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CIDADES, URBANIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE

2 RAZÃO AMBIENTAL E COMUNICAÇÃO

3.1 CIDADES, URBANIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE

A origem da vida citadina está ligada a natureza dos lugares29. A transição da

pré-história para as primeiras civilizações é marcada pela oferta de alimento devido à agricultura, que contribuiu para o crescimento populacional e fez com que o homem abandonasse a vida nômade, tornando-se sedentário, o que o levou a fixar-se e assentar “moradias ao longo de rios e lagos férteis ao plantio” (UJVARI, 2008, p. 99). Também, a relação do ser humano com crenças e cultos de caráter espiritual fizeram com que o aglomerado humano no espaço fosse possível, como diz Rolnik:

A construção do local cerimonial corresponde a uma transformação na maneira de os homens ocuparem o espaço. Plantar o alimento, ao invés de coletá-lo ou caçá-la, implica definir o espaço vital de forma mais permanente. A garantia de domínio sobre este espaço está na apropriação material e ritual do território. E assim, os templos se somam a canteiros e obras de irrigação para constituir as primeiras marcas do desejo humano de modelar a natureza (ROLNIK, 1998, p. 10).

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29 “O conceito de lugar faz referência a uma realidade de escala local ou regional e pode estar associado a cada indivíduo ou grupo. O lugar pode ser entendido como a parte do espaço geográfico efetivamente apropriada para a vida, área onde se desenvolvem as atividades cotidianas ligadas à sobrevivência e às diversas relações estabelecidas pelos homens”. (LISBOA, 2007, p. 29).

Desde o período de Pré-história à Idade Antiga (3.500 a.C.), a exemplo dos aglomerados populacionais às margens dos rios Tigres e Eufrates, na Mesopotâmia, o homem buscou se instalar de modo a fruir dos recursos naturais abundantes em sua volta. (TEODORO, 2013). Assim sendo, a civilização humana e seu progresso sempre atrelados aos interesses políticos e aperfeiçoamento de técnicas e tecnologias, permitiram a criação do espaço urbano.

Tanto na Antiguidade quanto na Idade Média, a questão ambiental e de saúde são, respectivamente, importantes para a leitura da história humana nas cidades (UJVARI, 2008, p. 100). As doenças em decorrência ao mal acondicionamento de materiais de consumo, do ascendente mercantilismo e de pós-consumo pelos humanos, por exemplo, tornaram-se um dos principais vetores para a instauração e o alastramento de peste bubônica na Europa nos períodos de Idade Média (476 d.C. – 1492) e das Grandes Navegações (XV e XVI) (UJVARI, 2008; TEODORO, 2013).

A demografia também assume um papel representativo nas implicações e desafios novos ao homem, como o enfrentamento à escassez de recursos naturais e o surgimento e propagação de doenças nos aglomerados urbanos, cada vez mais adensados em termos populacionais. E de acordo com Lefèbvre, a transição entre campo-cidade e a produção do espaço urbano é um marco na história da civilização humana (LEFEBVRE, 2006), assim como a virada demográfica ocorrida no início do século XXI, que pela primeira vez na história social humana, fez com que a população urbana ultrapassasse a rural, o que prossegue em um ritmo acelerado.

Estimativas gerais indicavam que no ano de 2007 mais de 3,3 bilhões de pessoas viviam nas cidades, cifra que ultrapassava em pequena quantia à população rural. Mesmo que tais números não integrem um censo oficial, naquele momento a projeção adquiriu grande expressão simbólica, ao configurar a “virada” demográfica que se delineava desde a Revolução Industrial europeia, no final do século XVIII. Atualmente, de acordo com os 2017 World Population Prospects (ONU, 2017), 54% da população mundial vivem em áreas urbanas, com projeção de aumento para 66%, em 2050 (conforme dados disponíveis em: https:// esa.un.org/unpd/wup/). (MENDONÇA; DEL VECCHIO DE LIMA, 2020, no prelo).

A densidade demográfica e a complexidade da vida urbana vêm aumentando exponencialmente os riscos (BECK, 2001) e as vulnerabilidades socioambientais nas cidades devido, dentre outros motivos, ao contingente de populações que, em função da pobreza e ineficiência ou ausência de políticas de planejamento urbano, se

instalam em áreas de risco ambiental flagrante. (MENDONÇA; DEL VECCHIO DE LIMA, 2020, no prelo).

O “meio urbano deve ser compreendido e estudado como uma inter-relação do tecido espacial e do tecido social” (TSIOMIS, 2018, p. 394). Assim, o meio urbano, parcialmente desassociado do campo, por questões legais e de demarcação do espaço, exige, para seus estudos, uma abordagem interdisciplinar. Nas duas dimensões do ser humano — o homem-habitante da cidade e o homem-político — ambos habitam “o espaço mental, cultural e político da liberdade do cidadão, mas também o espaço físico, fabricado e ‘organizado’ do citadino” (TSIOMIS, 2018, p. 398).

O espaço urbano, enquanto microcosmo das relações homem-natureza se torna um espaço muito propício para se visualizar as relações do homem com o trabalho, a produção, o consumo e o descarte das mais diversas mercadorias. Rolnik (1998) situa a cidade como um sitio onde se concentram e se produzem sentidos, memória e história, mas vê também a cidade “enquanto local permanente de moradia e trabalho” e onde “se implanta quando a produção gera um excedente, uma quantidade de produtos para além das necessidades de consumo imediato” (ROLNIK, 1998, p. 12).

Jacobs (2001), ao pensar em cidades, remete à noção comunitária de identidade, aspecto favorecido em uma lógica de diversidade urbana, onde praças, parques, edifícios e demais equipamentos urbanos são espaços coletivos de trocas e sustentação da vida urbana. Gehl (2003), por sua vez, em sua obra “Cidades para Pessoas” descreve que um dos pilares de cidades sustentáveis está na dimensão humana, onde a cidade precisa dispor de um tecido e um fluxo interativo, de ocupação humana e de integração social.

Ao seguir para uma dimensão mais problematizada da cidade como ambiente urbano, Milton Santos (2006) aponta que a crise ecológica, ou ambiental, e as grandes cidades são correspondentes:

Tanto as grandes hidrelétricas, quanto as grandes cidades, surgem como elementos centrais na produção do que se convencionou chamar de crise ecológica, cuja interpretação não pode ser feita sem levar em conta, mais uma vez, a tipologia dos objetos técnicos e as motivações de seu uso no presente período histórico (SANTOS, 2006, p. 170).

Assim, a poluição, e uma de suas formas manifestadas mais comuns e permanentes, o lixo, se mostra como resultado excedente da produção simbólica e material da vida humana, se tornando uma problemática socioambiental (RODRIGUES, 1998), agravada pela quantidade gerada nas aglomerações urbanas de alta densidade demográfica.

De acordo com The World Bank (2019), para a criação de cidades sustentáveis, deve-se pensar em gerenciamento de resíduos sólidos urbanos de forma eficaz, disponibilizando, para tanto, investimentos públicos em sistemas integrados:

O gerenciamento adequado de resíduos é essencial para a construção de cidades sustentáveis e habitáveis, mas continua sendo um desafio para muitos países e cidades em desenvolvimento. O gerenciamento eficaz de resíduos é caro, geralmente compreendendo 20% a 50% dos orçamentos municipais. A operação desse serviço municipal essencial requer sistemas integrados, eficientes, sustentáveis e socialmente apoiados. (Tradução Nossa, THE WORLD BANK, 2019).

Assim, ao pensar o conceito Lixo Zero em uma realidade urbana, como é o caso de Curitiba/PR, é preciso pensar o processo comunicativo implementado e distribuído neste lugar, espaço e território, diversificado e complexo, pois é nas cidades que os processos comunicativos fluem de maneira acelerada entre humanos ou mediados por instrumental técnico material ou digital, enquanto atores não- humanos, construído sentidos para discursos, moldando identidades e percepções, ou mesmo criando novas demandas e soluções.