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A esperança, como virtude humana, possui uma conotação positiva que a enaltece e transmite o seu valor na vida do ser humano. De facto, a esperança é uma experiência humana complexa e universal, inerente à condição humana, caracterizando-se, assim, como uma potencialidade essencial e própria ao ser humano (Lange, 1982, citado por Pires, 2006), tendo múltiplas implicações nas mais diversificadas áreas.

Neste sentido, a esperança, além de uma dimensão antropológica, filosófica e psicológica, tem inevitáveis dimensões e implicações sociais (Barros de Oliveira, 2004; Pires, 2006). Em consequência deste facto, são vários os autores, originários de diversas áreas, que se debruçaram e dedicaram à temática da esperança. Facto que se verifica desde os primeiros escritos sobre a esperança, na medida em que os respectivos autores tinham ocupações díspares. Constata-se esta realidade através da retrospectiva elaborada sobre o construto esperança, que indica que, desde os primórdios da Terra, filósofos, teólogos, escritores e, posteriormente, investigadores e autores da área da saúde, principalmente psiquiatras e psicólogos, empenharam-se e dedicaram-se a esta área.

Deste modo, importa destacar e reflectir sobre as diversas definições atribuídas à esperança, fruto dos diversos trabalhos que se dedicaram somente à esperança ou

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introduziram este construto junto de outras temáticas pela sua importância e pela influência que exerce no ser humano.

Autores como Garaudy salvaguardam que “não é possível viver na comunidade sem um mínimo de esperança” (Zavalloni, 1991, citado por Barros de Oliveira, 2004, p. 116), na medida em que uma das coisas mais importantes do Homem, senão a mais importante, é encontrar sentido para a vida e para a morte, sendo que “isto significa ter esperança”, segundo Barros de Oliveira (2004, p. 115). Já Zavalloni (1991, citado por Barros de oliveira, 2004) coliga e descreve a esperança como sendo na realidade o “grande motor da acção e do viver”. Linch (s/d, citado por Polleti, 1980, p. 125) reforça esta ideia ao referir que a esperança “imagina o que ainda não foi visto, encontra uma saída para as dificuldades e mantém a visão das coisas novas”. Para este autor, a esperança é algo que permite à pessoa acreditar que a sua realidade pode alterar-se e encontrar uma solução para os seus problemas e dúvidas (Sousa & Rodrigues, 2008).

Como anteriormente referenciado, os psicólogos e psicanalistas também versaram sobre esta temática, facultando-lhe uma preponderante relevância. Assim, Erich Fromm foi dos primeiros psicanalistas a reflectir sobre a esperança, escrevendo em 1978 um livro que intitulou de “A revolução da esperança” (Barros de Oliveira, 2004). Erik Erikson, um psiquiatra alemão, que revolucionou a Psicologia ao criar a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial e ao tornar-se um dos teóricos da Psicologia do Desenvolvimento (Papalia & Olds, 1998, 2000), considerava a esperança como a primeira e a mais indispensável característica positiva intrínseca à condição humana (Barros de Oliveira, 2004).

Viktor Frankl, médico e filósofo, especializado em Neurologia e Psiquiatria e fundador da escola da Logoterapia, que cultiva o sentido existencial do indivíduo e a dimensão espiritual da existência (Fernandes da Fonseca, 2004), praticava a esperança nas suas consultas, como tentativa de curar dando sentido ou razão à vida, alicerce deste saber (Frankl, 1975, 1983 citados por Barros de Oliveira, 2004).

Outros autores definiram e formularam as suas próprias teorias sobre a esperança. Scotland (1969, citado por Magão & Leal, 2001a) foi dos primeiros autores a realçar a

esperança como uma expectativa de atingir os objectivos no futuro e como uma força motivacional orientada para a acção relacionada com um sentido de possível nesse futuro, destacando a dimensão sóciocognitiva (Scotland, 1969, citado por Barros de Oliveira, 2004). Seguiu-se uma outra abordagem que compreende a esperança enquanto conceito multidimensional, enfatizando o comportamento, a cognição, os afectos, a relação, o tempo e o contexto. Assim, Dufault e Martocchio (1985, citado por Magão e Leal, 2001a, p. 4) definiram-na como “uma força de vida multidimensional e dinâmica caracterizada por uma expectativa confiante contudo incerta, de atingir um objectivo pessoalmente significativo” e distinguiram dois tipos fundamentais de esperança: a esperança generalizada e a esperança particularizada. A primeira veicula um sentido de alguns desenvolvimentos benéficos futuros, mas que não está ligada a um objectivo concreto particular. Em contrapartida, a segunda está relacionada com um resultado específico valorizado.

Averill, Catlin e Chon (1990, citado por Barros de Oliveira, 2004) sugerem a esperança numa base social ou ecológica, referindo que se trata de uma emoção governada por regras cognitivas, justificada quando os objectivos são importantes, sob controlo do sujeito e socialmente aceitáveis. Estas teorias, entre outras existentes em torno da esperança, defendem este construto, assinalando-o com uma conotação mais afectivo-motivacional, racional e credível, comparativamente com outros construtos, que, por vezes, são subentendidos como sinónimos, tal como o optimismo e o desejo (Barros de Oliveira, 2004).

Numa elaboração da teoria de Scotland (Magão & Leal, 2004b), Snyder, Irving e Anderson (1995, citado por Snyder, 2000, p. 8), definem a esperança como “a positive motivacional state that is based on an interactively derived sense of successful agency (goal-directed energy) and pathways (planning to meet goals)”. Pode-se considerar agency como a capacidade de percepção individual para iniciar ou manter as acções necessárias ao alcance de objectivos. Por seu lado, pathways refere-se a uma aptidão necessária para gerar caminhos que permitam alcançar os objectivos (Snyder et al. 2002, citado por Martinez et al., 2007). Snyder (1991, citado por Barros de Oliveira, 2004, p. 119) acrescenta ainda que a esperança é definida como “uma energia cognitiva e

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percursos para os objectivos” e com “the perception that one can reach desired goals” (Snyder, Rand & Sigmon, 2002, p. 257).

Neste sentido, salvaguarda-se que o presente trabalho teórico-empírico interpreta a esperança tal como é definida por Snyder e colaboradores. Porém, é de destacar que, de uma forma sucinta, todas as definições de esperança têm em comum a expectativa de um bem que está para vir, de uma percepção de um estado futuro em que se alcançará uma meta desejada (Sancho, 2000, citado por Pereira, 2004b).

4.1.A esperança vs. outras dimensões positivas

Outras dimensões positivas como o optimismo, o desejo e a auto-eficácia são, por vezes, interpretadas e confundidas com a esperança (Barros de Oliveira, 2004; Snyder, 2000; Snyder & Lopez, 2002). Porém, após ter-se conhecimento das definições e respectivas teorias e através de uma hermenêutica, observa-se de facto alguns factores em comum, mas apontam-se também diferenças, que permitem uma análise e interpretação individual desses mesmos construtos. Neste sentido, torna-se relevante distinguir os construtos entre si.

O optimismo, que até à actualidade é o construto positivo mais estudado em Psicologia, pode ser entendido como uma expressão ou manifestação da esperança (Barros de Oliveira, 2004). De acordo com Snyder (1995, citado por Martinez et al., 2007), uma pessoa optimista pode sentir que as coisas lhe vão correr bem, mas para isso não tem que ter um plano ou um objectivo em mente, tal como acontece na esperança. Esta última inclui o estabelecimento de metas, uma vez que, por definição, significa ter a capacidade para definir objectivos, encontrar formas de os alcançar, e motivar-se para tal (Snyder, 2000, citado por Martinez et al., 2007). Assim, consiste numa expectativa quanto ao futuro, mais ou menos justificada por um acontecimento agradável ou favorável (Barros de Oliveira, 2004). Na verdade, o optimismo é análogo à esperança, embora esta última seja mais ampla e talvez com uma conotação mais afectivo- motivacional, enquanto que no optimismo prevalece a dimensão cognitiva (Barros de Oliveira, 2004).

Canova (1989, citado por Barros de Oliveira, 2004), um escritor francês, ressalvou três distinções entre optimismo e esperança. Segundo este autor, o optimismo reflecte as situações ambientais e as meteorológicas. É mais visceral, relacionando-se muito com o humor e, finalmente, tende a dar uma visão positiva de tudo. O mesmo autor realçou que “o optimismo é um substituto da esperança podendo encontrar-se em qualquer lugar, mesmo no fundo de uma garrafa; ao contrário, a esperança deve conquistar-se e chega-se a ela através de grandes esforços e grande paciência” (Canova, 1989, citado por Barros de Oliveira, 2004, p. 120).

O desejo, outra dimensão por vezes entendida como esperança, é explicado por Canova (1989, citado por Barros de Oliveira, 2004) como uma parte essencial da esperança, embora esta não se reduza somente ao desejo. Assim, de modo a justificar a sua opinião, o autor aponta três diferenças: o desejo pode ter como objecto qualquer coisa, enquanto que a esperança só busca o possível, independentemente de, por vezes, ser incerto o seu alcance; enquanto que o desejo quer tudo no imediato, a esperança sabe esperar até atingir um objectivo; e, por fim, o desejo é bastante instintivo e egocêntrico, enquanto que a esperança é mais racional, apesar de, por vezes, também se tornar irracional (e.g., um doente terminal apoia-se na esperança como “tábua de salvação”).

Um outro construto muito próximo é o sentido de eficácia pessoal e de resultado de Bandura (Snyder, 2000; Snyder & Lopez, 2002). A expectativa de eficácia pessoal relaciona-se sobretudo com a iniciativa (agency) e a expectativa de resultado com os caminhos (pathways) (Barros de Oliveira, 2004), tendo em conta que é uma expectativa ou crença de controlo dos reforços e dos acontecimentos (Barros, Barros & Neto, 1993).