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A esperança: A teoria de Snyder e colaboradores

Snyder, certamente o autor que mais tem estudado a esperança (Barros de Oliveira, 2004), tem vindo a demonstrar o seu árduo trabalho na área, editando dois manuais, um deles inteiramente dedicado ao construto, “Handbook of hope” (Snyder, 2000) e um outro, co-editado com Lopez (2002) que se debruça sobre Psicologia Positiva e sobre processos positivos, nomeadamente a esperança. Assim, torna-se de extrema pertinência abordar e incidir sobre a definição facultada por Snyder e colaboradores (1991, citado

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por Snyder, 2000), uma vez que, desde o seu surgimento, tem sido sobre esta, que as investigações se têm alicerçado. Neste âmbito, torna-se relevante realçar novamente a definição que Snyder e colaboradores atribuíram à esperança. Estes autores (1991, citado por Martinez et al., 2007, p. 37) preconizam o construto esperança enquanto “estado motivacional positivo baseado numa interacção que resulta num sentimento de sucesso e respectiva energia motivacional orientada para os objectivos (agency) e no planeamento necessário à consecução desses mesmos objectivos (pathways)”.

Após terem definido o construto esperança de uma forma mais específica, Snyder e colaboradores procuraram analisar e compreender a trilogia que compõe o construto: objectivos, caminhos e iniciativa, partindo dos relatos e pensamentos dos investigados (Lopez et al., 2004; Snyder, 2000). Neste sentido, a investigação recorreu à entrevista de modo a obter os dados necessários para análise e compreensão da esperança (Lopez et al., 2004; Snyder, 2000). Sendo esta trilogia essencial para a compreensão da esperança, importa salientar as conclusões desta investigação, descrevendo cada componente da esperança.

Objectivos.Os investigadores concluíram, através dos relatos dos investigados, que, em qualquer tarefa que estes últimos efectuam, procuram sempre alcançar um objectivo (Snyder, 2000; Snyder et al., 2002). Apesar do cepticismo que emergiu aquando da realização das primeiras investigação sobre a esperança, as conclusões datadas da época revelam-se firmes e duradouras, na medida em que Samuel Coleridge (1912, citado por Snyder, 2000, p. 9), num dos seus trabalhos escreveu, que “Sem esperança um objecto não pode viver”. Embora os mais cépticos realçassem que a esperança era um construto vago e que lhe faltava uma âncora, actualmente salvaguarda-se o facto dos objectivos provirem das sequências da acção mental, isto é, do processamento cognitivo, sendo este reconhecimento que representa a âncora da teoria da esperança (Snyder, 1994, citado por Snyder, 2000; Snyder, Cheavens & Sympson, 1997, citado por Snyder, 2000; Snyder et al., 2002).

De acordo com os entrevistados, os objectivos precisam de ser suficientemente valorizados pelos próprios, para que estes ocupem os seus pensamentos (Averill, Catlin & Chon, 1990, citado por Snyder, 2000; Snyder et al., 2002), sendo que estes possuem

caracteristicamente alguma incerteza. De facto, a reprodução do alcance dos objectivos através de um traço contínuo, teria num dos seus extremos a “certeza absoluta” (100% de probabilidade de realização) e no outro, a “incerteza absoluta” (0% de probabilidade de realização). Se os objectivos se situarem neste último extremo, a sua concretização é verdadeiramente insustentável, uma vez que, por norma, estes são contraproducentes, ao invés de serem úteis (Averill et al., 1990, citado por Snyder, 2000). A investigação corrobora ainda que as pessoas percepcionam a esperança como um florescer sob as condições do objectivo e sob a probabilidade intermediária de o alcançar (Snyder, 2000). Isto significa que o ser humano efectua uma auto-análise sobre a capacidade e probabilidade de alcançar o seu objectivo, ao longo do caminho (Averill et al., 1990, citado por Snyder, 2000).

Pensamentos de caminho (Pathways thoughts). O caminho escolhido para alcançar os objectivos pretendidos é essencial para o sucesso. De facto, a Psicologia Cognitiva argumenta que o objectivo do cérebro é compreender e antecipar a razão das sequências (e.g., A B) (Craig, 1943, citado por Snyder, 2000; Pinker, 1997, citado por Snyder, 2000). Esta representação mental (cf. Figura 1) explica-se através da capacidade que o indivíduo (A) possui para planear e produzir um caminho ( ) para atingir um objectivo (B) (Snyder, 2000).

Pensamentos de iniciativa (Agency thoughts). A iniciativa caracteriza-se por ser o elemento motivacional que despoleta e permite aos indivíduos imaginarem os caminhos necessários para alcançar os objectivos (cf. Figura 2). A iniciativa reflecte-se, assim, na percepção que os indivíduos têm aquando da iniciação do movimento que imaginaram para percorrer o caminho até ao objectivo. A iniciativa também pode reflectir a capacidade de apreciação e perseverança do indivíduo ao longo do caminho até atingir o objectivo. Assim sendo, conclui-se que o objectivo e o caminho se encontram

A

B

Figura 1. Pensamentos de caminho. O indivíduo (A) percepciona-se capaz de

produzir um caminho ( ), e de executá-lo até alcançar o objectivo desejado (B) (Adaptado de Snyder, 2000).

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correlacionados, uma vez que interagem reciprocamente e estão continuamente presentes; no entanto, de igual modo que se reforçam também podem afectar-se (Snyder, 2000; Snyder & Lopez, 2002).

Porém, a vida, muitas vezes, não permite às pessoas alcançarem os seus objectivos e, assim, concretizarem os seus desejos, tendo em conta que podem emergir bloqueios durante o caminho até ao objectivo. De acordo com esta teoria, nestas situações a maioria das pessoas, apesar de produzirem somente um caminho, vendo este último bloqueado, rapidamente percebem que são capazes de pensar em itinerários alternativos, através dos quais podem alcançar o objectivo. Esta capacidade de pensar em múltiplos caminhos está reservada às pessoas com alta esperança (Snyder, 1994, citado por Snyder, 2000). Aquando do surgimento de um obstáculo, o indivíduo deve apelar a um reservatório de pensamento, no qual deve constar um caminho alternativo. O mesmo deve ocorrer no que respeita a motivação, sobretudo quando os obstáculos surgem no início do caminho, de modo a canalizá-la para este último (cf. Figura 3) (Snyder, 2000).

Comparativamente com outros modelos que abordam a esperança realçando a sua componente afectiva, a presente teoria oferece grande importância ao pensamento, tendo em conta que é através deste que o indivíduo origina o caminho para alcançar um objectivo (Farran et al., 1995, citado por Snyder, 2000). Deste modo, as emoções são consideradas subprodutos do pensamento, concluindo-se, assim, uma relação fusional

A

B

Figura 2. Pensamentos de iniciativa. O indivíduo (A) percepciona-se motivado

( ) para alcançar um objectivo pretendido (B), assim como para produzir e prosseguir o caminho necessário para o atingir (Adaptado de Snyder, 2000).

A

B

Figura 3. Pensamentos de iniciativa vs. obstáculos. O indivíduo (A), após se deparar

com um obstáculo até ao objectivo (B), percebendo que tem motivação ( ), opta por um novo, isto é, por um itinerário alternativo (Adaptado de Snyder, 2000).

entre ambos, na medida em que estudos revelam que as emoções positivas se associam ao sucesso e alcance dos objectivos, enquanto que às emoções negativas subjazem as falhas (Farran et al., 1995, citado por Snyder, 2000). Outros modelos similares sobre as emoções têm vindo a ser exibidos em diversos trabalhos teórico-empíricos (Diener, 1994, citado por Snyder, 2000; Omodei & Wearing, 1990, citado por Snyder, 2000).

De acordo com esta teoria, o simples facto de delinear objectivos deveria produzir no indivíduo emoções positivas, enquanto que o surgimento de bloqueios pode, por si só, gerar sentimentos negativos (Snyder et al., 1996, citado por Snyder, 2000). Outras investigações revelaram igualmente que dificuldades durante a execução do caminho para objectivos percepcionados importantes pelos indivíduos podem interferir no bem- estar destes (Diener, 1984, citado por Snyder, 2000; Omodei & Wearing, 1990, citado por Snyder, 2000); situação semelhante pode ocorrer em caminhos futuros (Burnstein, 1993, citado por Snyder, 2000).

Apesar dos bloqueios poderem causarem reacções emocionais negativas, as reacções variam consoante os indivíduos afectados, ou seja, indivíduos com alta esperança reagem de modo diferente comparativamente com indivíduos com baixa esperança (Snyder, 2000). Segundo Snyder (1994, citado por Snyder, 2000), a justificação para esta situação é que, as pessoas com alta esperança, quando deparadas com obstáculos, têm maior facilidade em pensar e criar novos caminhos e activá-los. Como tal, pensar com esperança não só facilita o sucesso para alcançar o objectivo, mas torna-se também especialmente útil face aos obstáculos que por eventualidade possam surgir (Snyder, 2000; Snyder et al., 2002).

Segundo Snyder (2000), torna-se pertinente mostrar e explicar a teoria da esperança através de um fluxograma (cf. Figura 4). Assim, ao longo do tempo, pode-se constatar a progressão do pensamento do indivíduo, sendo que esta progressão ocorre desde o seu nascimento até à sua idade actual. Na extremidade esquerda, verifica-se a presença da etiologia dos caminhos e da iniciativa, sendo que os autores defendem a presença de uma correlação entre estes últimos e o tempo. Estes dois elementos permitem uma auto- valorização, aquando do alcance dos objectivos. De facto, o próprio desenvolvimento do indivíduo permite-lhe entender a organização dos acontecimentos, ou seja, o processo

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de causalidade das situações, uma vez que estes não estão somente dependentes do decorrer do tempo, de acções empreendedoras (agency e pathways), mas também do valor do resultado (Snyder, 2000).

Esta situação deve ser alvo de particular atenção, na medida em que influencia fortemente o indivíduo, principalmente no que respeita a empreender novos caminhos e iniciativas com vista a novos desafios. Esta coloca e enaltece o indivíduo, motivando-o para o pensamento, também denominado de processamento cognitivo, tendo em conta que este determina todo este processo (Snyder, 2000). Esta reflexão, como mostrado no fluxograma, pode influenciar a percepção do resultado. O indivíduo, durante o processo, deverá pensar sobre os caminhos e a iniciativa que desempenha, representantes da esperança, de modo a analisar a probabilidade de alcançar o objectivo pretendido. Através de uma auto-reflexão, o indivíduo obtém feedback constante acerca do seu desempenho. Conclui-se assim, que a teoria da esperança é um sistema de pensamento inter-relacionado porque existe a possibilidade de decompor este último em pensamento de caminhos e pensamento de iniciativa (Snyder, 2000; Snyder et al., 2002).

Em suma, a esperança inclui o estabelecimento de metas, uma vez que, por definição, esperança significa ter a capacidade para definir objectivos, encontrar formas de os alcançar e motivar-se para tal (Snyder, 2000, citado por Martinez, et al., 2007); destacando-se, assim, a existência de dois factores – pathways e agency (Snyder, 2000).

Pensamento de caminho (pathways) Pensamento de iniciativa (agency) Valor do resultado Pensamento de caminho (pathways) Pensamento de iniciativa (agency) Objectivo pretendido emoções emoções

Aprendizagem prévia Pré-acontecimento Sequência do acontecimento (Antecedentes)

Figura 4. Fluxograma da teoria da esperança que sustenta o pré e pós-etapas que envolvem

o pensamento de caminho e de iniciativa até alcançar o objectivo pretendido (Adaptado de Snyder & Lopez, 2002)

Neste mesmo contexto, Snyder e colaboradores (1996, citado por Martinez et al., 2007) realçam que a esperança apresenta dois vectores: willpower (ser capaz de alcançar determinados objectivos) e waypower (ser capaz de formular planos eficazes para os alcançar); ambos relacionados com expectativas positivas de conquistar bons resultados. Perante isto, a esperança deve ser entendida como um sistema cognitivo, emocional (Martinez et al., 2007) e motivacional. Salvaguarda-se ainda que a esperança é uma característica de cariz disposicional e não se descreve como estanque, mas sim como algo que pode mudar ao longo do tempo (Lopez et al., 2004).