADE, seria facultado ao agente econômico participar do leilão,

249 Havendo mais de uma oferta, a viabilidade das propostas deve ser considerada para o perfeito preenchimento do requisito. Pode ser que o requisito seja preenchido no caso de, apesar de outros agentes econômicos terem participado do leilão e de o vencedor ser aquele com maior poder econômico, as demais ofertas não serem classificáveis como viáveis.

250 Deve-se frisar a importância de uma solução jurídica para o problema, uma vez que, na prática, o Juízo falimentar pode simplesmente esperar pela decisão do CADE, retardando a realização de atos processuais na falência.

devendo ser apenas retardada a aquisição dos bens, fato que, nos termos do art. 143 da Lei Falimentar252, ocorrerá naturalmente apenas em momento futuro, após o julgamento das impugnações253. Seria importante que o CADE, mediante atos normativos, reconhece-se a prioridade no trâmite de atos referentes a concentrações econômicas originadas em processos falimentares.

Essas são apenas algumas dentre várias soluções aplicáveis à eventual incompatibilidade de procedimentos, problema para o qual, infelizmente, as legislações de defesa da concorrência e de falências não oferecem resposta.

Quanto aos problemas de natureza decisória, ainda tomando como fundamento fático o ato de concentração mencionado, seria possível também que decisões contraditórias fossem proferidas, como, por exemplo, na hipótese de o CADE decidir pela reprovação da concentração, quando o magistrado já tivesse decidido pela homologação do leilão, entregando os bens ao adquirente. Essa decisão em sentido contrário poderia ser proferida pelo CADE muito tempo depois, considerando, por exemplo, uma omissão do agente econômico em notificar a concentração no momento devido.

A legislação antitruste traz solução jurídica que, na prática, pode ser inexequível. O CADE, quanto tiver ciência do ato de concentração, pode não apenas aplicar multa aos agentes econômicos, mas também decretar a sua nulidade, nos termos do §3° do art. 88 da Lei 12.529/2011. Na hipótese de o CADE entender pela nulidade254, a consequência seria o retorno ao status quo anterior à aquisição dos ativos, fato que traria também consequências indesejáveis para o procedimento falimentar.

Esses problemas de naturezas procedimental e decisória referentes à aplicação de dispositivos da Lei da Concorrência a concentrações econômicas praticadas no bojo da falência também podem ocorrer nos processos de recuperação judicial e extrajudicial, com o

252 Assim dispõe o art. 143: “Em qualquer das modalidades de alienação referidas no art. 142 desta Lei,

poderão ser apresentadas impugnações por quaisquer credores, pelo devedor ou pelo Ministério Público, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da arrematação, hipótese em que os autos serão conclusos ao juiz, que, no prazo de 5 (cinco) dias, decidirá sobre as impugnações e, julgando-as improcedentes, ordenará a entrega dos bens ao arrematante, respeitadas as condições estabelecidas no edital (BRASIL, 2005a).

253 O assunto depende de regulamentação do CADE, conforme prevê o art, 89 e parágrafo único. Assim entende a doutrina ao interpretar a norma, com argumentação aplicada para a oferta pública de ações, mas extensível aos leilões para aquisição de ativos em procedimentos falimentares, quando não forem licitações e se enquadrarem na isenção do art. 90 da Lei 12.529/2011: “a regulamentação prevista no art. 89, parágrafo único, deve centrar-

se à hipótese de operação de aquisição de ações por meio de oferta pública” (CORDOVIL et al, 2012, p. 207). Os autores, de maneira equivocada, partem da premissa de que todo leilão será necessariamente uma modalidade de licitação, o que não é verdade. Exemplo é o leilão realizado no processo falimentar para aquisição de ativos. 254 Dificilmente uma alienação de ativos no bojo de processo falimentar seria declarada nula por conta da prática do Gun Jumping, já que muito provavelmente seria aplicada à hipótese a teoria da failing firm, não havendo, portanto, maiores problemas concorrenciais que justificassem a nulidade.

agravante de que, nesses casos, as contradições colocam necessariamente255 em confronto os princípios da livre concorrência com o princípio da preservação da empresa.

3.6.2 A incidência de normas da Lei de Concorrência no procedimento de