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A comunicação no processo ético

No documento flaviamonfort (páginas 52-61)

Na medida em que as pessoas são cada vez mais esclarecidas culturalmente e têm crescente acesso à informação e às ferramentas para sua disseminação, as organizações precisam ter bem alinhados seus discursos e seus processos, pois não apenas a economia é globalizada, mas a comunicação também o é.

As pessoas conseguem não apenas obter informações a respeito das organizações que estão fora de seu alcance geográfico como também têm possibilidade de conhecer essas organizações mais a fundo, por meio de diversos recursos de debate proporcionados pelas novas (e cada vez mais novas e inovadoras) tecnologias da informação. Ainda que muitas vezes de forma virtual

hoje, os agrupamentos sociais se dão de forma mais intensa; as pessoas se reúnem para discutir assuntos de interesse comum, transmitir informações e trocar idéias.

Principalmente, os integrantes dessas organizações também podem fazer parte de comunidades de discussão e levar informações positivas ou negativas para esse espaço. Por um lado ou pelo outro, as organizações precisam construir uma blindagem que dê conta de responder aos anseios de uma sociedade cada vez mais crítica e exigente. Camuflados sob a forma de ambientes para denúncia, muitos endereços na internet são verdadeiras fontes de informação para consumidores, investidores e, por que não, apoiadores de determinada organização social. São fóruns em que o público se organiza para falar a respeito de uma questão sobre a qual há interesse genuíno.

Desde a abertura de mercado, no início da década de 90, o debate sobre o consumo consciente, ou sustentável, tem conquistado espaço importante na agenda da sociedade brasileira. Passados 15 anos, há indícios de que o consumidor brasileiro já compreendeu que o atual modelo de consumo não só contribuiu para promover a degradação ambiental, como também para aprofundar a enorme desigualdade social e reforçar o inaceitável padrão de distribuição de renda entre as classes sociais no país. Ou seja, se mantido esse mesmo ritmo, os recursos naturais do planeta poderão exaurir-se e a delicada cadeia da vida entrar em colapso.

(…)

“(…) Em cada ato de consumo, o consumidor consciente procura considerar as escolhas que permitam dar sustentabilidade ao consumo atual e ao de futuras gerações”. (…) A pesquisa “Responsabilidade Social das Empresas: Percepção do Consumidor Brasileiro”, realizada em 2004 pelos institutos Ethos e Akatu em parceria com a empresa de pesquisa Indicator GfK, que ouviu cerca de mil pessoas em onze capitais, revela que um número crescente de consumidores prestigia ou pune as empresas em virtude de suas ações. Do total da amostragem, 17% afirmaram ter prestigiado empresas, por meio da compra de seus produtos, enquanto 14% disseram ter adotado medidas punitivas contra companhias que, em sua avaliação, não se comportaram de forma ética.

A influência do consumidor na gestão das empresas

A pesquisa indica ainda que 765 dos entrevistados têm consciência de que, por meio de suas atitudes de consumo, podem interferir na gestão das empresas, tornando-as mais comprometidas com a melhoria dos processos que impactem o meio ambiente e a sociedade. Nesse sentido, é possível afirmar que existe uma correlação direta entre a evolução nos padrões de conduta ética do consumidor – cada vez mais consciente e exigente – e o desenvolvimento da gestão das empresas, criando, dessa forma, um “ciclo virtuoso”.

(…) É nesse contexto que a International Standardization Organization, a ISO, inaugurou, em 2004, a discussão para a criação da Norma ISO 26000, que irá estabelecer diretrizes para a aplicação das melhores práticas de responsabilidade social e sustentabilidade pelas empresas, tendo em perspectiva a ética, o diálogo e a promoção de relações transparentes. (…) Nesse cenário, a comunicação ganha importância estratégica para a promoção dos ciclos de melhora dos processos de gestão empresarial e de gestão corporativa. Empresas, governos, sindicatos e organizações ambientalistas, sociais e de interesse mútuo, devem promover uma extensa discussão que amplie e aprofunde a consciência crítica de consumidores, trabalhadores, empresários, representantes do mercado financeiro, do governo e da sociedade civil. Existem indícios que de que a comunicação está mais compartilhada e democratizada hoje do que jamais esteve. Estima-se que existam mais de 100 milhões de pessoas no planeta com acesso à internet. A aldeia global de McLuhan está conectada. A crescente segmentação e o surgimento de novas mídias apontam, por sua vez, para a adoção de uma comunicação mais dirigida e (ideal e utopicamente) individualizada. (NASSAR, 2005, p. 138)

Críticas, mal-entendidos, insatisfações e denúncias sempre vão existir para qualquer organização, produto ou serviço. Entretanto, as organizações que têm suas práticas alinhadas a seus discursos de forma favorável é que conseguem proteger sua imagem de manifestações negativas, ou ainda, emitir a freqüência que favorece a verbalização de manifestações positivas.

6 MODELOS DE EXCELÊNCIA NA COMUNICAÇÃO PARA ORGANIZAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS

Um modelo de excelência para organizações do terceiro setor é aquele que une ações de baixo custo (e isso pode ser conseguido principalmente por meio de parcerias que viabilizem o custeio das etapas mais caras) e criatividade para o planejamento de ações de impacto utilizando meios nem sempre tradicionais.

Mesmo organizações que contam com grande carteira de sócios e doadores, perfazendo um “faturamento” mensal confortável, têm dificuldades em assumir a comunicação como algo importante em suas rotinas. Associa-se à comunicação ações pontuais como mural de recados, jornal interno, internet e comunicados aos apoiadores. Todas essas são, evidentemente, etapas importantes do processo comunicacional, mas a visão estratégica da comunicação é relegada a outras instâncias da organização, que acabam deixando de contar com a importante contribuição de alguém que irá analisar as conseqüências do que é feito para a imagem da organização.

Uma organização do terceiro setor que tiver comunicação de excelência provavelmente só vai perceber esse fato se:

1) seus dirigentes tiverem formação acadêmica ou profissional voltada à área da comunicação

2) o profissional de comunicação tiver forte influência sobre os dirigentes 3) seu modelo for elogiado por outras organizações ou empresas parceiras

Entretanto, o real termômetro para medir a excelência da comunicação numa organização deveria ser a eficácia com que se relaciona com seus públicos e atinge seus objetivos.

No terceiro setor, é comum imaginar que ações de comunicação de alto custo são danosas para a imagem da organização. Esse pensamento vem do fato da idéia de que os parceiros, associados e familiares poderiam pensar que o dinheiro da organização está sendo “desperdiçado”, utilizado para algo que vai além do propósito da instituição. Por outro lado, ações profissionais e bem estruturadas chamam a atenção por seu lado positivo: demonstram que a organização está fazendo bem seu trabalho de divulgar e difundir a proposta da instituição.

Além disso, boa parte das organizações recebe subvenção governamental para o andamento de suas atividades, mas essa verba só pode ser utilizada para os

fins a que se propõem, ou seja, o atendimento do público da organização, devendo constar da prestação de contas mensal ou anual, muitas vezes por meio do detalhamento orçamentário.

Entra aí, portanto, um paradoxo importante. Ao mesmo tempo em que necessitam mostrar a excelência de seu trabalho, as organizações acabam não podendo fazê-lo de forma satisfatoriamente profissional, muitas vezes, ficando inibidas de operar esse processo a contento. Ou seja, não se espera das organizações sociais que gastem verba com ações de comunicação. A comunidade entende que as instituições devem realizar tais ações por meio de trabalho voluntário. O poder público sequer contempla esse tipo de gasto nas prestações de conta.

Cabe aqui a definição dos modelos de comunicação de James Grunig e Todd Hunt (1984) para entendermos de que forma a comunicação é ou deveria ser feita nas organizações. De acordo com KUNSCH (1997a, p. 111-112), Grunig e Hunt definiram quatro modelos de práticas de relações públicas que foram se formando ao longo da história.

O primeiro modelo, surgido em meados do século XIX, é do tipo “imprensa/propaganda”, reconhecido hoje como assessoria de imprensa. Entende-se que essa atividade caracteriza o surgimento das relações públicas.

O segundo modelo, já do século XX, é o da “Informação Pública”, surgido como resposta às críticas da imprensa feitas às corporações. As empresas nesse momento passaram a ter em seus quadros profissionais dedicados a divulgar informações positivas e corretas sobre suas ações, como forma de diminuir o impacto das críticas ou apresentar novos dados para a reflexão da opinião pública.

O terceiro modelo, já mais avançado, advindo de disciplinas sociais e do comportamento, como a psicologia, foi o “Assimétrico de Duas Mãos”. Esse modelo é de duas mãos porque responde aos anseios do público sobre determinado assunto, mas é assimétrico porque parte da pesquisa, que identificará o tipo de mensagem que irá convencer positivamente o público em sua opinião a respeito da organização. O principal nome que difundiu esse modelo é Edward L. Bernays, sobrinho de Sigmund Freud.

O quarto modelo, decorrente do anterior, é o “Simétrico de Duas Mãos”, que tem o propósito de “dizer a verdade”. Trata-se de um modelo simétrico porque ele

baseia no entendimento mútuo o objetivo do relações-públicas. Nesse modelo, cabe mais a compreensão dos pontos-de-vista e o reconhecimento da opinião do outro, e menos a manipulação e a persuasão, características do terceiro modelo.

Dos quatro modelos, os dois primeiros são entendidos pelos teóricos Grunig e Hunt como “artesanais”, enquanto que os dois últimos seriam “científicos”. De fato, os dois primeiros surgiram a partir de uma necessidade imediata e foram considerados, como ainda o são até hoje, sinônimo do que se chama “comunicação”. Os dois modelos científicos seriam resultado de uma reflexão sobre propósitos do processo comunicacional e a forma como eles influenciam a sociedade.

Kunsch argumenta que para James e Larissa Grunig, todos os modelos existem na vida real, mas somente o último define a excelência na comunicação. Seria, numa visão acadêmica, uma definição mais precisa de “Comunicação Social”.

Uma comunicação excelente, segundo Lindeborg, citando Frederic T. Halperin, tem por suporte: o valor que a alta direção de uma organização lhe atribui (ela quer que a comunicação desempenhe um papel de entendimento mútuo entre a organização e os públicos afetados por ela, em um processo de mão dupla e resultados financeiros positivos); o papel e o comportamento do responsável por ela (este toma as decisões e participa ativamente do planejamento estratégico, deixando a prática para a equipe); a cultura corporativa da organização (ela é participativa e não autoritária, compartilhando o poder e as decisões). (KUNSCH, 1997a, p. 112)

Podemos, portanto, estabelecer o seguinte paralelo: os modelos de comunicação de Grunig e Hunt podem ser comparados à evolução do relações- públicas e de seu trabalho nas organizações. Mais ainda, pode-se dizer que o futuro do trabalho do relações-públicas é, pelo desenvolvimento profissional e das organizações, muito mais o da reflexão sobre as práticas organizacionais do que o da realização das tarefas propriamente táticas da comunicação. E as organizações precisarão se adaptar a esse novo tipo de profissional que está sendo formado nas academias e nas baias das corporações.

Em 1989, Rissig Licha, Vice-Presidente Executivo da Burson- Marsteller, em seminário realizado pelo Meio & Mensagem e a ABERP, ao pronunciar-se sobre a comunicação global, em sua redefinição de Relações Públicas, afirmava que “Relações Públicas estão numa encruzilhada de transformação marcante, que modificará o perfil da profissão e demandará grau muito maior de conhecimento,

sofisticação, consciência e entendimento sócio-político por parte daqueles que a praticam”. Completava dizendo que essas mudanças viriam como resultado de três grandes eventos significativos: 1. A redução das barreiras comerciais; 2. O advento dos mercados financeiros internacionais conectados; 3. A globalização da notícia. (…)

A disseminação adequada da informação não é possível sem a primazia do ouvir, sem a superioridade do diálogo sobre o monólogo, sem a dedicação à inteligência em lugar da doutrinação. (MESTIERI, 2004, p. 116).

Ferrari apresenta um esquema semelhante ao mostrado abaixo, que ilustra nosso entendimento a respeito de como é necessário haver uma cultura participativa para a existência de uma comunicação satisfatória.

Figura 1: Comunicação excelente

FONTE: FERRARI, 2007a

A partir do exposto, é possível tentar responder a uma pergunta essencial: qual o modelo utilizado pelas organizações sociais?

Certamente, quando se pensa em comunicação para o terceiro setor, a assessoria de imprensa é o primeiro modelo a ser citado, devido à credibilidade despertada pela abordagem editorial e pela gratuidade das inserções nos veículos. Assessores de imprensa prestam serviço voluntário ou profissional, interno ou

Cultura participativa Expectativas compartilhadas Núcleo de conheci- mento

externo às organizações, mas geralmente ele é o responsável pela comunicação nas instituições. Isso vem do fato de que, criadas no berço da assistência e, por que não dizer, do assistencialismo, as organizações do terceiro setor não careciam de uma “organização” propriamente dita. O fato de atender a uma necessidade premente já era suficiente, mesmo que não houvesse um perfil de instituição social juridicamente consolidado.

A necessidade das organizações de comunicar seu bom trabalho tornou-se absolutamente premente; do contrário, elas estariam fadadas ao esquecimento ou, o que é pior, ao fechamento devido à escassez de apoio. A assessoria de imprensa, ativa ou reativa, acaba sendo a primeira opção quando se pensa em comunicação. Nesse sentido, o primeiro e o segundo modelos andam de mãos juntas em organizações sem fins lucrativos.

Entretanto, o terceiro modelo parece ser, na verdade, o objetivo das organizações sociais. Embora não seja o modelo ideal de comunicação, na visão dos teóricos que o formularam, já é um avanço significativo na transição da comunicação que chamaríamos aqui de “objetiva” para a comunicação “subjetiva”.

Mas o fato de as instituições sociais não quererem migrar para a comunicação excelente, simétrica de duas mãos, não significa que haja má-vontade, por parte de seus dirigentes. Simplesmente muitos líderes ainda não conhecem a possibilidade de comunicar a partir do entendimento porque a comunicação das empresas nunca lhes foi apresentada dessa forma. Aliás, entende-se por comunicação de empresa justamente isso: manipulação de informações, lavagem cerebral, disseminação da mentira. O que diriam, por exemplo, da comunicação feita por uma corporação como a Coca-Cola, a Nike ou, ainda, de uma indústria tabagista? Se essas pessoas não tiverem contato com as organizações citadas, provavelmente dirão que elas fazem uma comunicação falsa, que atende exclusivamente aos seus próprios interesses.

O próprio conceito de comunicação também é nebuloso para a maioria das pessoas. Quando alguma empresa ou pessoa realiza uma ação aparentemente apenas “de fachada”, para se promover, é geral que se diga, até mesmo entre profissionais da área: “isso é marketing”.

Além disso, a idéia que se faz a respeito do profissional de comunicação, especialmente do jornalista, é das mais nefastas. O jornalista é o intruso, que quer

saber demais, que quer encontrar alguma irregularidade, que distorce informações, que publica dados não fornecidos oficialmente. Por essa razão, inclusive, é que muitos entrevistados têm o costume de solicitar aos jornalistas que mostrem a eles seu texto antes que ele seja publicado, prática detestada pelos profissionais de imprensa.

Poucos também são os jornalistas habituados a trabalhar no âmbito do terceiro setor. Como manda o consenso, eles também tendem a enxergar as atividades sociais como assistencialismo ou obra de pessoas muito caridosas. É freqüente que se diga sobre profissionais que trabalham no terceiro setor: “Ah, mas você ganha para isso...”, como se a remuneração fosse um demérito para o profissional, como se seu trabalho tivesse menos valor, fosse menos digno, devido ao fato de a pessoa não “se doar” por inteiro àquela causa. Do vocabulário que envolve o tratamento dado às organizações sociais, ainda estão muito presentes as palavras “ajuda”, “colaboração” e “apoio” (relativas a uma relação unilateral) onde deveriam ser usados os termos “eficiência”, “excelência” e “parceria” (relativas a uma relação bilateral).

Pode-se arriscar a dizer que uma organização social que entende o mundo a partir de uma perspectiva assistencialista prefere o modo assimétrico da comunicação e a que entende o mundo a partir de uma perspectiva de mutualidade utiliza o modo simétrico.

De um lado, desconfiança e desconhecimento sobre a atuação das instituições sociais. Do outro lado, desconfiança e desconhecimento sobre o papel da comunicação.

A segunda pergunta que queremos responder aqui é: Qual modelo as organizações sem fins lucrativos poderiam utilizar?

Se pretendem promover uma comunicação excelente e de baixo custo, as organizações do terceiro setor devem, primeiramente, pensar na comunicação de longo prazo. Se realizada de forma constante e correta, a comunicação se torna prática, porque toma coerência. Sem constância e, sobretudo, sem estar presente nas principais decisões da organização, a área de comunicação será exatamente aquilo que não deve ser: de fachada.

O modelo simétrico de duas mãos é o que permite menor dispêndio de recursos, porque realiza a comunicação exatamente no ponto onde ela deve ocorrer,

ou seja, com o foco no mútuo entendimento, que gerará a reserva de boa-vontade entre as partes.

No documento flaviamonfort (páginas 52-61)

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