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O voluntariado nas organizações sociais

No documento flaviamonfort (páginas 33-36)

Uma organização social pode começar a partir do trabalho voluntário de várias pessoas, em uma sede improvisada, sustentada a com doações e ficar durante muito tempo nessa condição.

A conseqüência dessa origem foi o surgimento também de pessoas que se aproveitaram da boa-fé dos envolvidos nessas organizações, caracterizando o que se chamou “pilantropia”.

Nos anos 90, em decorrência da insuficiência dos Estados em suprir as necessidades da população, proliferou o que hoje se chama terceiro setor, formado por entidades privadas dedicadas ao bem público: ONGs, instituições religiosas, entidades beneficentes etc. Nessa onda, o número de ONGs cresceu tanto que o acadêmico americano David Korten, ex-professor de Harvard e referência mundial nessa área, criou uma classificação para elas. As ONGs da primeira geração, segundo ele, operam com urgências, distribuem serviços, alimentos e remédios. Dão o peixe. As ONGs da segunda

geração se empenham em fazer com que as comunidades pobres encontrem a solução para os próprios problemas. Ensinam a pescar. As da terceira geração transitam no campo das idéias, da formação moral, da cidadania. Elas se propõem a ser motores de mudanças políticas e sociais.

Korten não previu uma quarta – e indesejável – geração de ONGs: as "pilantrópicas". São ONGs suspeitas de ser usadas como laranjas para burlar leis de licitações, desviar recursos, fazer caixa dois de campanhas eleitorais e propiciar enriquecimento ilícito. São também aquelas dedicadas a aproveitar reivindicações de minorias para achacar empresas. (CLEMENTE, 2006)

Esse histórico vivido por algumas organizações só serviu para criar ainda mais desconfiança e desconhecimento do público a respeito dos propósitos das organizações sem fins lucrativos, bem como sobre a condução de seus projetos.

Há também um grande mau entendimento a respeito de como é realizado o trabalho das pessoas dentro das organizações sociais. Uns têm a ilusão de que os funcionários não são remunerados, ou seja, que todas as pessoas ali são voluntárias. Por essa razão, é comum que as pessoas se frustrem ao saber que parte considerável do “faturamento” da organização é destinado ao pagamento de salários (o termo “faturamento” aqui vem entre aspas porque a respeito de organizações sociais, não há como falar em faturamento propriamente dito, mas sim na cobertura financeira de um custo social), pois entende-se que só as organizações com fins lucrativos é que “faturam”.

Esse comportamento advém da cultura que considera o dinheiro um bem sujo e indigno. Remunerar funcionários em uma organização social soa como heresia, como desvirtuação do objetivo primeiro da instituição. Algo como “Com tão pouco dinheiro e vocês ainda se dão ao luxo de pagar as pessoas? Por que não chamam apenas voluntários?”. Quando se pensa, então, no salário de alguns dirigentes, que chegam a se comparar aos que são praticados nas corporações do segundo setor, esse discurso se intensifica somado à desconfiança em relação ao propósito daquela organização. De qualquer forma, é curioso pensar que alguém possa acreditar na existência de profissionais capacitados atuando voluntariamente em tempo integral, mas esse é o pensamento de grande parte das pessoas que tomam contato com organizações sociais pela primeira vez.

Além disso, embora exista um corpo consistente de pessoas interessadas em trabalho voluntário, poucas o fazem de forma satisfatória para as entidades.

Existem diversas iniciativas para reunir e orientar os voluntários e facilitar seu acesso às organizações, como o Portal do Voluntário e o Centro de Voluntariado de São Paulo. Mas na prática, é muito difícil se conseguir a ajuda gratuita das pessoas.

Em geral, elas não têm ou não querem ter disponibilidade para comparecer à organização durante um tempo considerável dentro do qual seja possível realizar algo útil. Há também o voluntário que procura o serviço para ajudar a si próprio. São pessoas desempregadas ou com algum desequilibro emocional e que se iludem pensando que ao ajudar alguém estarão ajudando a si próprias, numa relação ganha-ganha. Entretanto, dependendo do tipo de trabalho desempenhado, a atividade pode ser ainda mais danosa para quem precisa de apoio psicológico. Com tudo isso, o trabalho acaba perdendo seu foco e o voluntário perde o interesse, pois não alcança aquilo que buscava.

Existe também a visão de que o trabalho voluntário é contar histórias para os beneficiários e trocar fraldas de crianças, numa postura não intencional de superioridade em relação aos atendidos por uma organização social, como se todos os beneficiários fossem absolutamente carentes de todo tipo de recurso, seja financeiro, afetivo ou cultural, e que é papel de um herói desprendido salvá-las desse abismo social. Essas pessoas costumam se admirar e muito quando ultrapassam os muros de uma entidade mais organizada. Além do mais, em certos casos, é absolutamente inconveniente colocar pessoas não preparadas para o contato direto com pessoas doentes, idosas ou com algum tipo de deficiência, sob o risco de que elas tragam problemas pessoais para a organização ou não saibam lidar com o diferente, provocando frustração também nos beneficiários.

Em certos casos ainda, como as pessoas com deficiência mental, a quebra da rotina pode ser ruim para o bom andamento de seu trabalho no dia-a-dia. A chegada de uma pessoa nova a cada instante, a descontinuidade freqüente ou comparecimento irregular dessas pessoas pode provocar tristeza e sentimentos de culpa, atrapalhando o atendimento.

Existem voluntários que se ligam afetivamente aos beneficiários, o que pode ser muito grave e traumático em se tratando de doentes terminais, idosos ou crianças doentes que venham a falecer durante o processo. Há também voluntários que querem ter contato pessoal com os beneficiários fora da organização, trocando telefones e interferindo na rotina familiar, também com a sensação de que podem

ser os heróis para alguém. A pregação de doutrinas religiosas aos beneficiários, especialmente aqueles que estão em situações-limite, como doentes terminais, também é comum e foge igualmente ao propósito do trabalho voluntário.

Além disso, sem o trabalho sistematizado com essas pessoas, sua atuação se pulveriza e elas acabam, em termos claros, mais atrapalhando do que ajudando. Ficam sem espaço adequado para realizar suas atividades, têm a ilusão de que irão “subir de cargo” em suas tarefas ou até mesmo que serão contratadas pelas entidades que as abrigaram. Ou seja, sem o adequado tratamento e orientação, o voluntário literalmente se perde na organização, em parte devido ao mau preparo e em parte devido à falsa idéia que fazem daquilo que pretendem desempenhar.

É evidente que existe o trabalho sério e competente de voluntários bem preparados e bem-intencionados, sem os quais o dia-a-dia das organizações seria muito difícil. Mas consideramos importante apresentar este panorama que nem sempre é óbvio.

4.2 Diferenciais competitivos e modelos mercadológicos para as organizações

No documento flaviamonfort (páginas 33-36)

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