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Caracterização dos géneros mapeados à luz da Escola de Sidney

Capítulo IV A Pedagogia de Género da Escola de Sydney

3. Caracterização dos géneros mapeados à luz da Escola de Sidney

Sendo o género “uma categoria descritiva que dá conta do modo como os textos são o resultado de motivações socioculturais ligadas ao propósito da comunicação” (Gouveia, 2013), as nossas relações profissionais, familiares e sociais, de um modo geral, estão associadas a diversos géneros, que designamos, por exemplo, por relatório, memorando, narrativa, relato, receitas de culinária, instrução, opinião, entre outros que são formas diferentes para uma utilização da língua em diferentes tipos de atividades.

As escolhas que os falantes fazem aquando da produção textual, escolhas de registo, dependem da situação de comunicação, ou seja, dependem das motivações que

100 levam a esse tipo de interação. Já as escolhas genológicas dependem do Contexto de Cultura, ou seja, em cada cultura há formas particulares de usar a língua, como por exemplo, para ensinar a uma criança um determinado comportamento, na cultura cabo- verdiana, recorre-se, por vezes, a exemplum ou episódio, narrativas. E se pedirmos a um aluno que escreva um texto à escolha, vai preferir, invariavelmente, um episódio, uma narrativa ou outro género da família de história.

A teoria de género sustentada pela Linguística Sistémico-Funcional defende que quando usamos a língua, fazemos escolhas gramaticais para criar textos. Sendo a relação texto/contexto muito íntima: o contexto só é conhecido por causa do texto que lhe dá vida, enquanto o texto é apenas conhecido por causa do contexto que o torna relevante. Um género é um tipo de texto, e os géneros emergem numa cultura porque representam maneiras de fazer as coisas, sejam elas simples atividades do dia a dia presentes em muitos discursos, ou nas situações mais formais de criar e moldar o significado por escrito, de acordo com Christie (2013).

O género é o termo usado, então, para se referir a determinados textos e tipos de discurso que apresentam uma coesão interna idêntica e o mesmo propósito social. E,

segundo Christie (op. cit), os géneros não são estáticos, mas capazes de uma constante adaptação e mudança, sob a pressão da mudança social em que a criatividade individual desempenha um papel importante.

O género é, portanto, “uma categoria descritiva que dá conta do modo como os textos são o resultado de motivações socioculturais ligadas ao propósito da comunicação” Gouveia (2013, p.441). E considerando que um género é definido pelo seu propósito sociocomunicativo e pelas etapas que se percorrem na sua construção, vamos proceder à caracterização de alguns dos géneros mapeados no capítulo precedente, para tentar uma organização mais consentânea com esta abordagem. Tal caracterização será feita tendo como referência a rede de géneros avançada pela Escola de Sydney na proposta pedagógica Reading to Learn/Ler para Aprender, entretanto adaptado ao contexto português no ILTEC-Instituto de Linguística Teórica e Computacional, no âmbito do projeto europeu TeL4ELE (Teacher Learning for European Literacy Education/ Formação de Professores para o Desenvolvimento da Literacia na Europa).

Se tentar pegar, à luz da Escola de Sydney, na extensa lista dos géneros mapeados, agrupá-los de acordo com a família a que pertencem; se tomar os géneros que devem ser trabalhados a nível da escolaridade obrigatória e olhar para as múltiplas designações para

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o mesmo tipo de texto reduzindo a lista, estaria mais próxima de garantir uma adequada preparação aos alunos do Ensino Secundário e, consequentemente, do desenvolvimento da literacia. Entretanto, não sendo o meu objetivo adaptar os géneros mapeados aos da Escola de Sydney, vou limitar-me a apontar dois ou três aspetos nesta caracterização.

A título exemplificativo, quando atento para o Quadro 30 deparo-me com os seguintes géneros: - artigos - entrevista - notícia - reportagem - aviso - anúncio - crónica - slogan - guião de entrevista - slogan publicitário

E, se continuar com o mesmo exercício, deparo-me, entre outros, com:

- soneto - quadras - poesia

- poesia visual ou criativa

- peças de teatro/ texto dramático/teatral/encenação - conto/reconto

-mito/lenda/ parábola -fábula

Depois de analisar estas listas, facilmente chego à conclusão de que estou perante dois tipos de discurso, sendo o primeiro jornalístico e o segundo literário. Este último envolve essas variações e ainda inclui mais géneros como a novela, o romance. Já o reconto, em si, não pode ser considerado um género.

Tanto a primeira lista como a segunda são de géneros que os alunos nunca serão chamados a produzir depois de concluírem os seus estudos. Portanto, onde está a pertinência na escrita destes géneros? Convém, como parte da solução, eliminar estas duas listas.

102 Ainda importa ressaltar que a redução da lista, por si só, não soluciona o problema do ensino da escrita em Cabo Verde. A solução passa também pela distinção dos géneros de leitura dos de escrita já que grande parte desses textos são apenas géneros de leitura. Por conseguinte, nunca serão confrontados com eles na escrita quer a nível académico ou profissional.

Prosseguindo, uma outra lista com a qual me deparei é de: - recensão de artigos - comentário - comentário crítico - crítica - apreciação crítica Seguida de: - texto argumentativo - opinião - exposição - texto expositivo

Continuando, à luz da Escola de Sydney, a exposição que é o mesmo que texto expositivo ou texto argumentativo pertence à família de argumentos (vd. Quadro 33); é o

género exposição usado para defender um ponto de vista (tendo ficado de fora o género discussão (cujo propósito é discutir dois ou mais pontos de vista); e a opinião pertence a

uma outra família (reações ao texto); e as designações comentário, comentário crítico,

crítica e recensão de artigos são diferentes designações da resenha cujo propósito seria

avaliar um texto.

À redução da lista a que me referia acima, deve-se acrescer ainda uma ponderação sobre os diversos termos usados de forma indiscriminada e aleatória tanto nos programas como nos manuais escolares.

Percebe-se que não há um critério objetivo e transparente para a proposta desses géneros nos documentos analisados. E mais, em momento algum se dá orientações ou pistas para a redação de tais textos. São propostos como tarefas de escrita, partindo do pressuposto de que os alunos já sabem escrever.

Na verdade, se olhar para os problemas de escrita com mais acuidade, chegarei à conclusão de que os professores não aprendem formalmente a escrever, portanto nem todos estão em condições de ensinar os seus alunos a fazê-lo.

103 Sem pretensão de enquadrar os géneros mapeados na Escola de Sydney, nota-se claramente que é preciso definir ou adotar apenas um quadro teórico quando a questão é género textual. Além disso, há que equacionar outras variáveis igualmente necessárias no nosso sistema educativo.

Veja-se como a questão do ensino é abordada na edição de 02 de janeiro de 2020, no jornal A Nação, num artigo intitulado Professores abandonados à sua sorte sem manuais e sem coordenação nacional, aludindo concretamente ao subsistema do Ensino Secundário:

As disciplinas de Português, Cidadania, História, Filosofia e Geografia são lecionadas a partir de conteúdos recolhidos, de forma avulsa, em vários livros estrangeiros, nomeadamente portugueses. Apesar do programa facultado pelo Ministério da Educação […] fica ao critério de cada professor escolher em que livro se basear e como apresentar a matéria aos seus alunos.

No seu dia a dia, os docentes recorrem a sebentas e apontamentos, fotocópias e vídeos e slide shows. A partir do oitavo ano, o problema mostra-se mais acentuado, uma vez que a reforma no ensino levada a cabo pelo Ministério da Educação só chegou a esta classe e não há livros para os alunos acima deste nível […]. A qualidade do ensino depende da dinâmica de cada grupo disciplinar, das escolas e também dos professores.

Há necessidade urgente de termos novos manuais e um plano curricular e programa de abrangência nacional. Atualmente, cada concelho está a trabalhar com o seu programa e depois, quando se elaboram provas gerais internas e nacionais, às vezes, há situações em que há conteúdos que foram trabalhados e outros que não […].

Uma outra preocupação, tanto de professores como de pais e encarregados de educação é a excessiva quantidade de matérias que precisam ser absorvidas por alunos de algumas classes, principalmente do sétimo ano.

Nisto, há quem reclame da quantidade de conteúdos que vão sendo introduzidos nas mais diversas disciplinas, muitas vezes, em função dos modismos que vão surgindo. (Jornal A

Nação pp.6-9)

Este artigo vem reforçar a necessidade de uma intervenção mais ponderada e profunda no sistema educativo cabo-verdiano, por forma a pôr cobro aos problemas e às fragilidades inventariados no âmbito deste trabalho investigativo.

Com efeito, o exercício que efetuei, no capítulo anterior, que tinha o propósito de mapear os géneros nos documentos legais, no contexto de Cabo Verde, a nível do Ensino Secundário, permitiu-me chegar à conclusão que os géneros ou tipos de textos propostos nesses documentos, ao contrário da Escola de Sydney, não obedecem a nenhum critério específico, ou seja, os textos servem outros propósitos como atividade de interpretação sem, contudo, que o professor faça necessariamente uma preparação para a leitura, com todas as atividades que isso implica, seguida de uma leitura detalhada para explicitar a estrutura do texto em etapas e consoante o seu propósito comunicativo. Não há a preocupação de, através de tais textos, atingir propósitos sociocomunicativos, construir o conhecimento, aprender a significar ou proporcionar ao aluno um conhecimento explícito

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da língua nem lhe facultar as ferramentas necessárias para desenvolver a consciência dos géneros. Além disso, não há qualquer distinção entre os géneros de leitura e dos de escrita.

Os alunos são expostos a uma grande diversidade de géneros dos quais nunca vão fazer uso na vida, enquanto deviam ser submetidos a tarefas que envolvessem géneros escolares, restringindo a lista aos géneros que realmente serão confrontados na escrita.

Síntese

Neste capítulo, apresentei a abordagem baseada em género também conhecida como Escola de Sydney, aludindo-me ao contexto do seu aparecimento, estabelecendo, ainda, a correlação entre o contexto desta investigação e o do surgimento desta escola. Efetuei, também, o enquadramento desta pedagogia na Linguística Sistémico-Funcional, clarificando os conceitos de género e registo antes de caracterizar os géneros mapeados nos documentos legais, no capítulo precedente, à luz da Escola de Sydney.

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