• Nenhum resultado encontrado

2. A teoria da failing firm em outros ordenamentos e temas correlatos

2.3 A failing firm e períodos de crise econômica

Em períodos de crise econômica (Economic Crisis ou Distressed Markets), é comum que os agentes econômicos mais fracos se concentrem com agentes de maior poder econômico, com a finalidade de evitar maiores perdas de capital e, consequentemente, afastar a insolvência. É natural, pois, um maior número de concentrações econômicas envolvendo empresas com dificuldades financeiras. Também é corriqueiro que essas empresas busquem enquadrar sua situação na failing firm defense, a fim de terem sua operação aprovada pela autoridade antitruste. Finalmente, tenta-se alegar que, diante da situação de crise global, a defesa deveria ser mais facilmente aceita, haja vista as condições excepcionais de mercado enfrentadas.

Devem-se distinguir, de início, os períodos aqui referidos de crises momentâneas e gerais, decorrentes de contextos macroeconômicos, dos problemas em mercados específicos,

quando analisados em contexto de longo prazo. É possível que um mercado qualquer possa vir a sofrer alterações na sua estrutura de demanda e oferta por motivos decorrentes da própria reformulação dos negócios, fato que, embora deva ser levado em consideração pelas autoridades de defesa da concorrência, porquanto pode até configurar o declining market, tema a seguir tratado, não guarda correlação direta com o assunto aqui abordado.

A crise financeira que ocorreu no mundo em 2007 e 2008, a qual se originou no mercado imobiliário dos Estados Unidos, afetando o sistema financeiro daquele país e, por consequência, de diversas economias no mundo, é um exemplo das crises transitórias aqui abordadas. Difere da crise que afetou os fornecedores de máquinas de escrever, em especial a Olivetti178, após o advento dos computadores de mesa. A inovação tecnológica também viria a impactar as vendas dos desktops, após as criações dos notebooks, os quais, por sua vez, tiveram as vendas afetadas pela criação dos tablets.

Há certo consenso na doutrina de defesa da concorrência de que manter os mercados competitivos em períodos de crises econômicas não é menos importante do que mantê-los competitivos em períodos normais.

A restrição de oferta e o aumento de preços, características constantemente verificadas tanto em mercados cartelizados, quanto em monopólios, tendem a agravar o problema de uma economia em recessão, qual seja o de ter uma produção global abaixo do que seria a capacidade desejada (SHAPIRO, 2009, p. 11). Além disso, proteger empresas ineficientes, mesmo que em períodos de crise, contraria, para alguns, uma das próprias finalidades do direito antitruste, que é promover a eficiência econômica dos players através da concorrência (HEYER; KIMMEL, 2009, p. 11).

Em maio de 2009, Carl Shapiro179, em palestra proferida para a American Bar Association intitulada “Competition Policy in Distressed Industries”, ponderou que:

178 Os administradores de empresas estudam este assunto ao abordar as chamadas “mudanças organizacionais” e as “quebras de paradigmas”. Sobre o tema, Chiavenato explica que as mudanças externas à empresa fazem caducar os objetivos organizacionais e as estratégias empresariais, bem como transformam ideias fenomenais em intenções ultrapassadas e obsoletas (CHIAVENATO, 2006). A Olivetti, líder mundial na venda de máquinas de escrever, deixou de atuar no Brasil em 2003, em razão da crise que estava enfrentando pela concorrência com os computadores de mesa, retornando depois ao Brasil na indústria de informática (ISTOÉ, 2005).

179 À época, Deputy Assistant Attorney General for Economics da Antitrust Division do DOJ dos Estados Unidos. O Deputy Assistant auxilia o Attorney General e eventualmente o substitui na matéria específica a que está incumbido de cuidar. No DOJ, mais especificamente na Antitrust Division, hoje existem 5 (cinco) Deputy Assistant Attorneys General especializados nas áreas de Litgation, Criminal Enforcement, Criminal and Civil

Operations, Economic Analysis e Civil Enforcement. Para maiores detalhes, ver http://www.justice.gov/atr/about/daag.html.

One of the virtues of the competitive process is that it weeds out inefficient firms, or firms that fail to adjust to changing tastes or technology, and rewards firms that are most effective at serving consumers (…) Financial distress, in and of itself, is not an antitrust defense. As we enforce the antitrust laws, we will consistently protect the interests of consumers. Anyone who seeks to limit competition and pleads financial distress as a justification must make a convincing case that consumers will not be harmed by the proposed limitation on competition. The mere assertion that continued competition will leave the suppliers weakened and thus less effective competitors in the future is unlikely to meet this burden180 (SHAPIRO, 2009,

pp. 18- 19).

Shapiro também menciona que a história dos Estados Unidos demonstra que reduzir a efetividade das normas de proteção à concorrência durante os períodos de crise não ajuda a promover a recuperação da economia. O exemplo mais marcante citado é o National Industrial Recovery Act (NIRA) de 1933, o qual efetivamente legalizou cartéis em vários setores da indústria americana e, na visão dele181, teria atrasado a recuperação econômica da Crise de 1929 (SHAPIRO, 2009, p. 23).

Por esses motivos, mesmo em períodos de crise, as normas de proteção à concorrência não devem ter sua aplicação restringida, raciocínio que se aplica também à teoria da failing firm182. A defesa, quando bem aplicada, permite a manutenção dos ativos produtivos da empresa em crise no mercado relevante e pode proporcionar situação benéfica

180“Uma das virtudes do processo competitivo é que ele elimina empresas ineficientes, ou empresas que não

conseguem adaptar-se a mudanças de gostos ou de tecnologia, e premia as empresas que são mais eficazes no atendimento a consumidores (...) dificuldades financeiras, por si só, não é uma defesa antitruste. No sentido em que aplicamos a lei antitruste, nós sempre vamos proteger os interesses dos consumidores. Qualquer um que procure limitar a concorrência e apresente dificuldades financeiras como justificativa deve convencer que os consumidores não serão prejudicados pela limitação proposta à concorrência. A mera afirmação de que continuar a concorrência vai deixar os fornecedores enfraquecidos e, portanto, os concorrentes menos eficazes no futuro é improvável para atender a esse quadro” – tradução nossa.

181 Mesma opinião é compartilhada por Malcom Coate e Andrew Kleit: “In the United States, the antitrust laws

were relaxed during the depression by the National Industrial Recovery Act (NIRA). Because NIRA led to higher prices for consumers and cartel profits for firms, it is generally considered a failure (COATE; KLEIT, 1989, p.3). “Nos Estados Unidos, as leis antitruste foram relaxadas durante a depressão pelo National Industrial Recovery Act (NIRA). Porque o NIRA acarretou preços mais elevados para os consumidores e lucros do cartel para as empresas, é geralmente considerado um fracasso” – tradução nossa.

182 Esse é também o entendimento de Ken Heyer e Sheldom Kimmel que, ao tratarem do tema, concluíram que: “Evaluating whether a proposed merger satisfies the Merger Guidelines’ failing firm defense is often difficult.

The principles underlying the test are, however, generally sound. Moreover, these principles remain appropriate even when the overall economy is going through very difficult times. The current severe downturn may lead to more proposed mergers between financially distressed firms, but it does not imply that looser standards ought to be applied when evaluating them (HEYER; KIMMEL, 2009, p. 14)”. "Avaliar se uma proposta de concentração

satisfaz o argumento da failing firm defense estabelecido no guia de concentrações é, muitas vezes, difícil. Os

princípios subjacentes aos testes são, no entanto, geralmente razoáveis. Além disso, esses princípios continuam a ser apropriados mesmo quando a economia global está passando por tempos muito difíceis. A atual recessão severa pode acarretar concentrações entre as empresas em dificuldades financeiras, mas não significa que normas mais flexíveis devam ser aplicadas na avaliação desses casos” – tradução nossa.

ao consumidor, isso tanto em períodos de recessão, quanto em tempos de expansão econômica.

Esse é o entendimento adotado, em regra, pelas autoridades de defesa da concorrência no mundo183. A OCDE, em 2009, sobre períodos de crise, registrou que: “raises the question whether competition authorities should loosen the FFD criteria, particularly in light of the current global economic crisis. The consensus among the Committee delegates was that there is no justification for such a change184”.

Dessa forma, percebe-se que, embora a situação de crise deva ser levada em consideração, porquanto as autoridades de defesa da concorrência devem analisar as reais condições econômicas nas quais os players estão inseridos, isso não deve, necessariamente, significar o abrandamento da aplicação das normas de defesa da concorrência. No Brasil, à luz da ordem econômica, a aplicação correta da teoria da failing firm defense, nos termos aqui propostos, é suficiente para, em situações de retração ou de expansão econômica, aproveitarem-se, da melhor maneira possível, os valores livre concorrência e preservação da empresa.