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A concepção constitucional: serviço público de caráter essencial

4. CAPÍTULO III: A MOBILIDADE URBANA COMO UM DIREITO SOCIAL: O

4.5. O tratamento jurídico da mobilidade urbana

4.5.1. A concepção constitucional: serviço público de caráter essencial

As Constituições do Brasil anteriores à Constituição de 1988 não regulamentaram o transporte coletivo urbano.

A Constituição de 1988 atribuiu à União a competência de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive transportes urbanos; e a competência de legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes.

No entanto, coube ao município (art. 30, V) “organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (BRASIL, 1988).

Dessa forma, pode o Município prestar o serviço de mobilidade urbana, considerado serviço público de caráter essencial, diretamente ou indiretamente, sendo, neste último caso sob o regime de concessão ou permissão.

Para compreender a prestação do serviço de transporte coletivo, é imprescindível alguns conceitos do Direito Administrativo.

Serviços públicos podem ser definidos como atividade de caráter administrativo concreta, traduzida em prestações que diretamente representem em si mesmas, utilidades ou comodidades materiais para a população em geral, executada sob o regime jurídico de direito público pela administração pública ou, se for o caso, por particulares delegatários (concessionários e permissionários). (ALEXANDRINO, 2010, p. 633). A concessão de serviço é a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. (ALEXANDRINO, 2010, p. 649).

A permissão de serviço público é a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo pode concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. (ALEXANDRINO, 2010, p. 649).

Assim, mesmo quando os serviços públicos são prestados por concessionárias ou permissionárias, devem obedecer ao regime de Direito Público. Portanto, quando o Estado delega a prestação de serviços às empresas privadas, deve fiscalizá-las, para que os serviços sejam prestados de forma satisfatória.

Na realidade, percebe-se que todas as tarefas de gestão do sistema de transporte coletivo urbano são exercidas pelos empresários.

Está sob seu controle (dos empresários) o conhecimento sobre os gastos concretos do sistema de transportes urbanos, com baixíssima fiscalização e controle públicos sobre a composição das planilhas de custos; estão sob seu poder as condições de prestação do serviço (ou seja, se uma linha recebe ônibus novos ou velhos, motoristas experientes ou novatos, cobradores corteses ou irascíveis; se as peças de reposição serão novas ou reaproveitadas de veículos sucateados etc.), igualmente com pouca ou nenhuma fiscalização e controle públicos. Garantem para si, em tal cenário, o poder de usar diversas táticas para maximizar sua margem de lucro a curto prazo, que é seu objetivo básico enquanto donos de empresa; pelo impacto social destas táticas, que afetam diretamente os passageiros e a popularidade dos prefeitos, podem, então, impor às prefeituras aumentos de tarifas - mesmo que, juridicamente, seja das prefeituras a decisão sobre tais aumentos. (NASCIMENTO, 2007)

Mesmo em Munícipios em que existe um Conselho de Transporte, ou ele não funciona com regularidade, ou é formado apenas por integrantes das empresados prestadoras do serviço e do Estado.

Embora haja momentos de conflito entre prefeitos e empresários, não há como evitarem agir juntos, pois gerem o sistema compartilhadamente: as prefeituras cuidam da infraestrutura necessária para os transportes - pontos de ônibus, vias públicas, engenharia de tráfego, criação de linhas etc. - enquanto as empresas cuidam da prestação direta do serviço de transporte (o deslocamento). Esta política dos empresários do setor transforma o sistema de transportes numa verdadeira bola de neve de exclusão social. (NASCIMENTO, 2007)

Nesse cenário, urge a criação de um direito social ao transporte, para que seja assegurada à população uma mobilidade urbana que contribua para a efetivação de outros direitos.

Do transporte coletivo urbano dependem: o direito de ir e vir, o direito à cidade, o direito à educação, o direito à saúde, o direito ao lazer e o direito ao trabalho, bem como a dignidade da pessoa humana; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Assim, o direito ao transporte seria o “direito-meio para atingir os objetivos constitucionalmente consagrados do Estado brasileiro (art. 1º, III, art. 3º, III, CF).” (OLIVEIRA, 2010, pág. 66).

A Carta de Atenas, elaborada pelo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) em 1930 e revisada em CIAMs posteriores, atribui à cidade quatro funções: trabalho, educação, lazer e circulação.

No entanto, vemos que sequer as quatro funções trazidas pela Carta de Atenas estão efetivadas na nossa constituição como Direitos Sociais. No texto original do art. 6º da Constituição Federal de 1988 apenas o trabalho e a educação eram Direitos Sociais. Posteriormente, a moradia, que corresponde à função habitação, foi reconhecida por meio de emenda à constituição. Apenas a circulação – equivalente à mobilidade urbana e ao transporte coletivo – não foi efetivado em nosso texto constitucional.

Criar um direito social é “reconhecer um direito público subjetivo a ser assegurado ao cidadão pelo Estado.” (OLIVEIRA, 2010, pág. 66), pois estamos falando dos direitos de segunda geração. Em nosso Estado Democrático de Direto, criar um direito social ao transporte é necessário para efetivar o mandamento constitucional da garantia da liberdade de ir e vir. Pois o Estado deve, além de não

impedir pela força o deslocamento, entrada e permanência do indivíduo no território nacional, garantir que ele tenha condições de se locomover para onde quer.

Nesta outra dimensão de 2ª geração, o Estado seria instado a não obstar o deslocamento das pessoas na cidade devido à omissão de dever, em razão da falta de infraestrutura adequada à mobilidade urbana, assim como pelo não atendimento ao mínimo vital para determinado conjunto de pessoas excluídas dos benefícios de se viver em sociedade ou negando ao cidadão a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana e o acesso e fruição aos seus Direitos Sociais, em particular, pelo estabelecimento de tarifa pública acessível aos cidadãos de menor nível de renda. (OLIVEIRA, 2010, p. 66).