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Capítulo IV A Pedagogia de Género da Escola de Sydney

2. A conceção de Género e Registo

A alusão ao conceito de género sempre me remeteu para a classificação dos textos, uma vez que a minha (como a dos meus colegas) formação de base, orientada neste sentido, aponta para a categorização de textos como literários (redigidos com recurso a figuras de linguagem e de sentido conotativo) e não literários (redigidos numa linguagem denotativa, objetiva, direta e informativa) e, consequentemente, nos remete para um rol de textos classificados como textos: narrativo, descritivo, expositivo, instrucional, dissertativo, entre outros pontuados por algumas caraterísticas subjacentes a cada tipo de texto.

Na verdade, a minha aprendizagem como a dos meus colegas desde o Ensino Básico foi assim orientada, tendo sucedido o mesmo no Ensino Secundário e a passagem pela escola de formação de professores (Instituto Superior de Educação) contribuiu para reforçar essa prática.

Importa referir que, embora não sejam recentes os estudos de género, este assunto suscita ainda muita confusão no seio dos professores e educadores, de uma forma geral. A confusão tem sobretudo a ver com o facto de, para muitos professores, género potenciar apenas a classificação dos textos literários. Para esses professores o género é uma categoria literária, não uma categoria para falar dos textos do nosso quotidiano.

Essa forma de classificar e organizar está enraizada e muito presente nas nossas escolas, sobretudo nas aulas de Língua Portuguesa, seguindo uma separação bipartida que toma os textos como sendo os literários que englobam os contos, romances, novelas e os não literários como carta, resenha, relatório, regulamento, entre outros. A noção de género não é explorada do ponto de vista da sua filiação num quadro teórico específico, senão em vários quadros teóricos.

Convém referir que há várias escolas de género e Hyon (1996) descreve três tradições de estudos de género de raiz anglo-saxónica: (i) Linguística Sistémico- Funcional (onde está radicada a noção defendida neste trabalho) que enfatiza a estrutura

98 linguística e semiótica dos géneros, como parte do modelo de linguagem e contexto social em desenvolvimento; (ii) Nova Retórica que enfatiza, por um lado, os contextos situacionais em que cada género ocorre e, por outro, os objetivos sociais. Dito de outra forma, o enfoque da Nova Retórica está nas categorias do discurso, na ação que este vai realizar e não na sua forma (Miller, 1984: 151) Apud Santos (2006, p.101) e (iii) Inglês para Fins Específicos cujo enfoque está centrado na forma dos géneros, ou seja, nos tipos de textos, quer orais quer escritos, explicados tanto pelas suas propriedades formais, como pelos objetivos comunicativos que pretendem atingir dentro dos diversos contextos sociais.

Há algum tempo que os avanços tecnológicos possibilitaram o aparecimento de novas e inúmeras ferramentas que facilitam a comunicação em tempo real e nos permitem partilhar desde textos ou ficheiros de maior ou menor dimensão, como um simples recado que poderia ter sido deixado na porta do frigorífico, uma convocatória para uma reunião de trabalho ou participação na assembleia geral dos pais numa escola, o convite para o lançamento de um livro, entre outros inúmeros eventos do nosso quotidiano familiar, profissional ou social. Por esse motivo, e-mail, por exemplo, hoje, é acrescentado à extensa lista de tipos de texto, apesar de não passar de um canal, hoje, ao nosso dispor para a transmissão de tais mensagens em todos os registos e géneros consoante as nossas necessidades.

Sendo, texto, segundo Gouveia (2008, p.1) “tudo o que produzimos quando comunicamos, podendo o mesmo ser falado ou escrito”, vamos à luz da Escola de Sydney clarificar o conceito de género que nos aponta para as convenções, a estrutura ou “a sequência de etapas ou passos funcionais distintos por meio dos quais o texto se desenvolve”. (Gouveia, idem, p.3)

É desta forma que, neste trabalho, vamos olhar para os textos na perspetiva da sua construção consubstanciada nas etapas distintas e o respetivo objetivo sociocomunicativo. A Pedagogia de Género vem contrariar o conceito tradicionalmente ligado aos tipos de produção literária e propõe um conceito de género que:

diz respeito ao modo como as coisas são feitas, quando a linguagem é usada para alcançá-las. Neste sentido, existem tantos géneros quantos os tipos de atividades sociais que reconhecemos na nossa cultura: biografias, tragédias, sonetos (géneros literários), manuais, artigos de jornais, receitas de culinária (géneros populares escritos), palestras, relatórios, ensaios, seminários, testes (géneros educacionais), etc. Gouveia (2009, p.28)

99 E os diferentes géneros são entendidos como diferentes formas para uma utilização da língua em diferentes tipos de atividades:

(…) linguists define genres functionally in terms of their social purpose. Thus, different genres are different ways of using language to achieve different culturally established tasks, and texts of different genres are texts which are achieving different purposes in the culture. (Eggins e Martin, 1997, p. 236)

Assim, o reflexo mais significativo nas diferenças de objetivo são as etapas estruturais pelas quais se desenvolve um texto. A teoria de género sugere que textos que realizam diferentes atividades na cultura se desenvolvem de modos diferentes, organizando-se em diferentes etapas.

É deste modo que Gouveia (2014, p.3) defende que “toda a comunicação se faz por via de um género e de um registo particulares”, sendo o registo um conjunto de configurações linguísticas que torna o texto único e diferente de outros textos e o género o que torna os textos semelhantes. Por outras palavras, o Registo - através das variáveis Campo, Modo e Relações, que refletem escolhas ideacionais, textuais e interpessoais respetivamente - permite-nos perceber que a língua é usada de forma diferente, em situações diferentes - e que o género resulta do propósito comunicativo a que se destina o texto e das escolhas estruturais decorrentes desse propósito.

Assim, neste quadro teórico, quando nos referimos a um género, em particular, necessariamente, temos de olhar para as etapas que se percorrem na elaboração do texto e no propósito sociocomunicativo que o determina.