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A comunicação como problema epistemológico

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6. Epistemologia da Comunicação

6.2 A comunicação como problema epistemológico

O estudo epistemológico da comunicação, seja sob a perspectiva científica ou filosófica vem conquistando espaços nos meios acadêmicos nacional e internacional. No exterior, deve-se à ICA – International Communication Association a criação de uma divisão de estudos específica sobre filosofia da comunicação. Recentemente, Anderson & Bayn (2004) fizeram um balanço dos textos publicados entre 1995 e 2004 pelas revistas científicas vinculadas às quatro principais associações internacionais de comunicação48. Os textos foram avaliados sob a perspectiva dos seguintes domínios filosóficos: ontologia (existência), epistemologia (conhecimento), praxeologia (ação humana) e axiologia (valores). A avaliação da produção acadêmica em Comunicação sob esses critérios chegou a ser defendida por Fuentes Navarro (2003, p.23), durante o III Seminário Interprogramas da Compós. No entanto, é importante salientar que estudos como esse, embora contemple os principais ramos filosóficos como critério de análise, não se configuram em uma tese de idéias ou de doutrina,

48 As associações são as seguintes: International Communication Association - ICA, National Communication Association - NCA, Association for Education in Journalism and Mass Communication - AEJMC e Broadcast Education Association - BEA. Entre as principais publicações encontram-se: Communication theory, Human

communication research, Communication Monographs, European journal of communication research e Asian journal of communication.

onde todas as perguntas e respostas são filosóficas, por se tratar de uma pesquisa empírica. No Brasil, merece destaque o estudo da pesquisadora Maria Critina Gobbi (2002), que se propôs a estabelecer as principais linhas de investigação do pensamento latino-americano em Comunicação. Para isso, utilizou abordagens qualitativas e quantitativas, neste caso, através da Cienciometria e da Bibliometria.

Exemplos de pesquisa epistemológica, de natureza filosófica, podem ser encontrados nos trabalhos realizados por Signates (2001) e por Marcondes Filho (2002, 2004). No primeiro caso, ao assumir a noção de “meios de comunicação de massa” como referencial problematizador, Signates alicerça-se na hipótese de que essa expressão revela uma inconsistência teórica que exige sua superação. A partir dessa hipótese, o autor elabora uma crítica a diversas formulações teóricas em comunicação e elabora uma proposta teórico- conceitual mais abrangente sobre o tema. Para realizar esse empreendimento, Signates (2001) adota como principal referência a teoria dual da sociedade em Habermas (sistema e mundo da vida)49. No segundo caso, em seus trabalhos sobre a epistemologia da Comunicação, Marcondes Filho (2004, v.2, p.11-12) defende a idéia de que essa área do conhecimento pertence, em primeiro lugar, ao campo da filosofia. Sua tese epistemológica é que a pesquisa em comunicação deve se pautar pelo “princípio da razão durante”, proposta originalmente por Heráclito, ou seja, pela apreensão dos fenômenos enquanto processos, no momento de sua manifestação. Essa tese servirá de principal referência a Marcondes Filho em seu trabalho de reflexão sobre a comunicação, desde os primeiros passos da filosofia até nossos dias.

Uma análise comparativa dos estudos de Luiz Signates e Ciro Marcondes Filho na esfera da Comunicação, e de Ivan Domingues na esfera das ciências humanas, leva à conclusão que eles abordam, em diferentes graus de proximidade, um problema filosófico fundamental: a inadequação, nos tempos atuais, do excessivo apego a formas objetivadas da realidade, tais como as instituições sociais, o capital, os mitos e as relações sociais. No trabalho de Domingues (2004) a constatação desse problema nas obras de Durkheim, Weber, Marx e Lévi-Strauss é interpretada como negação do sujeito do conhecimento pelas ciências humanas. Diante desse problema, Domingues (2004) propõe a elaboração de uma teoria epistemológica particular, de natureza construtivista, com base no argumento do criador do

49 No pensamento de Habermas a sociedade é pensada em dois níveis: mundo da vida e sistema. Grosso modo, o

mundo da vida representa a dimensão da interação humana, baseada no agir comunicativo entre sujeitos livres,

de caráter emancipador em relação à dominação técnica; a noção de sistema é definida como um conjunto de atividades orientadas pela razão instrumental, de forma a garantir a sobrevivência política e econômica das sociedades modernas. Essa racionalidade instrumental seria responsável pela dominação técnica e pela produção de relações assimétricas entre os indivíduos (HABERMAS, 2001, p.45-92; INGRAN, 1994, p.153-175; JAPIASSU & MARCONDES, 1996, p.121; SIGNATES, 2001, p.119-131, grifos nossos).

conhecimento, proposto originalmente por Vico. Nos estudos de Marcondes Filho (2002, 2004), o realismo epistemológico será considerado ultrapassado por não contemplar as ambigüidades da realidade, reveladas pelas novas teorias científicas (teoria do caos, teoria da complexidade, teoria da autopoiese), onde as coisas são e não são ao mesmo tempo. Essa constatação leva o autor a propor um método para os estudos de comunicação “adequado aos novos tempos de alta rotatividade, de rápida perecibilidade de idéias e modelos” 50 (MARCONDES FILHO, 2002, p.252). Luiz Signates, por sua vez, ao avaliar os estudos contemporâneos em comunicação social sob a teoria dual de Habermas, critica o enrijecimento teórico desse autor por institucionalizar a noção de sistema nas figuras do Estado e do mercado, e a noção de mundo da vida na esfera pública e na família. Como alternativa a esse problema, Signates propõe a transposição dessas duas categorias da condição de institucionalidades para a de lógicas de ação social, que poderiam ser identificadas dentro de quaisquer instituições (SIGNATES, 2001, p.229-235, grifos nossos).

Em suas especificidades, os dois trabalhos em comunicação citados anteriormente se esforçam no sentido de propor novas formas de pensar a comunicação, em consonância com os novos tempos representados pela sociedade globalizada, ou pós-globalizada. Uma característica comum desses estudos é a crítica às concepções ontológicas e epistemológicas excessivamente realistas. Contraditoriamente, a presença de novas formas de sociabilidade na sociedade contemporânea, é condicionada (não determinada), em grande parte, por um fato bem concreto: a emergência das novas tecnologias de informação. Um exemplo de como essas novas tecnologias estão afetando a produção teórica em Comunicação pode ser encontrado na obra de Pierre Levy (1993, 1996, 1999). De acordo com esse autor, “na abordagem clássica dos fenômenos da comunicação, os interlocutores fazem intervir o contexto para interpretar as mensagens que lhes são dirigidas”. Ao contrário dessa afirmação, Levy propõe que o contexto seja o próprio alvo dos atos de comunicação: “Em uma partida de xadrez, cada novo lance ilumina com uma luz nova o passado da partida e reorganiza seus futuros possíveis; da mesma forma, em uma situação de comunicação, cada nova mensagem recoloca em jogo o contexto e seu sentido” (LEVY, 1993, p.22).

Talvez essa metáfora da comunicação enquanto jogo não seja tão atraente para Habermas, em seu esforço de resgatar a interação humana. Mas, considerando a comunicação sob uma perspectiva menos normativa e mais descritiva, essa imagem parece adequada para caracterizar os processos comunicacionais que se verificam atualmente nas relações entre os

50 Esse método ainda não foi totalmente desenvolvido pelo autor, o que deverá ocorrer no terceiro volume de sua

atores da nova ordem mundial. No contexto dessas relações, as tecnologias da informação operam como disseminadoras de instrumentos de poder, tornando o mundo global muito mais complicado e cheio de contradições. De acordo com Gilberto Dupas (2005, p.27-32), os atores do jogo global podem ser agrupados em três categorias principais: a área do capital, a área da sociedade civil, a área do Estado e, mais recentemente, os grupos terroristas, que adquiriram a condição de novos e importantes atores globais. Dupas se esquece de evidenciar as organizações midiáticas.

Ao mesmo tempo em que propõe essa categorização, Dupas (2005, p.40) reconhece que os atores nunca são bem definidos no jogo global: eles se delineiam por meio de alianças temporárias de geometria variável, onde as regras vão se constituindo durante o próprio jogo: o aliado de hoje pode ser o inimigo de amanhã. Isso ocorre, por exemplo, quando os Estados Unidos inventam o conceito de guerra preventiva para invadir o Iraque à revelia da Organização das Nações Unidas, quando a Espanha decide julgar um ex-presidente chileno por crime contra a humanidade, ou quando uma corporação transnacional tenta controlar sozinha o genoma da espécie humana (DUPAS, 2005, p.37). Se ação e comunicação são quase sinônimos, com a diferença que a comunicação visa mais diretamente o plano das representações (LEVY, 1993, p.21), então seria possível compreender as diversas possibilidades de jogo na ordem global enquanto processos comunicacionais envolvendo organizações.

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