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A compreensão do paciente sobre a expectativa da terapia : relações

com a construção do contrato

terapêutico

Maria.Júlia Ferreira Xavier Ribeiro Universidade de Taubaté

Tenho certeza que vindo à terapia você me ajudará a lidar melhor com meu filho, que ostó tão nervoso (Mulher de 32 anos. separando-se do marido e com dois filhos o “nervoso", de 3 anos, e um bebê de dois mesos, que fica aos cuidados de uma babá permanentemente.)

Nào acho que (a terapia) resolva, mas o que eu gostaria è que parasse esse aperto que sinto todo o tempo, e as crises de choro. (Mulher de 33 anos, que procura terapia, vem à primeira sessão, desmarca a próxima e remarca) Espero me sentir melhor. Vivo com esse mal-estar hà tantos anos, que tudo que eu queria era poder sentar-me para Jantar com outras pessoas e não ficar sentindo que tudo que se fala ó indireta para mim (Homem, 38 anos, diagnosticado pela famiiia desde os 18 anos como depressivo.)

A pessoa que busca por terapia está sempro rospondondo à presença de condições avorsivas. Ela detecta que algo está errado, está ruim, e busca no repertório do terapeuta o "alivio para seus problemas". Portanto, a primeira expectativa sobro possíveis ganhos terapêuticos está sempre ligada a uma contingência de reforçamento negativo: esta terapia e este terapeuta podem diminuir ou fazer cessar a aversividade prosonto om meu cotidiano.

Nesse sentido, queixa e expectativas são apresentadas como uma continuidade, que deve ser considerada com vistas à investigação torapêutica subseqüente (César, 2001).

O seguinte excerto de uma primeira sessão torapêutica ilustra este ponto:

Meu marido e eu vivemos em briuas desde auo casamos. Ê verdade, há as criancas. aue são o lado bom do casamento. Mas iá pensei muito. iá chorei, tá nedi. iá briguei. Ele nào muda. Vivemos de modo bem independente Quando vamos sair, cada um vai no seu carro. Assim, p o s s o ficar quanto eu ouiser. passar onde eu ouiser. Quando bnoamos. falamos em seoarar. Deoois eu üonso: primeiro

qiqqsq ma oroanuar. ü m com minha Lâüauà malhar. Qãnhar malhar, ora entâo

ancarar a vida de mulher seoarada Mas minha cabeca nem se more à boa. Por

i&to aue Ytm aqui.

Que contingências está a Cliente doscrevendo?

Nesto caso, a situação pode sor interpretada da seguinto forma:

Convivência com o marido ó produtora do aversividade, o a separação ó o comportamento quo faria cossar ou reduzir a avorsividado (fuga/esquiva), o sou comportamento seria nogativamente reforçado. Entrotanto, antecipa conseqüências aversivas na "vida de mulher soparada", cuja redução seria possível "ficando com a cabeça melhor”.

Nesta linha de análise, o processo torapôutico seria o instrumento que faria "sua cabeça melhorar", ostabolocendo em sou reportório comportamontal os desempenhos que evitariam a aversividade ulterior e permitiriam a emissão do comportamonto de separar-se que, este sim, oliminaria a aversividade prosonte.

Condição avorsiva Desempenho que põe fim, reduz ou evita estimulação aversiva

Fuga ou esquiva Comportamento do marido Separação Estar separada Estar separada Preparar-se para a separação

Neste momento, o T se perguntará: estará a C descrevondo as contingências que de fato estão presentes em sua relação conjugal e familiar? Supondo-se que a resposta à pergunta seja não, que contingências estão controlando este relato verbal? É possível pensarem diversas possibilidados (Beckert, 2001), que demandariam exploração.

Pensemos no trecho abaixo:

Vivemos de modo bem independente. Quando vamos sair, cada um vai no seu carro Assim, posso ficar quanto eu quiser, passar onde eu quiser.

Há, no relato, referência a uma tentativa de redução de aversividade, ovitando o contato freqüente característico das relações conjugais. Mas há também reforçadores positivos (ficar quanto eu quiser, passar onde eu quiser). Como esta forma de controle do ambiente afeta o repertório do marido? Ele também estará sondo roforçado o, por isto, cooperando para o distanciamento entro ambos? Que outras formas "paliativas" estarão sendo emitidas?

Mas já pensei muito, lá chorei, já pedi, fá briguei Ele não muda.

Neste trecho, há a idéia de que a molhoria do relacionamento dependoría de mudanças do repertório do marido. Ela poderia ganhar controle sobre o comportamento dole?

Primeiro preciso me organizar, ficar com minha cabeça melhor, ganhar melhor, pra então encarar a vida de mulher soparada.

Ficar desorganizada', com a cabeça ruim', não seriam do fato comportamentos de esquiva à separação, ao invés de classe de resposta independente da relação conjugal?

Com estas possibilidades, o T provavelmente passará a investigar: - Como o marido roage á cvitação do convivência? Ele intensifica a emissão do comportamentos aversivos para a C? Quo características têm tais comportamentos? Elo reduz a emissão do aversivos? Emite comportamentos que reforçam positivamente?

- Quais os reforçadores positivos presentes na vida da C? Onde ela passa? Com quem?

- Qual a topografia dos comportamentos da C que pedem mudança do marido? Não sorão aversivos para ele?

- Que dificuldades a C relata em sua vida cotidiana, relacionadas ao quo ola denomina "cabeça ruim"? Isto poderia esclarecer até quo ponto este ó um fator limitante, cuja solução facultaria a separação?

Resumindo:

Pode-so ontondor, apressadamente, que a expectativa ó melhorar para separar-se. Entretanto, cabe a dúvida: não seria preciso melhorar para podor convivor? Deste m odo, a q ueixa Inicial ó sem pre re fo rm u lad a, por força das discriminações do T e das Intervenções verbais feitas por ele.

Gosto do sua voz macia e do sorriso que dança em seus olhos Gosto de suas palavras tranqüilas

e desse anjo temo que te habita

Voltemos à relação entre expectativas o as formas de construção do contrato terapôutico.

Ao explicitar que a forma de ajuda que posso prestar requer a presença do cliente nos locais, horários e tempo pré-estabelecidos, estou dizendo ao cliente que espero sua colaboração ativa. Em outros termos, espero quo se comporte, de modo que possa observá-lo, reagir a seu comportamento e alterá-to, bem como ser alterada por elo.

Digo a ole que não espere ajuda da terapia sem se relacionar comigo, das maneiras como ó capaz, porém resguardados os limites terapêuticos. Assim, surge para o cliente a regra: preciso analisar meu comportamento e fornocor elementos de análise. Esta regra faz com que falar de si próprio tenha alta probabilidade de ocorrência. Além disto, não falo de mim, mas sou ouvinte atenta (Skinner, 1953/1970, 1989/ 1991) e as formas como meus comportamentos verbais e não verbais provêm conseqüências para o falar do si próprio fortalecem ainda mais tal repertório.

Solidão Agonia. E a sua alma em algum ponto tocando a minha.

Assim, o exame destas condições inicialmonte propostas pela queixa constitui fator altamento relevante no estabelecimento da Aliança Terapêutica.

Esto conceito, proposto por Zetzel (1956) no âmbito da psicotcrapia psicanalltica, podo ser aqui retomado como uma classe de respostas que inclui comportamentos de variadas topografias, mas cuja funcionalidade se caracteriza por orientar-se a um exame das contingências controladoras dos comportamentos do paciente, realizada sob condições redutoras de aversividade, mobilizando o repertório vorbal do terapeuta, que doscrove as contingências observadas e, freqüentemente, retoma o reconstrói comportamentos verbais do paciente.

O estabelecimento da aliança terapêutica ó dependente de muitos fatores, incluindo a oxperiôncia anterior do terapeuta. Entretanto, implica deixar-se controlar o simultaneamente reconhecer as fontes de controle emanadas do comportamonto do paciente (Delitti, 2005). Para modificar o repertório do paciente, preciso prover

conseqüências por meio de meu próprio repertório. Para que o meu comportamento seja de fato conseqüência do dele, tenho que permitir que ele me controle, dentro das

regras contratadas.

Por isto, durante as sessões, as regras do contrato sào experimentadas como contingências. O comportamento governado por regras é submetido também ao controle por contingência.

Estabelecida a aliança terapêutica, sobrevem um período de Intensa roformulação nas oxpoctativas do paciente.

O paciente torna-se progressivamente mais apto a realizar análises funcionais (do seu comportamento e do dos outros), como resultado das análises efetuadas pelo terapeuta e pelas instruções de auto-observação dadas ao paciente (Beckert, 2002). Esta partilha de nosso principal instrumento * a análise funcional - provoca importantes mudanças na forma do paciente ver o mundo:

a) Muitos pacientes têm inicialmente uma visão parcial da questão do controle. Imaginam-se vitimas passivas do controle ambiental, ou, alternativamente, poderosos controladores e culpados pelas inadequações do mundo. A análise funcional favorece discriminações mais adequadas das formas de controle existentes e possíveis e, assim, favorece que se sinta integrado ao ambiente, nem vitima, nem agressor.

b) Desenvolve-se a atenção a pequenas unidades comportamentais. O paciente espera inicialmente grandes melhoras, grandes mudanças. Entretanto, aprende que o processo de modelagem requer atenção a mudanças sutis do comportamonto.

c) Desenvolve-se a atenção a relações entre respostas aparentemente dispares, mas que se incluem nas mesmas classes de resposta (diferentes topografias, mesmo controle funcional). Assim, reconhece progresso quando observa aumento de freqüência em condutas que são funcionalmente relacionadas.

d) Desenvolve-se a atenção às ações, ao comportamento público. Nossa comunidade social prioriza como "EU" os eventos privados e, muito especialmente, os sentimentos e as emoções. Assim, boa parte da terapia ó consumida com relatos de sentimentos e boa parte das expectativas do pacionte é relacionada a mudanças pretendidas em sentimentos e emoções Já o terapeuta reage ao comportamento aberto: provê para ele conseqüências por meio de seu comportamento verbal e não verbal. Revoluciona-se a regra do paciente, de que sentimentos e emoções são causas do comportamento. O paciente passa a incorporar o comportamento aberto como elemento de sua auto- análise. Pode então esperar mudanças nas suas ações sem precisar antes mudar seus sentimentos.

Nesta fase, fica mais clara a congruência entre os objetivos do terapeuta e as expectativas do paciente (Santos & Abreu-Rodrigues, 2002), pois este vai aprendendo habilidades que inicialmente eram especificas do terapeuta.

E se hoje eu estendo a minha mão foi porque a sua me tocou. E se o sangue pulsa em minhas veias foi porque você se importou.

Com o progressivo domínio da análise funcional, o paciente atinge a etapa final

da terapia. Nesta fase, faz análises muitas vezes, mais pertinentes que as do terapeuta. Fica cada vez mais clara a expectativa de autonomia, de ser reconhecido pelo terapeuta como capaz de analisar-se sozinho. É a hora da alta,

Retomando e concluindo:

O contrato terapêutico refere-se à explicitação verbal, realizada pelo terapeuta, de um conjunto de contingências pelas quais a relação será controlada: local, horário, periodicidade e duração das sessões, interrupções programadas e pagamentos.

Entretanto, muito mais do que "contingências contratadas" vigorarão durante o procosso psicoterápico. A queixa (ora expectativa, ora diagnóstico) regulará o comportamento da dlade paciente-terapeuta. Será manejada ao longo do processo (Silveira e Kerbauy, 2000). Inicialmento irá interagir com o contrato, no ostabolecimonto e manutenção do que se convencionou chamar "aliança terapêutica", o tipo muito especial de relação humana que se dá quando uma relação de trabalho, com papéis bem definidos, se firma entre paciente e psicoterapeuta. Irá reverter o "relacionamento real" típico do inicio da terapia, quando informações especificas sobre a pessoa do terapeuta são eventos controladores preponderantes. Será progressivamente retomada, durante a fase intermediária em que Terapeuta e Cliente são controlados pela aliança terapêutica. Mudará novamente quando, ao final do processo, os ganhos terapêuticos se fundirem ao cotidiano do cliente, revertendo novamente a relação à real.

Analisei aqui a evolução das expectativas ao longo de um processo psicoterápico que evolui para a alta. Caberia analisar outras possibilidades, inclusive aquelas que envolvem interrupção prematura da psicoterapia.

Concluo minha exposição citando um trecho bem conhecido.

A afirmação de abertura do Skinner em Verbal Behavior é “Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez são modificados por ele". No processo terapêutico, T e C são organismo e são ambiente, são simultaneamente Homem e Mundo. Assim, o processo terapêutico os modifica. O longo processo de transformação por que passam as expectativas do cliente não ó a emergência de anseios e possibilidades ocultas do paciente, mas sim construção partilhada pela dlade, construção que modificou a ambos.

Nota

Atendi durante 3 anos uma mulher, que ao me procurar, queixava-se de que não sentia proximidade afetiva. Apresentava episódios depressivos freqüentes. Ao longo do processo, esperou ter mais amigos, esperou encontrar um parceiro mais caloroso, esperou mudar seus irmãos e a relação com a família. Ocorreram vicissitudes, de ordem material, o ela esperou resolvê-las. Vivenciou a doença e a morte de uma irmã, e esperou superá-la. Junto com ela, eu também esperei. Esperei principalmente que ela discriminasse os elementos de seu repertório que favorecessem relacionamentos calorosos.

A interrupção do processo se deu por motivos financeiros, em um momento em que seu repertório de intimidade se consolidava.

Aproximadamente um ano depois, recebi dela a poesia cujos fragmentos ilustram este texto, que ela denominou A uma amiga.

Referências

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Santos, C.V.; Abreu-Rodrlgues, J. (2002). Valores do terapeuta e do cliente no estabelecimento de objetivos: uma análise funcional baseada no conceito de metacontlngôncia. In; H. J. Guilhardl, M. B. B. P. Madl, P. P. Queiroz & M C. Scoz (Org ), Sobre comportamento e cognição: contribuições para a construção da teoria do comportamento (pp. 83-87). S.P.: ESETec. v. 9. c. 8.

Silveira, J.M. & Kerbauy, R.R A interação terapeuta-cliente: uma investigação com base na queixa clínica. In; R. R. Kerbauy, (Org.) Sobre comportamento e cognição: conceitos, pesquisa e aplicação, a ônfase no ensinar, na emoção e no questionamento clinico (pp.213-221). S.P.: ESETec. v.5. c.25.

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Brasília.

Zetzel, E. R. (1956). Current concepts of transference. Int. J. PsvchoanaL 37, 369-376.

Capítulo 16

Variáveis significativas ao