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Do direito à cidade ao direito ao transporte: ensaio sobre a criação de um direito social

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE DIREITO

MELKA GERMANA DE SOUSA BARROS

DO DIREITO À CIDADE AO DIREITO AO TRANSPORTE: ENSAIO SOBRE A CRIAÇÃO DE UM DIREITO SOCIAL.

(2)

DO DIREITO Á CIDADE AO DIREITO AO TRANSPORTE: ENSAIO SOBRE A CRIAÇÃO DE UM DIREITO SOCIAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Newton de Menezes Albuquerque.

FORTALEZA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

B277d Barros, Melka Germana de Sousa.

Do direito à cidade ao direito ao transporte: ensaio sobre a criação de um direito social / Melka Germana de Sousa Barros. 2015.

109 f.: 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Orientação: Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque.

1. Direito Constitucional Brasil. 2. Transporte Urbano Brasil. I. Título.

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DO DIREITO À CIDADE AO DIREITO AO TRANSPORTE: ENSAIO SOBRE A CRIAÇÃO DE UM DIREITO SOCIAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Newton de Menezes Albuquerque.

Aprovada em __/__/____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________

Prof.ª. Dr. Gretha Leite Maia de Messias

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________

Prof.ª. Julianne Melo dos Santos

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caminhada em direção à utopia que está lá no horizonte e que, se eu me aproximo dois passos, ela se afasta dois. Nessa caminhada, contava-me o velho amigo, nunca estamos sós. Várias pessoas tocam nossas mãos, mesmo que por poucos momentos. Às vezes, para sempre.

Agradeço à minha mãe, Erisvalda, que me tomou no colo nos primeiros minutos da vida e desde lá caminha ao meu lado. Mulher forte e batalhadora que enfrentou tripla jornada de trabalho desde cedo, muitas vezes exercendo papel de mãe e de pai, para garantir que eu seguisse esse caminho. Obrigada por ter me ensinado “essa estranha mania de ter fé na vida”. Foram muitas as dificuldades, mas nosso amor nos fez permanecer unidas na realização desse sonho.

Agradeço à minha irmã, Monyse, pelo companheirismo indescritível. Sem dúvida, muitos dos meus traços hoje vêm de você, mulher militante, forte, e perene na luta pelo sonho de justiça social. De mãos dadas, nós três seguimos e “onde não havia caminho nós voamos”.

Agradeço ao meu pai, Germano, por existir na minha vida, mesmo distante. A presença da sua ausência sempre foi determinante para traçar meus caminhos. Reconheço que você pegou em minhas mãos nos momentos mais difíceis e, por isso, mais determinantes.

Agradeço à minha avó, Dona Raimunda, pelo cuidado e pela a atenção, mesmo depois de muitas décadas de vida. Por ter me dado às mãos nos momentos mais difíceis da minha infância. Suas mãos grosseiras do trabalho doméstico e seus doces olhos azuis não sairão da minha memória nunca, onde quer que você esteja.

Agradeço aos meus avôs, Murilo e Luís, pelo apoio fundamental na construção dessa caminhada. Ao esposo da minha mãe, Josimar, pelo apoio permanente.

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Agradeço ao Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC) por ter reacendido o sonho pela justiça social quando o Direito já havia o destruído em mim. Agradeço às pessoas que conheci no NAJUC. As diferentes gerações que passaram por lá (e por mim) significaram sempre mais motivos para permanecer na luta. Da mesma forma, agradeço ao Coletivo Conteste, semente de luta na Faculdade de Direito da UFC e que, em mim, plantou coerência e compromisso militante. Especialmente, agradeço às pessoas mais próximas: Marcos, Kauhana, Murilo, Breno, José Rafael, Jaci, Marcus, Enale, Gláucia, Carol, Camila, Carla, Felipe e José Maria.

Agradeço à Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária Popular (RENAJU), por me mostrar que também “há quem cante diferente em outras terras”.

Agradeço ao Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra, em especial à Comuna Urbana 17 de abril, onde dei meus primeiros passos no caminho da militância.

Agradeço ao Movimento de Luta em Defesa da Moradia, pela oportunidade de participar da luta de trabalhadoras e trabalhadores em defesa da moradia e contra o capitalismo e o Estado.

Agradeço ao Movimento Indígena do Ceará, em especial as etnias: Pitaguary, Jenipapo-Kanindé e Tapeba, com as quais trabalhei. Sou eternamente grata à espiritualidade indígena, que despertou em mim sensibilidades já perdidas no ceticismo militante.

Agradeço ao Movimento Passe Livre, por criar um sonho de construir o poder popular através da organização. Em especial, pela oportunidade de escrever sobre seu histórico, sua constituição e suas pautas.

Agradeço à Organização Resistência Libertária, por ter me apresentado o caminho da Anarquia, “este sonho de justiça e de amor entre os seres humanos”.

Agradeço à equipe do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CDPDH), pela oportunidade de firmar meus primeiros passos profissionais como estagiária de direito.

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Agradeço à Universidade Federal do Ceará (UFC) por permitir o acesso à educação, mesmo que em pequena escala, para tantas pessoas, que, como eu, não teriam condições de pagar para cursar o ensino superior.

Agradeço à turma de direito 2015.1, com quem dividi cinco anos da minha vida. Em especial, agradeço à Larissa Andrade pelo companheirismo de sempre.

Agradeço à Pró-Reitoria de Graduação, pela oportunidade de ser bolsista da Coordenação de Formação em Aprendizagem Cooperativa (COFAC).

Agradeço à Pró-Reitoria de Extensão, pela oportunidade de ser bolsista do Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC).

Agradeço à Pró-Reitoria de Pesquisa, pela oportunidade de ser bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).

Agradeço ao meu orientador, Newton de Menezes Albuquerque, ou simplesmente “Newtão”, como nós costumamos carinhosamente o chamar. Obrigada pela confiança na elaboração da pesquisa desenvolvida no PIBIC e na elaboração desta monografia.

Agradeço ao meu co-orientador, Manoel Gonçalves (Manolo), por me ajudar nesse caminho difícil que é a elaboração de uma monografia que busca investigar as lutas de um povo. Obrigada por atender meus chamados aflitos e confusos. Sua orientação “chata, ranzinza, ranheta, insuportável e implacável quanto a estudos” foi determinante para o resultado deste trabalho.

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“Carregamos um mundo novo em nossos corações, que cresce a cada momento. Ele está crescendo neste instante [...].”

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coletivo urbano em uma perspectiva diferente da qual ele é tratado pelo nosso ordenamento jurídico. Atualmente, ele é assegurado como serviço público essencial, conforme o art. 30, V, da Constituição Federal de 1988; o objetivo desta pesquisa, entretanto, é demonstrar que se trata de um direito social, surgido a partir da necessidade da população de que seja garantido seu direito de ir e vir na cidade. Esta necessidade deriva do fato de a urbanização brasileira ter sido enormemente acelerada após a Segunda Guerra Mundial, gerando segregação urbana – ou seja, separação entre lugar de moradia e lugar de trabalho, lugar de lazeres, lugares onde estão concentrados postos de prestação de serviços públicos (saúde, educação etc.) – e lutas sociais contra seus efeitos; sendo o transporte coletivo um serviço público capaz de minimizar os efeitos da segregação urbana, surgem também em torno dele lutas sociais cujo conteúdo – redução das tarifas, qualidade do transporte, novas linhas etc. – define igualmente os contornos deste novo direito social. Como a história da construção e positivação dos direitos fundamentais, e também dos direitos sociais, demonstra terem surgido de necessidades concretas dos cidadãos, expressas através de lutas muito longas e difíceis, aponta-se neste trabalho a necessidade de reconhecer o direito ao transporte como um direito público subjetivo, como um passo para melhorar o transporte coletivo e, consequentemente, melhorar a condição de vida das pessoas que vivem nas cidades.

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Le travail de conclusion de cours que se suit recherche analyser le transport en commun urbain dans une perspective différente de laquelle il est traité par notre ordonnance juridique. Actuellement, il est assuré comme service public essentiel, conforme le article 30, V, de la Constitution Fédérale de 1988. L'objectif de cette recherche, pourtant, est démontrer qu'il s'agit d'un droit social, surgi à partir du besoin de la population de que soit garanti son droit d'aller et venir dans la ville. Ce besoin dérive du fait de l'urbanisation brésilienne y avoir été énormément accélérée après la Seconde Guerre mondiale, en générant ségrégation urbaine. Le ségrégation urbaine engendre une séparation entre lieu de logement et lieu de travail, lieu de loisirs, lieux où sont des concentrés posts de prestation de services publics (santé, éducation etc.), et il génère des luttes sociales contre ses effets; en étant le transport en commun un service public capable de minimiser les effets de la ségrégation urbaine, ils surgissent aussi autour d'il luttes sociales dont contenu - réduction des tarifs, qualité du transport, nouvelles lignes etc. – il définit également les contours de ce nouveau droit social. Comme l'histoire de la construction et efectivación des droits fondamentaux, et aussi des droits sociaux, démontre ils aient surgi de besoins concrets des citoyens, et aussi des droits sociaux, il démontre ils aient surgi de besoins concrets des citoyens, tu exprimes à travers des luttes très longs et difficiles, il se vise dans ce travail le besoin de reconnaître le droit au transport comme un droit public subjectif comme un pas pour améliorer le transport collectif et, en conséquence, améliorer la condition de vie des personnes qu'ils habitent dans les villes.

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1. INTRODUÇÃO...14

2. CAPÍTULO I – OS DIREITOS SOCIAIS...18

2.1. A criação dos direitos sociais: os sujeitos e os conflitos...18

2.2. O processo de formação dos direitos sociais no mundo...20

2.2.1. Os direitos sociais e as revoluções burguesas...20

2.2.2. Os direitos sociais e a revolução industrial...22

2.2.3. Os direitos sociais e as revoluções da classe explorada...23

2.2.3.1. As Revoluções de 1848/1849...23

2.2.3.2. A Associação Internacional dos Trabalhadores...26

2.2.4. As primeiras constituições a efetivar os direitos sociais...27

2.2.4.1. A Constituição Mexicana de 1917...27

2.2.4.2. A Constituição de Weimar de 1919...28

2.2.5. A universalização dos Direitos Sociais. ...30

2.2. O processo de construção dos direitos sociais no Brasil...32

2.2.1. Constituição de 1824: aristocracia, escravidão e direitos sociais...33

2.2.2. Constituição de 1891: coronelismo, capitalismo e direitos sociais...34

2.2.3. Constituição de 1934: industrialização e direitos sociais...36

2.2.4. Constituição de 1937: fascismo e direitos sociais...38

2.2.5. Constituição de 1946: democracia e direitos sociais...40

2.2.6. Constituição de 1967: ditadura e direitos sociais...41

2.2.7. Constituição de 1988: democracia e novos direitos sociais...44

3. CAPÍTULO II – O DIREITO À CIDADE...46

3.1. Os processos de urbanização e o direito à cidade...46

3.1.1. O fenômeno da urbanização no mundo...46

3.1.1.1. O conceito de cidade...47

3.1.1.2. A história das cidades...49

3.1.1.3. Agentes sociais de (trans)formação das cidades. ...53

3.1.2. Problemas da urbanização...54

3.1.3. Urbanização e direito à cidade...56

3.2. A urbanização no Brasil...58

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3.2.4. Uma urbanização desigual e perversa...63

4. CAPÍTULO III: A MOBILIDADE URBANA COMO UM DIREITO SOCIAL: O DIREITO AO TRANSPORTE...66

4.1. Urbanização e mobilidade...66

4.2. A mobilidade urbana e as cidades...68

4.3. As lutas dos usuários por mobilidade urbana...72

4.3.1. 1879-1880: A Revolta do Vintém...72

4.3.2. 1847-1960: O quebra-quebra contra a exploração...73

4.3.3. 1970-1990: O quebra-quebra contra a “ordem” da ditadura militar...75

4.3.4. 1980: Fiscais de linha em Curitiba...78

4.3.5. 2000-2010: O Movimento Passe Livre e as revoltas pelo transporte coletivo...80

4.4. Mobilidade urbana: direito ou mercadoria?...84

4.5. O tratamento jurídico da mobilidade urbana...87

4.5.1. A concepção constitucional: serviço público de caráter essencial...87

4.5.2. A concepção infraconstitucional...89

4.5.2.1. Estatuto da Cidade: o pluralismo jurídico...89

4.5.2.2. A Política Nacional da Mobilidade Urbana...91

4.6. Tarifa zero: uma proposta viável...92

5. CONCLUSÃO...95

REFERÊNCIAS...100

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho de conclusão de curso que se segue procura analisar o transporte coletivo urbano em uma perspectiva diferente da qual ele é tratado pelo nosso ordenamento jurídico, como serviço público essencial, conforme o art. 30, V, da Constituição Federal de 1988.

Nesta pesquisa, procura-se analisar o transporte coletivo como direito social que surge a partir da necessidade da população de que seja garantido seu direito de ir e vir na cidade, tendo em vista que “a partir da aceleração da urbanização após a segunda guerra mundial, as maiores cidades brasileiras começaram a vivenciar problemas graves de trânsito e transporte.” (VASCONCELLOS, 2001, p. 22).

A urbanização causou uma segregação sócio-espacial que impede que a maioria da população possa se deslocar pela cidade e usufruir dos serviços urbanos oferecidos pelo Estado e essencial para uma vida digna. Assim, o direito ao transporte torna-se imprescindível para a concretização do direito à cidade, sendo esse último definido como

(...) o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. O direito à cidade supõe a inclusão do direito ao trabalho em condições equitativas e satisfatórias; de fundar e afiliar-se a sindicatos; de acesso à seguridade social e à saúde pública; de alimentação, vestuário e moradia adequados; de acesso à água potável, à energia elétrica, o transporte e outros serviços sociais; a uma educação pública de qualidade; o direito à cultura e à informação; à participação política e ao acesso à justiça; o reconhecimento do direito de organização, reunião e manifestação; à segurança pública e à convivência pacífica. Inclui também o respeito às minorias e à pluralidade étnica, racial, sexual e cultural, e o respeito aos migrantes. (Carta Mundial pelo Direito à Cidade, 2006).

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Essas manifestações são também fruto da indignação da população com os efeitos da segregação residencial urbana. A urbanização das cidades separou o local de moradia e o local de trabalho da maioria da população fazendo que os percursos que levam da periferia aos centros comerciais sejam feitos através do transporte coletivo. Além disso, os serviços de saúde, educação e lazer permanecem centralizados e distantes da periferia, tendo a população que recorrer mais uma vez ao transporte coletivo. Portanto, melhorar o transporte coletivo é melhorar a condição de vida das pessoas que vivem nas cidades.

A ideia de transformar o direito ao transporte em um direito social não é nova. No entanto, não há produções científicas mais profundas sobre o tema na área do Direito. A produção de conhecimento acadêmico no Brasil (nas áreas de Direito e do Urbanismo) privilegiam a mobilidade urbana em detrimento do transporte coletivo. A maioria das pesquisas sobre transporte está situada na área de Engenharia de Transportes1; isso acontece porque “inicialmente, a oferta de transporte é vista como uma ação pragmática, baseada em técnicas de engenharia, construção e gerenciamento.” (VASCONCELLOS, 2001, p. 15).

O enfoque das pesquisas sobre transporte realizadas na área de Engenharia de Transportes não prioriza as relações sociais, políticas e econômicas envolvidas no planejamento dos transportes coletivos.

Os engenheiros resistem aos enfoques sociais e políticos porque eles acreditam, por sua formação, que os assuntos de transporte e trânsito são exclusivamente técnicos. Esta visão traz implícita a ideia de que o planejamento dos transportes e do trânsito são intervenções essencialmente neutras. (VASCONCELLOS, 2001, p. 15).

Os problemas cotidianos pelos quais passam a população das cidades apontam a necessidade de estudar o transporte coletivo urbano em outra perspectiva. É necessário que se faça:

a análise dos padrões de viagem em função de condições sociais, políticas, econômicas e institucionais que condicionam as decisões das pessoas e entidades envolvidas. Ela pressupõe a análise da distribuição do poder na sociedade e do seu impacto tanto nas decisões das políticas de transportes e trânsito, quanto nas formas segundo as quais as pessoas se apropriam das vias e dos meios de transporte. (VASCONCELLOS, 2001, p. 16).

1 Uma busca no Banco Digital de Teses e Dissertações da USP usando a palavra-chave “transporte

(16)

Assim, é importante trazer essa discussão para as ciências sociais. No entanto, ainda é uma discussão de caráter introdutório. “É preciso ter em mente que o ensaio não almeja uma construção fechada, dedutiva ou indutiva. (...) Sua força está na capacidade reflexiva para compreender a realidade.” (Adorno apud Meneghetti, 2011).

Para a construção desta pesquisa foi utilizada uma metodologia histórico-evolutiva, construída a partir da fusão da metodologia histórica e da histórico-evolutiva, ambas aprofundadas por Luís Roberto Barroso (2001).

Luís Barroso indica que “o elemento histórico tem sido o menos prestigiado na moderna interpretação levada a efeito nos sistemas jurídicos da tradição romano-germânica” (2001, p. 125), mas ressalta, adiante, que “o elemento histórico desempenha na interpretação constitucional um papel mais destacado do que na interpretação das leis” (2001, p. 126).

Forneceria a interpretação histórica da constituição ferramentas para compreensão dos limites do texto constitucional e, simultaneamente, apontaria possíveis tendências de interpretação? Seria ela capaz não apenas de indicar grandes tendências, mas de apontar soluções concretas para casos concretos? Não sozinha. Costuma-se usá-la complementarmente à interpretação constitucional

evolutiva, um “processo informal de reforma do texto da constituição” que consiste “na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes” (BARROSO, 2001, p. 137).

Estas novas circunstâncias, como se verificam? Apesar de seu dever de ofício, de nenhum operador do Direito se pode exigir sozinho a tarefa hercúlea de interpretar todas as tendências sociais atuais, suas causas e contradições. Em especial numa sociedade democrática, é preciso considerar também a participação de outros atores no processo de interpretação constitucional, e ir a seu encontro perguntando-lhes sua posição.

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aproximar a interpretação constitucional tradicional da dinâmica viva das relações sociais, de “alicerçar sua legitimidade no poder constituinte do 'social' e nos antagonismos que nele estão expressos” (NEGRI, 2002, p. 421).

O objetivo desta pesquisa é demonstrar como o direito social ao transporte segue o processo de formação dos direitos sociais na história. Os sujeitos sociais e os conflitos em torno do transporte coletivo mostram como a população necessita que ele seja “reconhecido como um direito público subjetivo a ser assegurado ao cidadão pelo Estado.” (OLIVEIRA, 2010, p. 66).

O primeiro capítulo deste trabalho explora a teoria dos direitos sociais, abordando incialmente os sujeitos e os conflitos que geram o surgimento desses direitos. A partir de então, passa-se a uma análise histórica do surgimento dos direitos sociais no mundo, tomando como ponto central as revoluções sociais que são “um dos resultados possíveis da luta de classes e consistem na alteração violenta da ordem social estabelecida” (FARJ, 2008, p. 29). Depois, passa-se a análise das primeiras Constituições que efetivaram direitos sociais e as revoluções que as precederam. Finalmente, aborda-se a formação dos Direitos Sociais no Brasil a partir de uma análise de todas as Constituições do nosso país e dos principais fatos históricos que as precederam.

O segundo capítulo trata dos processos de urbanização no mundo e da segregação sócio-espacial advinda desses processos. Analisa-se a história das cidades e os sujeitos sociais que constroem essa história. A partir da formação histórica e social das cidades, faz-se uma introdução ao direito à cidade. Por fim, analisa-se a urbanização no Brasil a partir de dois pontos principais - a industrialização e o êxodo rural -, apontando os problemas da nossa urbanização, dentre eles a mobilidade urbana, que será trabalhada no capítulo seguinte.

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nosso ordenamento. Por último, problematiza-se as formas de financiamento do transporte coletivo urbano tendo em vista a necessidade de custear o transporte como direito social.

.

2. CAPÍTULO I: OS DIREITOS SOCIAIS.

2.1. A criação dos direitos sociais: os sujeitos e os conflitos.

(19)

realizar determinadas prestações materiais em favor do desenvolvimento adequado do ser humano e da coletividade.

Surgem do conflito entre o que é negado pelo Estado e o que deveria ser garantido por ele, dentro de um ideal de igualdade e de justiça que não é consenso em “uma sociedade dividida internamente e fraturada por suas contradições e antinomias” [TELLES, 1998]. Este conflito põe na ordem do dia necessidades da população ainda desprovidas de regulamentação e que, por isso, tornam mais difícil o desenvolvimento de uma vida completa2.

Esse confronto entre interesses na sociedade é o verdadeiro motor de criação dos direitos sociais. Daí porque não é suficiente o reconhecimento das mazelas sociais, apenas. É necessário provocar o conflito entre as promessas dos ideais de justiça e a realidade do mundo para que os direitos sejam criados. Veremos mais tarde, como as revoluções contribuíram para a formação dos direitos sociais no mundo e como os movimentos sociais se tornam protagonistas neste processo.

Explica melhor Vera da Silva Telles:

O que instaura a polêmica e o dissenso sobre as regras da vida em sociedade não é, portanto, o reconhecimento da espoliação dos trabalhadores, a miséria dos sem-terra, o desamparo das populações nos bairros pobres das grandes cidades, ou ainda as humilhações dos negros, vítimas de discriminações seculares, a inferiorização das mulheres, o genocídio dos índios e também a violência sobre aqueles que trazem as marcas da inferioridade, na sua condição de classe, de cor ou de idade. Em todas essas negativas, o discurso humanitário pode seguir tranquilo, é seu terreno por excelência [...] O que provoca escândalo e desestabiliza consensos estabelecidos é quando esses personagens aparecem na cena política como sujeitos portadores de uma palavra que exige o seu reconhecimento [...] que se pronunciam sobre questões que lhe dizem respeito, que exigem a partilha na deliberação de políticas que afetam suas vidas, e que trazem para cena pública o que estava antes silenciado, ou então fixado na ordem do não-pertinente para a deliberação política. (TELLES, 1998, p. 39).

Os direitos sociais são aqueles que parte dos doutrinadores (BONAVIDES, 2012, p. 582) da Teoria Geral do Direito conhece como integrantes da segunda geração de direitos humanos, que teria como precedente a primeira geração, essencialmente

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liberal, e seria seguida pela terceira geração, aquela relacionada aos direitos de solidariedade3. Esta teoria de “gerações” de direitos humanos vem sendo bastante

combatida4, tendo em vista que encara os direitos como sucessivos, como se não se acumulassem.

Na realidade, os direitos humanos precisam ser entendidos de forma inter-relacionada, sobrevivendo em sintonia no ordenamento jurídico. Devem ser destacadas as seguintes objeções postas por Cançado Trindade no “Seminário Direitos Humanos das Mulheres: a proteção internacional”, evento associado à V Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizado no dia 25 de maio de 2000, na Câmara dos Deputados Federais, em Brasília/DF:

“Eu não aceito de forma alguma a concepção de Noberto Bobbio das gerações de direitos. (...) Em primeiro, essa tese das gerações de direitos não tem nenhum fundamento jurídico, nem na realidade. Essa teoria é fragmentadora, atomista e toma os direitos de maneira absolutamente dividida. (...) Essa conceituação de que primeiro vieram os direitos individuais e, nesta ordem, os direito econômico-sociais e o direito da coletividade correspondem à evolução do direito constitucional. (...) Segundo, é uma construção perigosa, porque faz analogia com o conceito e gerações. O referido conceito se refere praticamente a gerações de seres humanos que se sucedem no tempo.” (CORREIA, 2004, p. 306).

Comumente, diz-se que fazem parte dos direitos de segunda dimensão os direitos sociais, culturais e econômicos. Segundo Paulo Bonavides, esses direitos:

“[foram] introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não podem se separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-lo da razão de ser que os ampara e estimula.” (BONAVIDES, 2012, p. 582).

2.2. O processo de formação dos direitos sociais no mundo. 2.2.1. Os direitos sociais e Revoluções Burguesas.

As Revoluções Burguesas do século XVIII constituem o registro de nascimento dos direitos humanos na história. Trata-se da Revolução Holandesa, da Revolução Inglesa, da Independência Americana em 1776 e da Revolução Francesa, que teve

3 Há respeitáveis doutrinadores que defendem a existência da quarta geração de direitos humanos. Para Paulo Bonavides, os direitos de quarta geração “são introduzidos pela globalização política na esfera administrativa (...) correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social.” (BONAVIDES, 2012).

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início em 1789. No entanto, o trabalho que se segue estará concentrado apenas na Independência Americana e na Revolução Francesa por serem as duas únicas a deixar um legado constitucional internacionalmente reconhecido como o marco fundador dos direitos humanos.

As Revoluções Burguesas foram planejadas para por fim aos privilégios da nobreza e do clero numa sociedade cujo Estado era tido como divino e o Rei como interlocutor da vontade de Deus. O desenvolvimento do Estado Moderno deixou para a burguesia papel periférico. A situação ficou insustentável quando com o desenvolvimento do comércio, a burguesia começou a acumular poderes econômicos, exigindo, por isso, poderes políticos.

Ver-se-á que as Revoluções Burguesas foram essencialmente liberais, contribuindo apenas para os direitos individuais de parte da população e, por vezes, negando os próprios direitos humanos. Esclarece Fábio Konder Comparato o teor destes direitos:

(...) O espírito original não foi, portanto, a defesa do povo pobre contra a minoria rica para extinguir os antigos privilégios, mas sim a defesa dos proprietários ricos contra um regime de privilégios estamentais e de governo irresponsável. (COMPARATO, 2010, p. 63).

Durante a Independência Americana, proclamou-se a Declaração de Independência dos Estados Unidos que versava:

Art. I Todos os seres humanos são, pela sua natureza igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem por nenhum tipo de pacto privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente a fruição da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança. (DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS EUA, 1776).

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Treze anos depois, em 1789, é proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, onde se afirmou que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.5

É preciso compreender que tanto os Estados Unidos como a França conviviam com a escravidão no momento em que proclamavam extensas declarações de direitos humanos. Os Estados Unidos aboliram a escravidão apenas em 8 de abril de 1865 por meio da décima terceira emenda à Constituição. Portanto, conviveram quase um século, conjuntamente, a declaração de liberdade e a escravidão, o que torna claro que os direitos humanos dos quais se falava não corresponde à concepção humanista da contemporaneidade.6

Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinham meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores. (GALEANO, 2010)

Na França, a escravidão foi abolida em 3 de fevereiro de 1794, inclusive no Haiti, então território francês. No entanto, a lei que declarava o fim da escravidão foi transgredida e o tráfico de escravos foi retomado 1799, no Senegal, colônia francesa.

Em 1802, Napoleão Bonaparte restabeleceu a escravidão na França. Só em 1848 o comércio de escravo foi definitivamente abolido. Vê-se que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que permearam a história da Revolução Francesa eram restritos a determinada classe social, a burguesia. A burguesia conclamava todos pela defesa dos direitos humanos. Faziam, no entanto, a separação daqueles que eram verdadeiramente humanos ao ponto de merecerem tais direitos. Segundo Fábio Konder Comparato:

5 A título de curiosidade, em 1791 Olympe de Gouges escreve a declaração dos direitos da mulher e da cidadã, documento onde a autora defende a igualdade entre homem e mulher em direitos e no casamento e o direito “à sua própria pessoa”. Defende também que a ordem constitucional deve se basear na participação política das mulheres. Para ter acesso à declaração de direitos da mulher e da cidadã, em sua integralidade, cf: (BRASIL, 2007)

(23)

A consequência imediata da proclamação de que todos os seres humanos são essencialmente iguais, em dignidade e direito, foi uma mudança radical nos fundamentos da legitimidade política. (COMPARATO, 2010, p. 63).

Daí porque a Independência Americana e a Revolução Francesa inauguram os direitos individuais, essencialmente liberais, que exigiam um não fazer do Estado. Exigiam que o Estado deixasse de intervir na vida do indivíduo. Segundo Paulo Bonavides

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço característico (...) (BONAVIDES, 2012, p. 582).

Aqui, portanto, não se pode falar em direitos sociais, ou mesmo em direitos individuais dirigidos a todas as pessoas. Sobretudo se pensarmos que criar direitos sociais significa um exercício (muito limitado e insuficiente) de busca da igualdade social. Pelo contrário, aqui é negada a igualdade social.

2.2.2. Os direitos sociais e a Revolução Industrial.

Os direitos à liberdade e à igualdade, fartamente declarados durante a Independência Americana e a Revolução Francesa, cedo se mostraram insuficientes para a imensa massa de trabalhadores criada, sobretudo, pela Primeira Revolução Industrial7.

A Primeira Revolução Industrial foi um processo de substituição da produção de mercadorias por meio da manufatura pela produção por meio de máquinas antes inexistentes. Inovações tecnológicas como o motor a vapor e novas formas de organização do trabalho como a produção em série, tornaram obsoleta a manufatura e aceleraram o ritmo da produção de bens. Portanto, o nascimento da Revolução Industrial está intimamente ligado ao surgimento do maquinário responsável por acelerar a produção.

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Estima-se que as primeiras máquinas tenham entrado nas indústrias por volta de 1740. Mas apenas nas duas últimas décadas do século XVIII foi possível o desenvolvimento de poderosas máquinas têxteis e de produção de carvão, produtos que marcam a história da Primeira Revolução Industrial.

O avanço da tecnologia permitia que as fábricas demandassem cada vez menos trabalhadores para os processos de produção de mercadoria. Com isso, criou-se um enorme exército de reserva que se tornava refém de pequenos salários, aliados a muitas horas de trabalho por dia. As indústrias empregavam homens, mulheres e crianças. Os baixos salários que pagavam faziam com que fosse necessário que toda a família estivesse empregada. Mulheres e crianças ganhavam ainda menos e sem nenhuma proteção do ordenamento jurídico.

(...) enquanto a classe operária (homens, mulheres, crianças; a grande indústria a qualquer preço) abismar-se-ia numa miséria sem esperança, atormentada por privações mortais. A fome, assim como nos anos de penúrias, obsedou as grandes cidades da civilização industrial sob a forma de seres humanos de semblante pálido, em andrajos, que haviam trabalhado, no tempo da atividade vertiginosa de 14, 15, 16 e 17 horas por dia, em um trabalho extenuante em atmosfera fétida, sob as rudes palavras, sob os insultos do contramestre e as exigências crescentes do patrão ou da companhia industrial, e isso por um salário penosamente suficiente à vida miserável do operário no dia a dia. Agora, sem trabalho e, por consequência, sem recursos, eles morriam na miséria para a maior glória da ordem para a maior santificação das máximas burguesas: laissez-faire, laissez-passer. (MALON, 2014, p. 30).

No ordenamento jurídico dos países, todas as pessoas possuíam liberdade para contratar. Inclusive, no mundo das leis, possuía o trabalhador liberdade para vender ou não sua força de trabalho para quem quer que fosse. Segundo Fábio Konder Comparato, “patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho.” (COMPARATO, 2010, p. 63).

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precisando, para isso, muitas vezes, proteger a “parte mais fraca” da relação jurídica8.

Percebe-se que nas relações jurídicas de trabalho forjadas a partir da Revolução Industrial não havia igualdade material. Do ponto de vista individual, o trabalhador é a parte mais fraca numa relação de trabalho.

Refiro-me ao ponto de vista individual porque, quando organizados, são os trabalhadores imensamente mais fortes que os patrões e o Estado. As péssimas condições de trabalho, aliadas ao baixo salário, foram suficientes para os trabalhadores perceberem a exploração em que viviam.

(...) e os operários foram bem forçados a ver que, na atual organização social, os progressos mecânicos da indústria, a universalização da divisão do trabalho aumentavam sua miséria, ao mesmo tempo em que a soma dos produtos, e produziam essas longas crises, tão mortíferas para eles, guardada toda a proporção, quanto as penúrias da Idade Média eram-no para o povo da época. E vagamente, instintivamente, o proletariado sonhou com a liberação dos deserdados e com o advento de uma ordem social melhor onde a igualdade substituiria as dominações de classe, onde o trabalho, a instrução e o bem-estar seriam o direito e o dever de todos. (MALON, 2014, p. 31)

A percepção de ser explorado, causada, muitas vezes, por simples fatos do cotidiano dos trabalhadores, fez com que estes se organizassem em sindicatos e articulassem greves longas e fortes, dando prova da força revolucionária atinente a essa classe.

Com efeito, após esse grande ato, a humanidade entra em uma nova fase; as maiores esperanças são permitidas; o povo, tantas vezes enganado e acorrentado, vai ele próprio trabalhar, e exclusivamente, para sua emancipação (MALON, 2014, p. 36).

2.2.3. Os direitos sociais e as revoluções da classe explorada.

Não pretendo, nessa obra, analisar os espaços de organização da classe trabalhadora e as revoluções proletárias, até porque esta seria uma tarefa inatingível diante do pouco espaço do trabalho. A intenção aqui é mostrar como estes

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movimentos contribuíram para a afirmação histórica dos direitos humanos e, mais especificamente, para o tratamento jurídico dos direitos sociais.

2.2.3.1. A Primavera dos Povos

Como escrito, a Revolução Francesa e seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade cedo se mostraram insuficientes para a classe trabalhadora.

Primavera dos Povos foi como ficou conhecida as revoltas populares iniciadas em 1848, na França, e que se espalharam por diversos países da Europa.

Na França, com o fim da Era Napoleônica, o Rei Luís Felipe de Orleans é colocado pela burguesia no poder com o fim de avançar com políticas liberais. A indignação popular cresceu e vários movimentos de oposição lançaram-se às ruas e à imprensa. O movimento da classe trabalhadora buscava inspiração também na obra do anarquista francês Pierre-Joseph Proudhon “Qu´est-ce que la propriéte?” (1840), em que ele respondera com sua memorável frase “A propriedade é um roubo.”

Visando desintegrar o movimento, o rei colocou-os na ilegalidade. Este foi o estopim para em fevereiro de 1848 eclodirem revoltas populares. O rei foi expulso e foi instituído o voto censitário.

Contudo, logo em seguida foi instalada uma Assembleia Constituinte com caráter de coalizão entre as diversas forças que impulsionaram o processo revolucionário conhecido como Revolução Francesa.

A Constituição francesa de 1848, inspirada nos conflitos sociais em que vivia a França neste ano reconheceu alguns direitos econômicos e sociais, exigências da classe trabalhadora. É, portanto, a primeira constituição das que se tem notícia a dar um tratamento jurídico aos direitos sociais, embora em pequena quantidade9. É necessário, no entanto, esclarecer que a vida dos trabalhadores na França não melhorou consideravelmente após 1848. Pelo contrário, a miséria em que viviam e a organização visando a uma mudança social ocasionaram a Comuna de Paris.

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2.2.3.2. A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT)

Diante das péssimas condições de trabalho, como relatado acima, os trabalhadores começaram a organizar-se nos sindicatos. Inicialmente, com o fim de melhorar as relações de trabalho. No entanto, logo foi dado um tom revolucionário a esta organização dos trabalhadores.

A Associação Internacional dos Trabalhadores foi fundada ao final de 1864. Reunia os trabalhadores de inúmeros países. Cada trabalhador organizava-se em uma secção, que podia ou não coincidir com seu sindicato. As seções organizavam-se em Federações, que quaorganizavam-se organizavam-sempre correspondiam ao País de origem. As Federações se reuniam na AIT10.

Em poucos anos, a AIT já reunia milhões de trabalhadores. “No congresso de Bruxelas (1868), estimou-se em um milhão o número de aderentes que se fizeram nela entrar” (MALON, 2014, p. 49).

A AIT contribuiu com a formação dos direitos sociais no mundo na medida em que influenciou e apoiou diversas greves, em vários países, que tiveram como consequência, imediata ou não, a criação de leis que protegessem o trabalhador, como a redução da carga horária de trabalho diária.

2.2.4. As primeiras constituições a efetivar direitos sociais.

O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade reconheceu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano, abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas. (COMPARATO, 2010, p. 66)

2.2.4.1. A Constituição Mexicana de 1917.

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Após a independência do México, em 1821, a luta dos indígenas por suas áreas comunais se intensificou. As leis proclamadas no país tinham caráter conservador, sobretudo no que tange ao direito de propriedade.

A Ditadura de Porfírio Diaz (1876-1911) acentuou os flagelos da sociedade mexicana, fortalecendo a acumulação de riqueza pela burguesia nacional.

Vários setores da sociedade mexicana se organizaram no que ficou conhecido como A Revolução Mexicana. Operários, camponeses e indígenas se aglomeraram em movimentos sociais e grupos políticos, dos quais os mais conhecidos eram o grupo liderado por Zapata e o Partido Liberal Mexicano (PLM), influenciado pelo Magonismo11, ideologia bem próxima ao anarquismo.

“Na celebração do congresso formador do PLM, na pauta, estavam contempladas as principais reivindicações do povo mexicano, concernentes à terra e à tão sonhada autonomia” (SAMIS, 2003, p. 17)

O Partido Liberal Mexicano foi posto na ilegalidade. Do exílio, seus membros publicavam o periódico chamado Regeneración. Em 1906, o PLM lança um “Manifesto à Nação Mexicana”. “O Manifesto, com forte teor anticlerical, previa uma transformação radical nas relações trabalhistas, na distribuição das terras e na organização geral da sociedade mexicana” (SAMIS, 2003, p. 17).

Esse manifesto forneceria as bases da Constituição de 1917, a primeira a incluir em seu texto extensa lista de direitos sociais. Como diz Fábio Konder Comparato:

A fonte ideológica da “Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos”,

promulgada em 5 de fevereiro de 1917, foi a doutrina anarcossindicalista, que se difundiu no último quartel do século XIX em toda a Europa, mas principalmente na Rússia, na Espanha e na Itália. O pensamento de Mikhail

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Bakunin muito influenciou Ricardo Flores Magón. (...) O grupo lançou clandestinamente, em 1906, um manifesto de ampla repercussão, no qual se apresentaram as propostas que viriam a ser as linhas-mestras do texto constitucional de 1917: proibição de reeleição do Presidente da República (Porfirio Diaz havia governado mediante reeleições sucessivas, de 1876 a 1911),garantias para as liberdades individuais e políticas(sistematicamente negadas a todos os opositores do presidente-ditador), quebra do poderio da Igreja Católica, expansão do sistema de educação pública, reforma agrária e proteção do trabalho assalariado.(COMPARATO, s.d.)

Cabe ressaltar que a transformação dessas demandas da população em normas constitucionais produziu o efeito contrário ao pretendido pelo grupo de Flores Magón, pois fortaleceu o aparato estatal como nunca antes na história do México.

2.2.4.2. A Constituição de Weimar de 1919.

Entre 1914 e 1914, o mundo assistiu, atônito, à primeira Grande Guerra. Derrotada, a Alemanha passaria por processos conturbados de 1918 a 1923, quando diversos grupos políticos à esquerda tentavam tomar o poder e estabelecer um novo regime, aos moldes do que se instalara em outubro de 1917, na Rússia.

Com efeito, com a abdicação do Kaiser, a derrota na Grande Guerra, a rendição incondicional, a proclamação da República de Weimar e a assinatura do Tratado de Versalhes, a Alemanha mergulhava em uma grave crise política, econômica e social, inaugurando um dos períodos mais conturbados de sua história. (ARAÚJO, s.d., p. 51).

A Revolução Alemã se caracteriza pela organização do movimento operário com o fim de instalar neste país um regime socialista. Destacam-se, nesse processo, Rosa Luxemburgo12 e a Liga Espártaco13.

12 Sobre Rosa Luxemburgo, vale reproduzir, apesar de longo, trecho de César Benjamin em apresentação ao livro Reforma ou Revolução, da autora alemã: “Rosa Luxemburgo nasceu em 1871, ano em que o povo francês proclamou a Comuna de Paris; atingiu a plena maturidade política e intelectual na década de 1910, marcada pela trágica experiência da Primeira Guerra Mundial; morreu assassinada em 1919 um ano depois da tomada do poder pelos bolcheviques russos. (...) Os estudos tomavam apenas parte de seu tempo. Através de exílio dos russos, entre os quais Plekhanov, conheceu a obra de Marx. Corajosa, boa escritora e excelente oradora, não tardou a se destacar. Na primavera de 1989, fixou-se em Berlim, ingressando no Partido Social-Democrata Alemão (SPD), que ocupava posição central no movimento socialista de então.” (BENJAMIN, 2010, p. 8)

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Em 1918, uma greve geral com o objetivo de forçar a saída da Alemanha da Guerra se espalha por todo o país. A greve fracassa e como resultado surge a repressão brutal por parte do governo, além da prisão de militantes.

No final de 1918 a Alemanha se rende e é declarado o fim da guerra. A Alemanha tornava-se uma monarquia parlamentar, como forma de conservar a classe imperial prussiana, mas ceder em alguma medida às movimentações internas do país. No entanto, cansado da miséria e do engano, o povo alemão exigia a queda do Reich e o levante de uma nova era.

O mês de novembro é fundamental para o desenrolar dos acontecimentos. Inicialmente, espalha-se o rumor de um levante para derrubada do Império, ao que dirigentes do SPD fazem apelos para que a população não atenda ao chamado insurrecional do panfleto espartaquista que convoca operários e soldados para a ação. Porém, no dia 9, uma multidão de operários, soldados e transeuntes toma as ruas berlinenses e segue em marcha até o centro da cidade. Mais tarde, no Castelo Real, Karl Liebknecht proclama

uma “República Socialista” e uma bandeira vermelha é hasteada no local.

(ARAÚJO, s.d., p. 55)

A instalação da República Socialista na Alemanha, desde o início não soou uníssona. O Partido Social-Democrata Alemão (SPD) defendia uma posição de participação na disputa eleitoral e pacífica transição ao socialismo mediante a implementação de reformas graduais. Já o Partido Social-Democrata Alemão Independente (USPD), sobretudo a Liga Espártaco, queriam a instauração de uma República Socialista.

A desintegração interna dessa coalização junto à repressão brutal arrefeceu o movimento socialista. No começo de 1919, dezenas de dirigentes foram mortos, entre eles Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

Como forma de retomar a estabilidade do país sob o comando do Estado foi promulgada a Constituição de Weimar de 1919. “(...) a Constituição da República de Weimar, promulgada em agosto daquele ano, assegurava certas liberdades civis e as conquistas sociais de novembro de 1918.” (ARAÚJO, s.d., p. 68)

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A Constituição de Weimer é estruturada de forma inovadora. Em sua primeira parte versa sobre a organização do Estado. Na segunda parte apresenta os deveres e direitos fundamentais. Os direitos sociais se encontram na segunda parte, no quarto capítulo no que tange ao direito à educação, e no quinto capítulo, que trata da economia.

O quinto capítulo é recheado de direito sociais, sobretudo trabalhistas. É assim que, o artigo 162 versa “O Reich defende uma regulamentação internacional sobre os direitos dos trabalhadores, que se esforça para garantir um mínimo de Direitos Sociais para a classe trabalhadora da humanidade.” (Weimar Constitution, 1919).

2.2.5. A universalização dos Direitos Sociais

Há autores, como Fábio Konder Comparato, que compreendem que o processo de internacionalização dos direitos humanos passou por duas fases.

A primeira surge na segunda metade do século XIX e acaba com a Segunda Guerra Mundial. Tem como foco o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação da legislação trabalhista.

Segundo Fábio Konder Comparato

No campo do chamado direito humanitário, que compreende o conjunto das leis e costumes de guerra, visando a minorar o sofrimento de soldados prisioneiros, doentes e feridos, bem como das populações civis atingidas por um conflito bélico, o primeiro documento normativo de caráter internacional foi a convenção de genebra de 1864, a partir da qual fundou-se, em 1880, a Comissão Internacional da Cruz Vermelha. (COMPARATO, 2010, p. 67)

No que se refere à luta contra a escravidão, foi o Ato Geral da Conferência de Bruxelas, de 1890, o primeiro tratado multilateral a tratar da repressão ao tráfico de escravos africanos.

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A segunda fase do processo de internacionalização dos direitos humanos teria começado logo após a segunda grande guerra. A Segunda Guerra Mundial provocou tragédias, ocasionadas pelo totalitarismo estatal, que despertou no mundo todo o sentimento cada vez mais forte de afirmação dos direitos humanos.

Em 10 de dezembro de 1948 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova a Declaração Universal dos Direitos Humanos, marco da nova fase de universalização dos direitos humanos.

Adotada sem consenso num foro então composto de apenas 56 Estados,

ocidentais ou ‘ocidentalizados’, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não foi, portanto, ao nascer, ‘universal’ sequer para os que

participaram de sua gestação. Mais razão tinham, nessas condições, os que dela não participaram – a grande maioria dos Estados hoje independentes – ao rotularem o documento como “produto do Ocidente. (LINDGREN, s.d., p. 3).

Os países africanos e asiáticos tinham razão ao tratar o documento como “produto do Ocidente”, tendo em vista que grande parte desses países eram colônias ocidentais. Mais uma vez, uma declaração de direitos humanos é forjada em meio a contradições. Os países ocidentais proclamam direitos humanos nas conferências internacionais, mas escravizam outros países através da colonização.

Mesmo com todas as críticas que devem ser feitas, a Declaração Universal foi um instrumento importante na afirmação histórica dos direitos humanos. É impossível negar também seu caráter inaugural no que tange aos direitos sociais. Seu texto conclama direitos como:

à educação, ao trabalho e ao repouso; a um nível adequado de vida, e a uma série de outras necessidades naturais, sentidas por todos e intuídas como direitos próprios por qualquer cidadão consciente. (LINDGREN, p. 2)

No entanto, a Declaração Universal de Direitos Humanos também converte em direito humano o direito à propriedade, registrado no artigo 17, afirmando, mais uma vez, a proteção ao sistema capitalista de produção.

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A demora para aprovação do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais desperta a atenção para a falta de vontade política dos Estados em garantir direitos mínimos para a sobrevivência digna da população.

2.3. O processo de construção dos direitos sociais no Brasil

Segundo Paulo Bonavides (2012), uma análise profunda da evolução constitucional do Brasil nos permiti identificar três fases históricas em relação aos valores políticos, jurídicos e ideológicos que tiveram influxo preponderante na obra de caracterização formal das instituições.

a primeira, vinculada ao modelo constitucional francês e inglês do século XIX; a segunda, representando já uma ruptura, atada ao modelo norte

-americano e, finalmente, a terceira, em curso, em que se percebe, com toda a evidência, a presença de traços fundamentais presos ao constitucionalismo alemão do corrente século. (BONAVIDES, 2012, p. 373)

2.3.1. Constituição de 1824: aristocracia, escravidão e direitos sociais.

A Constituição Política do Império do Brazil (BRASIL, 1824) foi outorgada em 1824, pelo Imperador Dom Pedro I, enquanto dois anos antes havia sido proclamada a Independência do Brasil, quando o país deixara de ser colônia de Portugal.

O processo que levou à Independência do Brasil foi gerido pelo Príncipe Português, pela aristocracia detentora de escravos e por comerciantes ligados à economia de importação e exportação, interessados em conservar o sistema que garantia o latifúndio e a escravidão. Sofreu forte influência do liberalismo europeu, que floresceu após a Revolução Francesa.

Em algumas interpretações mais radicais, o liberalismo no Brasil monárquico seria considerado até mesmo como uma simples importação artificial de ideias europeias que, para além da defesa do livre comércio, pouco se adequavam a realidade brasileira (MATTOS, 2004, p. 8).

Em 1823, Dom Pedro I convocara uma Assembleia Constituinte para elaborar a primeira constituição do país. Porém, houve uma forte divergência entre os Deputados e o Imperador, tendo em vista que este queria um poder superior a todos os outros. Com isso, Dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte convocada e outorgou uma nova Constituição em 5 de março de 1824.

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(MATTOS, 2004, pág. 7) Apesar disso, a escravidão permaneceu inalterada e o direito de propriedade esteve garantido pela nova Carta Magna.

Interessante a ponderação de Hebe Maria Mattos:

Pode parecer estranho, aos olhos de hoje, relacionar termos aparentemente tão antagônicos quanto cidadania e escravidão, mas, de fato, quando pela primeira vez se definiu uma “cidadania brasileira” e os direitos a ela

vinculados, quando da emancipação política do país em 1822, o Brasil comportava uma das maiores populações escravas da América, juntamente com a maior população livre afro-descendente do continente. (MATTOS, 2004, p. 7)

O texto da Constituição de 1824 é composto por oito títulos que versam, basicamente, sobre a Organização do Estado e dos Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador). Não há um título ou um capítulo que trate dos direitos fundamentais, tampouco dos Direitos Sociais. Mas há o artigo 179, onde está assegurado expressamente os direitos à liberdade, à segurança, à propriedade, à saúde, à educação e à igualdade.

Quanto aos direitos sociais, podemos apontar nessa Constituição a disciplina dos direitos à educação e à saúde. Em relação ao primeiro, a instrução primária e o ensino superior foram os assuntos previstos como responsabilidade do Estado, o mesmo tendo acontecido com a saúde. (ZAMBONE; TEXEIRA, s.d., p. 8)

O Título 2º da Constituição Política do Império do Brazil define os cidadão brasileiros como aqueles que tiverem nascido no Brasil, quer sejam ingênuos (filhos de escravos nascidos livres) ou libertos. No entanto, as pessoas que ainda eram consideradas escravas não eram cidadãs brasileiras.

Após a Independência, as relações privadas no Brasil eram regidas pelas Ordenações Filipinas até a entrada em vigor do código civil de 1916.

Como se pode observar, o escravo era tratado como mercadoria, pois inspirada no Direito Romano, a lei portuguesa considerava-o "coisa do seu senhor", ou seja, classificava-o como "mercadoria" ou "peça". Podia ser vendido, alugado, emprestado, submetido, enfim, a todos os atos decorrentes do direito de propriedade. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, s.d.)

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2.3.2. Constituição de 1891: oligarquias, coronelismo e direitos sociais. Em 1889 é proclamada a República no Brasil.

Nas palavras de Aristides Lobo, um jornalista republicano da época, a Proclamação da República tratara-se de um evento ao qual a maioria da população assistira bestializada atônita, surpresa, sem saber o que significava. (CASTRO, 2000, p. 7)

O evento conhecido como Proclamação da República foi precedido por acontecimentos de ordem interna e externa que preparam o caminho para o fim da Monarquia.

No plano interno, o Brasil sofria uma grave crise econômica causada pelos empréstimos solicitados à Inglaterra, necessários para custear a participação do país na Guerra do Paraguai (1864-1870). Os escravos que foram lutar pelo Brasil na Guerra do Paraguai já não aceitavam a escravidão. Parte da aristocracia detentora de escravos já não apoiava o regime monárquico, uma vez que a escravidão havia sido abolida em 1888 sem a indenização dos proprietários. Além disso, os latifundiários queriam cada vez mais se envolver nas decisões políticas do país, o que seria impossível caso se mantivesse o regime centralizador da Monarquia.

No plano externo, o Brasil sofria a influência dos demais países do continente, que há muito haviam se tornado repúblicas. Muitos sequer haviam passado pela monarquia. Em 1889, o Brasil era o único país independente da América do Sul a manter uma monarquia.

A proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, ocorre na continuidade de um processo de esgarçamento da legitimidade da monarquia brasileira, cujo marco inicial seria o Manifesto Republicano de 1870, que preconizava a "autonomia das províncias" como "princípio cardeal". A abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, os atritos com a Igreja, na década de 1870, e com o Exército, na de 1880, põem fim a um processo lento e difícil, que faz ruir a base social e política da monarquia. (TRINDADE, 2003, p. 175)

Após a Proclamação da República, foi convocada uma Assembleia Constituinte que elaborou uma nova Constituição que passou a vigorar em 1891.

O novo Texto Constitucional promoveu modificações importantes na estrutura jurídica e política do país, que passou a ser uma república federativa, desvinculada da religião oficial adotada durante o período imperial. (ZAMBONE; TEXEIRA, s.d., p. 9).

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adotar o federalismo como forma de Estado. O federalismo descentralizava o poder e atribuía grande autonomia aos Estados e aos Municípios. A descentralização do poder fez com que as oligarquias pudessem exercer sua influência na política local.

O federalismo, implantado em substituição ao centralismo do Império, dá aos estados uma grande soma de poder, que se distribui entre o estado e os municípios. Sobre esse princípio edifica-se a força política dos coronéis no nível municipal e das oligarquias nos níveis estadual e federal. (TRINDADE, 2003, p. 176).

Assim, a Primeira República contou com a descentralização do poder do Estado, mas a centralização do poder local pelas oligarquias que para conservar este poder utilizavam-se do coronelismo.

O coronelismo demarca uma mudança significativa na tradicional dominação do poder privado. Muito embora seja também uma forma de exercício de poder privado, ele não é uma prática. O coronelismo tem as suas especificidades, constitui um sistema político e é um fenômeno temporal. Segundo Carone (1988, p. 66), o "fenômeno do coronelismo tem suas leis próprias e funciona na base da coerção da força e da lei oral, bem como de favores e obrigações.” Esta interdependência é fundamental: o coronel é aquele que protege, socorre, homizia e sustenta materialmente os seus agregados; por sua vez, exige deles a vida, a obediência e a fidelidade. É por isso que coronelismo significa força política e força militar. (TRINDADE, 2003, p. 178)

Em geral, a estrutura da Constituição se repete. Seu texto trata basicamente da organização do Estado e dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). No entanto, há uma seção própria para tratar da “Declaração de Direitos”. Os direitos fundamentais previstos na Constituição de 1824 foram assegurados. Além disso, foram inseridos outros direitos fundamentais, como o direito de ir e vir, a liberdade de reunião e associação. A separação entre Estado e Igreja permitiu a liberdade de culto. O direito à propriedade foi assegurado.

Quanto aos direitos sociais, manteve-se a proteção à educação. Foi mantida também a liberdade para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e, quanto à previdência, foi estabelecida a aposentadoria para os servidores públicos, nos casos de invalidez.

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interna, desta vez incentivada pelo poder público. O ciclo industrial da era Vargas é ligado à criação pelo Estado das chamadas “indústrias de base” (metalurgia, siderúrgica etc.).

O crescimento da procura de bens de capital, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte elevação dos preços de importação desses bens, acarretada depreciação cambial, criaram condições propícias a instalação no país de uma indústria de bens de capital. Esse tipo de indústria encontra, por uma série de razões óbvias, sérias dificuldades para instalar-se numa economia dependente. (...) Ora, as condições que se criaram no Brasil nos anos trinta quebraram este círculo. A procura de bens de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de importação eram as mais precárias possíveis. (FURTADO, 2000, p. 210)

Com o aparecimento das indústrias, surge, também, a organização do movimento operário inspirado no anarco-sindicalismo. O movimento operário era composto, em grande parte, por imigrantes atraídos para o Brasil por incentivos do governo.

Entre 1910 e 1920 eclodiram diversas greves em vários estados do país. A mais conhecida, ocorrida em São Paulo, foi a Greve Geral de 1917. Em 1922 é fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), inspirado no Manifesto do Partido Comunista (1848). Esses fatos contribuem para derrota ideológica da oligarquia da Primeira República.

Os movimentos sociais ganham espaço na Primeira República e o Estado não soube como tratar com as demandas da população organizada. Foi Washington Luís Pereira de Sousa, presidente da República de 1926 a 1930, o responsável por proferir a frase que ficou famosa na história política brasileira: “a questão social é um caso de polícia”.

A partir de 1922 tem início uma série de reações militares ao governo que contribuem para a queda da Primeira República em 1930, a instauração do governo provisório e a ascensão de Getúlio Vargas.

Ao assumir o governo, Getúlio Vargas suspendeu a Constituição anterior, dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais, transferindo as atribuições para o Poder Executivo.

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imediata convocação da Assembleia Constituinte. Em 9 de julho de 1932 eclode a Revolução Constitucionalista, com o objetivo de pressionar o governo para a restituição do Estado Democrático de Direito.

Como resultado do movimento constitucionalista de 1932, foi promulgada a Constituição de 1934 (BRASIL, 1934) nova Carta Constitucional disciplinou de forma mais adequada os direitos fundamentais. Em sua estrutura, dedicou a essa tarefa um título inteiro chamado “Da declaração de Direitos”.

A Constituição do Brasil de 1934 sofreu influência direta do constitucionalismo alemão, em especial da Constituição de Weimar.

(...) em 1934 a inspiração do constitucionalismo alemão weimeriano é decisiva para a formulação precoce da forma de Estado Social que o constituinte brasileiro estabeleceu em bases formais. (BONAVIDES, 2012 p. 230).

. No que diz respeito aos direitos individuais, a Constituição de 1934 manteve os direitos à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, assegurados nas constituições anteriores. Inovou na ampliação mais uma vez do direito à liberdade, assegurando a liberdade de consciência.

Quanto aos direitos sociais, a Constituição de 1934 procedeu de forma inovadora. A influência da Constituição de Weimar pode se perceber diretamente na transcrição destes direitos. Em sua estrutura, os Direitos Sociais vêm elencados nos títulos Da ordem econômica e social e Da família, da educação e da cultura

(...) nos quais previu inúmeros direitos ainda não conferidos aos trabalhadores, como o reconhecimento dos sindicatos e associações profissionais e a proibição de discriminação de salário por motivo de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil; salário mínimo suficiente para suprir as necessidades normais do trabalhador; jornada de trabalho diária de oito horas; proibição do trabalho para menores de 14 anos; de trabalho noturno para menores de 16 anos e de atividade insalubre para menores de 18 anos; descanso semanal; férias anuais remuneradas; indenização, no caso de dispensa sem justa causa, assistência médica para o trabalhador e a gestante, e a criação de um sistema de previdência. Dispunha, ainda, a respeito de regulamentação de todas as profissões, do reconhecimento das convenções coletivas de trabalho e sobre a criação de serviços de amparo à maternidade e à infância. (ZAMBONE; TEIXEIRA, s.d., 2012, p. 61)

2.3.4. Constituição de 1937: fascismo e direitos sociais

Referências

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