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A Comunicação, o Meio Ambiente e o Net-Ativismo

2 RAZÃO AMBIENTAL E COMUNICAÇÃO

2.3 COMUNICAÇÃO E MEIO AMBIENTE

2.3.3 A Comunicação, o Meio Ambiente e o Net-Ativismo

Como pode ser visto nos tópicos teóricos anteriores, fez-se um recorrido sobre os marcos dos movimentos sociais de caráter ambientalista pelo viés histórico, entendendo seu processo histórico e comunicativo, por meio de agendas e diretrizes mundiais, com aplicações locais, no contexto brasileiro. Aqui discorre-se, portanto, sobre a comunicação em mobilização social em tempos de ativismo virtual e como entendê-la como relevante para o debate acadêmico.

Assim, as ações de comunicação no século XXI, de acordo com Di Felice (2013a), apresentam novos olhares para a função social da mídia: o net-ativismo, com as suas características de ações nas redes online, ou seja, as redes em sua dimensão virtual.

Em um contexto de comunicação dirigida, há a interação face a face, caracterizada por contextos interativos de co-presença, necessitando de um espaço comum e físico, como descreve Henriques et. al. (2017). Mas, a internet adentra ao cenário das reivindicações sociais, de maneira a jogar luz e simultaneidade aos movimentos ambientais, uma vez que virtualmente se ampliaram as possibilidades de transmissão de informações, imagens e conhecimentos e de uma outra postura mais militante frente ao enfretamento mundial e/ou comunitário de problemas socioambientais.

Dessa forma, a busca pela visibilidade e legitimação das mobilizações sociais em todo o mundo advém de reinvindicações e preocupações que transcendem o contexto temporal/espacial tradicionais. Assim, autores como Di Felice (2013a; 2013b) e Lévy (1996) contribuem para a discussão de que o virtual não veio tomar o espaço e a validade do real, mas ser sua extensão reticular27, uma vez que real e virtual são

inextricáveis.

Ao se tocar na instância do virtual, é importante salientar, que para Lévy, o virtual não é oposto ao real, mas sim, integrante do real. Apenas o espaço virtualizado é uma nova forma de interação que, antes era possível apenas pelo viés físico (LÉVY, 1996). Com isso, muitos acontecimentos — envolvendo práticas e ações — que ocorriam apenas em instâncias físicas, acabaram migrando para a internet. Com _______________

efeito, o estado atópico28 do ativismo por meio online é bastante visível na atualidade,

com a constituição híbrida de real e virtual no enfrentamento de problemas socioambientais.

Assim, seguindo a abordagem do chamado net-ativismo, ou ativismo em redes digitais, Di Felice (2013a) apresenta um levantamento sobre movimentos sociais que se construíram na rede online. Historicamente, novos movimentos e conceitos surgem na Internet, tais como Activism, Eletronic Advocacy ou Ciberativismo (DI FELICE, 2013a). A exemplo de tais movimentos, destaca-se o ciberativismo, termo que nasce nos Estados Unidos, originando-se nos anos 1990, com o advento de novas tecnologias digitais, que geram um ativismo plasmado na difusão de informações na rede. De forma constante, o ciberativismo é atrelado às formas de ativismo midiático que visam boicotar o consumo irresponsável, manifestar e protestar por causas cíveis, ambientais e em prol dos direitos humanos (DI CORINTO; TOZZI, 2002).

Esta interação social horizontalizada, por meio da Internet e suas redes sociais, nos remete à Teoria do Ator-Rede (TAR), de Latour (2005), que busca compreender a interação entre atores humanos (sociedade) e não-humanos (sistemas infotécnicos e tecnologias da linguagem). Esta relação constitui importante abordagem para se analisar a relação humana com o Meio Ambiente Natural e o Virtual (LATOUR, 2005). Nesta lógica, o ciberespaço proporciona uma maneira de exercer a cidadania e exigir do poder público e da sociedade civil formas emancipatórias e democráticas para tratar de temas prementes, tais como a preservação do meio ambiente (PICON, 2014).

Di Felice, Torres e Yanaze (2012) analisam a arquitetura informativa, que é entendida como a estrutura “web”, pelo viés de seu objetivo institucional para a promoção e interatividade em rede, no aspecto que aqui nos interessa, da tratativa do meio ambiente. Quando se fala de ativismo ambiental, via plataformas online, a tipologia criada por Di Felice; Torres; Yanaze (2012) pode ser assim descrita:

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28 O estado de Atopia é uma pós-territorialidade como uma forma informativa digital e transorgânica,

na visão de Di Felice; Torres; Yanaze (2012). A pós-territorialidade está na constituição de um chamado ciberespaço que só existe a partir da existência do real. O net-ativismo, portanto, é um conjunto de ações colaborativas no ciberespaço.

a) o primeiro nível é chamado Interação Informativa - neste a interação articula-se somente pelas simples trocas de informações entre os diversos coletivos (redes, humanos e meio ambiente);

b) o segundo é chamado Interação Sustentável I - neste tipo de interação, além da troca de informações, assiste-se à constituição das primeiras redes informativas entre os diversos coletivos;

c) o terceiro é chamado Interação Sustentável 2 - neste tipo, a digitalização do território está ativada e os diversos coletivos, por meio dela, conseguem se expressar e interagir;

d) o quarto chama-se Interação Sustentável 3 - neste tipo, além da constituição de redes, encontra-se a realização de projetos-redes específicos que constituem uma alternativa para as comunidades, isto é, como compartilhamento de uma forma de criação e distribuição sustentável de recursos;

e) o quinto nível é chamado Interação Ecosófica - nele assiste-se à constituição de redes de redes que se articulam como uma inteligência sustentável conectiva, refletindo, criando, inovando, reunindo e difundindo conteúdos, práticas e ações para a sustentabilidade (DI FELICE; TORRES; YANAZE, 2012, p. 188-189).

Além disso, no interior de cada nível em que exista interatividade, este elemento que gera troca entre interagentes pode ocorrer em escalas diferenciadas, possíveis, com maior ou menor intensidade.

Neste ponto deste capítulo teórico/contextual — que realizou um percurso que relaciona a comunicação, enquanto instância dialógica e relacional, no âmbito de processos de mobilização social em movimentos ou coletivos de ação, e que, simultaneamente, estende esta relação com a interface ambiental, podemos afirmar, após verificação em etapa exploratória, que: o Conceito Lixo Zero, objeto de estudo deste trabalho, teve em seu processo constitutivo de comunicação, intrínseco, a mobilização por meio de net-ativismo (Vide o capítulo e tópico 3.4), como o caso Grass Roots Recycling Network, enquanto primeiro site ativista de Lixo Zero, ademais, localmente a rede mobilizadora, tendo seu principal ator “Coletivo Curitiba Lixo Zero”

na cidade de Curitiba/PR, está presente em diversas plataformas digitais e é amplamente divulgado e apoiado por grupos virtuais, que por meio da rede, buscam alcançar grande número de simpatizantes e divulgadores às suas propostas, conforme descrito, em detalhes, no capítulo a seguir que examina a questão dos resíduos sólidos no âmbito do meio ambiente urbano.

3 O CONTEXTO AMBIENTAL URBANO E O CONCEITO LIXO ZERO EM CURITIBA

Durante longos séculos, a Terra foi o grande laboratório do homem; só há pouco tempo é que a cidade assumiu esse papel. O fenômeno urbano manifesta hoje sua enormidade, desconcertante para a reflexão teórica, para a ação prática e mesmo para a imaginação. Sentido e finalidade da industrialização, a cidade urbana se forma enquanto se procura. Obriga a reconsiderar a filosofia, a arte e a ciência. (LEFEBVRE, 2001, p. 7

).

A questão ambiental global está centrada na relação sociedade e natureza, ao longo do tempo, e especificamente nos conflitos gerados por esta relação a partir de uma visão antropocêntrica. Como Rodrigues bem salienta, “a questão ambiental deve ser compreendida como um produto da intervenção da sociedade sobre a natureza” (RODRIGUES, 1998, p. 13).

Uma parte significativa desta relação complexa pode ser explicitada e compreendida como uma problemática socioambiental no âmbito das cidades. Espaços construídos socialmente, pela apropriação socioeconômica de um espaço originalmente natural, ao expressar materialidades por meio de ruas, avenidas, construções, obrar arquitetônicas e seus raros espaços verdes, as cidades também são marcadas por subjetividades relativas aos modo de viver e se comportar neste território, em uma cultura a ele inerente, manifestada pelas urbanidades (NETTO, 2012) e pelas construções simbólicas que marcam as próprias materialidades citadinas.

Segundo Ascher (2010), a relação entre a cidade e a sociedade pressupõe “desde a sua origem uma divisão técnica, social e espacial da produção, e implica trocas de natureza diversa” (ASCHER, 2010, p. 21). Assim, pensar a cidade na perspectiva contemporânea requer entender o processo da relação do “eu” e do “espaço”. A tendência atual à individualização se reflete na interação com o meio ambiente urbano, seus equipamentos e fluxos. A cidade contemporânea, portanto, é onde “os indivíduos não só podem escolher, mas devem fazê-lo continuamente. O trabalho, o consumo, a religião, o próprio corpo, tudo se torna, ou parece tornar-se passível de decisões” (ASCHER, 2010, p. 38).

Pensar na composição/recomposição social das cidades, segundo Ascher, também é considerar que, com o uso intenso de instrumentos de comunicação na esfera pública, se potencializam as características de uma democracia deliberativa, em um ambiente em que “a legitimidade de uma decisão pública e sua eficácia são

maiores, na medida em que tenha sido elaborada através de um processo que reúna os protagonistas em torno de um projeto comum” (ASCHER, 2010, p. 76). Tem-se, assim, “uma governança interativa” (Idem). Destaca-se também o espaço urbano, não apenas como a estrutura urbana em si, mas de intra-urbano, onde se observa as condições de deslocamento e o papel espacial das comunicações. “As comunicações têm efeito profundo sobre os espaços regionais, nacionais ou planetário, comparável ao dos transportes” (VILLAÇA, 2001, p.21). Metaforiar “deslocamento” e “comunicação” por parte do autor Villaça releva que ambos cumprem o mesmo papel: “encolhem o mundo” e aproximam as pessoas. (VILLAÇA. 2001).

É nesse ambiente construído que podemos observar a sociologia das práticas urbanas, marcadas por formas de ação e comunicação, que buscam moldar reivindicações e lutas pela cidadania, justiça, direitos, políticas públicas, muitas delas voltadas a questões socioambientais e, aqui, nesta pesquisa, às questões do ciclo de produção e consumo dos resíduos sólidos urbanos e novas alternativas de gestão e solução, como é o caso do conceito Lixo Zero.