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A comunicação na relação profissional de saúde-paciente

2. Os profissionais de saúde

2.3. O profissional de saúde e a sua relação com o paciente

2.3.1. A comunicação na relação profissional de saúde-paciente

A comunicação é uma competência imprescindível na relação profissional de saúde- paciente. É sobre o profissional de saúde que recai a função de veicular a informação nas relações duais – profissional de saúde-paciente e profissional de saúde-cuidadores e, na relação tríade – profissional de saúde-paciente-cuidadores (Feuerwerker, 2003; Llor et al., 1995; Pereira, 2004b; Silva, 2002). Estes devem ser acessíveis e receptivos com os pacientes e seus cuidadores, mantendo sempre as informações sob sigilo profissional (Feuerwerker, 2003; Pereira, 2004b; Lobão, 2003).

No âmbito da saúde, a comunicação entre profissional de saúde-paciente adquire especificidades, tendo em conta que os envolvidos se encontram numa situação com características próprias (Feuerwerker, 2003). Tatossian (s/d, citado por Llor et al., 1995) propôs um modelo que intitulou “relação técnica de serviço”, através do qual esclarece que a relação criada entre o profissional e o paciente é mínima, de modo que este último é tratado como um objecto, existindo, assim, uma relação assimétrica, com distribuição desigual de estatuto. O profissional de saúde é que possui os conhecimentos, tem a iniciativa, toma as decisões e inclusive define os comportamentos. Na verdade, esta caracterização da comunicação entre profissional de saúde-paciente não é condição sine qua non actualmente (Llor et al., 1995). Apesar do paciente depender do profissional de saúde no que respeita a prestação de cuidados, as mudanças socioculturais e políticas ocorridas nas últimas décadas do século XX contribuíram para que ambos se encontrem em pé de igualdade, aniquilando assim, a relação assimétrica vigorada até então (Llor et al., 1995).

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Hoje em dia, o paciente é entendido como um sujeito activo e como um ser biopsicossocial (Bennett, 2000, 2002; Llor et al., 1995; Pais Ribeiro, 2005; Serra, 2005), embora existam diferenças particulares no que concerne a finalidade, o tipo de doença e as características, durante as quais ocorre a comunicação. Além disto, a comunicação depende também da motivação dos envolvidos (profissional de saúde, paciente e cuidadores), das suas características psicológicas (e.g., competência para comunicar e relacionar-se) e por fim, a forma como cada participante assume o seu papel (Llor et al., 1995; Serra, 2005).

O papel e a influência da comunicação interpessoal na área da saúde são decisivos, tendo em conta em que à compreensão do ser humano subjazem códigos psicossociais e psicobiológicos. Os pacientes estão atentos e criam vínculos, basicamente, pela forma como o profissional de saúde transmite a informação. Este está atento à coerência e à complementaridade da comunicação verbal e não-verbal do orador (Feuerwerker, 2003; Silva, 2002). De facto, um dos graves problemas que pode emergir da comunicação é a tradução da informação veiculada pelo profissional de saúde ao doente, na medida em que, por norma, para o receptor, neste caso o doente, a mensagem nunca tem o mesmo significado que tem para o emissor (Coucello, 1997, citado por Serra, 2005; Llor et al., 1995). Na sequência desta realidade, a ausência de esperança nos profissionais de saúde, influenciará a esperança dos doentes e familiares (Lazure, 1996).

Silva (2002) defende que toda a informação/comunicação é munida de sentimentos, sendo inevitável para o profissional de saúde não deixar transparecer as suas emoções no seu discurso, mesmo de forma ténue, e é ainda menos provável que o paciente e seu cuidador não transmitam os seus sentimentos e emoções. Este facto é explicado pelos princípios da comunicação, que salvaguardam a inexistência de neutralidade na troca de mensagens entre seres humanos (Fiske, 1990, 2005; Ricci Bitti & Zani, 1983, 1997; Serra, 2005).

2.3.1.1. A verdade e a esperança na comunicação

A problemática da informação tem assumido um lugar de destaque, conduzindo a posições diferentes relativamente à comunicação e/ou ocultação da verdade referente à

situação patológica do doente. Mas a esta questão, sobrepõe-se uma outra, saber como, quando e quanto se deve revelar sobre o estado de saúde (Hardy et al., 1980, citado por Dias, 1997). Porém, actualmente, a necessidade de informação ao doente a à família é reconhecida no campo conceptual como um direito destes e um dever dos profissionais de saúde no contexto das suas práticas (Pereira, 2004b; Quintana, Cecim & Henn, 2002).

Porém, o processo de tomada de decisão relativamente ao acto de informar é muito complexo, gerando no profissional de saúde um conflito interno entre o contar ou não uma má notícia a um paciente ou seu familiar, principalmente quando se trata de um diagnóstico nefasto, como é o caso do cancro (Pereira, 2004b). Muitos profissionais de saúde consideram os seus pacientes demasiado vulneráveis para receber um diagnóstico desta natureza e temem o surgimento de uma perturbação emocional (Pereira, 2004b; Quintana et al., 2002), opinião partilhada em muitos casos pelos seus cuidadores (Quintana et al., 2002). Salienta-se que o que ocorre na maior parte das vezes é que o próprio silêncio do profissional de saúde, a ausência de informação é a confirmação das suspeitas do doente e seus familiares face a um diagnóstico que pressentem mas que não é transmitido verbalmente (Pereira, 2004b; Quintana et al., 2002). O conflito interno e a opção de silêncio do profissional de saúde como forma de comunicação de más notícias deve-se especialmente ao facto destes não se sentirem apoiados e quererem evitar o fardo emocional de lidar com a angústia dos pacientes (Pereira, 2004b). São muito poucos ou nenhuns os profissionais que recebem formação neste âmbito, reforçando a falta de competência e estratégias específicas para a divulgação de más notícias (Bennett, 2000, 2002); apesar da prática correcta indicar que o paciente deve ser informado e esclarecido sobre a sua saúde (Bennett, 2000, 2002; Hardy et al., 1980, citado por Dias, 1997; Pereira, 2004b).

Apesar de ser reconhecido que a transmissão de informação é uma tarefa difícil e complexa, um estudo de Pereira (2004b) confirmou que esta reduz a incerteza e constitui uma ajuda essencial para os doentes e sua família aceitarem e lidarem com a doença, participarem nas tomadas de decisão e envolverem-se no processo de tratar e cuidar. Tudo isto contribui para a aquisição do controlo da situação, conferindo autonomia e um sentimento de bem-estar apesar da realidade. O doente tem o direito de

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saber a verdade sobre a sua doença e o profissional deve prestar informação aos doentes, com vista ao restabelecimento da sua autonomia, mas sem lhes retirar a esperança, uma vez que é uma dimensão excepcional para a sua recuperação (Pereira, 2004b).

Em Oncologia, confirmam-se estas circunstâncias. A informação veiculada ao doente oncológico e seus cuidadores acerca do seu estado de saúde ajuda-os positivamente ao longo dos múltiplos internamentos e terapias em ambulatório e perante as adversidades decorrentes da doença (Pereira, 2004b). De facto, os médicos têm conhecimento que podem oferecer maior esperança aos doentes oncológicos, afastando de certa forma o medo de morrer; embora a esse medo esteja subjacente uma limitação à comunicação aberta entre médico e doente (Durá, 1990, citada por Dias, 1999). Neste sentido, o que acontece é que o simbolismo social desta doença inibe a clareza do processo de comunicação, tornando a informação ambígua e imprecisa, enfatizando a sua mistificação (Matos & Pereira, 2002).

O que a literatura revela é que a verdade na comunicação de más notícias na saúde deve ser dada ao ritmo e circunstância de cada pessoa (Pereira, 2004b). Esta deve ser libertadora e não destruidora; a verdade “propõe-se, não se impõe” (Pereira, 2004b, p. 35). A informação deve ser gradual, clara e adaptada à vontade, personalidade, compreensão e necessidade de saber manifestada pelo doente, assim como pela possibilidade de uma participação activa, visto que uma verdade total pode conduzi-lo à desistência de lutar, aceitando a situação como irremediável (Bennett, 2000, 2002; Pereira, 2004b; Pereira & Lopes, 2002). O doente tem direito de saber a verdade, mas sem nunca lhe ser retirada a esperança; nem tão pouco o profissional de saúde deve transparecer a sua própria esperança, sobretudo quando esta é diminuta, uma vez que exerce grande influência sobre o doente (Pereira, 2004b). Pois, a esperança, segundo Gregório (2004, citado por Pereira, 2004b, p. 35), é um sentimento “que leva o homem a olhar para o futuro, considerando-o portador de condições melhores que as oferecidas pelo presente, de modo que a luta pela vida e os sofrimentos são enfrentados como contingências passageiras, na marcha para um fim mais alto e de mais valor”. Neste sentido, os profissionais de saúde podem oferecer uma esperança realista que pode

interferir na qualidade de vida do paciente, na dignidade e no confronto durante a evolução da doença (Pires, 2003, citado por Pereira, 2004b).

Em suma, o que se constata é que a informação é considerada um factor relevante no que se refere à ajuda necessária aos doentes e família para lidar com patologias severas, como o cancro. A informação constitui ainda uma ajuda significativa ao doente a nível emocional, pois dá-lhe uma sensação de controlo da situação. Por consequência, a relação profissional de saúde-doente-cuidadores é determinante para a prática de cuidados e qualidade de vida dos doentes e família, podendo ter um fim terapêutico ao ajudar o doente e sua família a ultrapassar as dificuldades, os medos, as angústias e até as incertezas. É com fundamento nestes parâmetros que vários investigadores defendem a humanização como agente primordial desta relação interpessoal.