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4. CAPÍTULO III: A MOBILIDADE URBANA COMO UM DIREITO SOCIAL: O

4.2. A mobilidade urbana e as cidades

Como vimos, após a década de 1950 do século passado, o Brasil passou por uma intensa urbanização que expandiu a fronteira urbana. A ocupação do solo urbano foi determinada pelo poder aquisitivo dos habitantes das cidades, refletindo a desigualdade social e gerando o que Corrêa (2010) chama de segregação residencial.

No quadro da segregação residencial, a periferia das cidades é o que resta para população pobre. Essa segregação fez com que o local de moradia e o local de trabalho da maioria da população estivessem distantes. Dessa forma, o transporte coletivo urbano torna-se uma necessidade para a realização da vida das pessoas. É através do transporte coletivo que elas conseguem ter acesso ao trabalho, às escolas, às universidades, aos hospitais, aos centros de cultura e de lazer.

No Brasil, mais de 80% da população vive nas cidades. Assim, dos cerca de 175 milhões de habitantes do país, 140 milhões utilizam os sistemas de transporte urbano. Daqui a aproximadamente 30 anos, quando a população brasileira deverá se estabilizar em torno de 230 milhões, a população nas cidades deverá estar próxima de 184 milhões de pessoas – todos os usuários dos sistemas de transporte urbano. (FERRAZ; TORRES, 2004, p. 01)

Assim, atualmente o transporte coletivo urbano cumpre papel fundamental para existência humana nas cidades. Nos primórdios da formação das cidades o transporte não cumpria esse relevante papel, uma vez que o tamanho das cidades tornava possível e satisfatória a locomoção a pé ou em veículos não motorizados. Assim, é urgente rever o status que é atribuído ao transporte coletivo urbano em nosso ordenamento jurídico.

“Em economias em desenvolvimento como o Brasil, as pessoas que moram nas cidades realizam, em média, dois deslocamentos por dia.” (IPEA, 2011, pág. 03) Esses deslocamentos correspondem às viagens casa-trabalho. Portanto, grande parte da população só utiliza o transporte para sair do seu local de moradia para o seu local de trabalho, por isso, a falta de transportes coletivos urbanos tornaria inviável que grande parte da população conseguisse ter acesso ao emprego.

Segundo dados da Pesquisa de Mobilidade da População Urbana (2006) realizada pela Associação Nacional de Transportes Urbano – NTU, o trabalho é o principal motivo apontado pela população para os deslocamentos urbanos nos dias úteis. O trabalho foi apontado por 54% da população enquanto a procura por trabalho foi apontada por 4%. Na população acima de 20 anos esse percentual sobre pra 62% (IPECE, 2013, p. 03).

Além disso, é importante analisar a qualidade da mobilidade urbana a partir do tempo que as pessoas levam para se movimentar pela cidade.

Entre 1992 e 2008, o tempo médio de deslocamento casa – trabalho da população nas dez principais RMs do país subiu aproximadamente 6%, a despeito dos investimentos realizados nos sistemas de transporte. O percentual de pessoas que gastam mais de uma hora no seu deslocamento casa – trabalho também subiu, passando de 15,7% para cerca de 19% do total de pessoas que realizam esse tipo de deslocamento. (IPEA, 2011, p. 08)

Ferraz (2004) elenca como transportes coletivos urbanos o ônibus, as vans, as barcas, os metrôs, os pré-metrôs e os trens20.

20 As vans eram fazem parte do transporte alternativo, pois desenvolvem linhas não geridas pelos empresários e pela prefeitura. Vale notar, no entanto, que em muitas cidades, como Fortaleza, as linhas desenvolvidas pelas vans foram institucionalizadas de forma que atualmente são micro-ônibus que operam nessas linhas.

“Antigamente, a transposição de rios, lagos e braços de mar era feita a um custo muito baixo com balsas e barcos” (FERRAZ; TORRES, 2004, p. 17). No Brasil, atualmente, o transporte coletivo por meio de barcas tem sua importância quase restrita à região norte do Brasil.

“A denominação metrô é empregada para designar trens urbanos que se movimentam por vias específicas totalmente isoladas e com operação automatizada, possibilitando o desenvolvimento de maiores velocidades e proporcionando maior capacidade de transporte. Os metrôs são movidos a energia elétrica e os nível de automação geralmente é grande.” (FERRAZ; TORRES, 2004, p. 52). “Um modo de transporte público situado entre o bonde e o metro vem sendo bastante utilizados na

No entanto, o ônibus é o meio de transporte coletivo urbano mais utilizado em nosso país. “Os sistemas de ônibus urbanos e metropolitanos são a modalidade de transporte público predominante no Brasil, operando em cerca de 85% dos municípios.” (IPEA, 2011, p. 12)

(...) em nível mundial são mais de três milhões de ônibus que transportam anualmente 6,5 trilhões de passageiros por quilômetro (BM, 2002); no Brasil, uma frota de 95 mil ônibus atende 59 milhões de passageiros por dia, e é responsável por 92% da demanda por transporte coletivo (NTU apud NASCIMENTO, 2007).

Existem vários problemas apontados pelos usuários de transporte coletivo urbano. Imaginemos uma viagem de ônibus na cidade de Fortaleza. O primeiro obstáculo é o tempo de espera nas paradas de ônibus, que geralmente não contam com cobertura e, por isso, não protegem do sol. O grande tempo de espera está diretamente ligado ao número de ônibus que realizam a linha. Quanto menos ônibus, mais tempo esperando.

Ao entrar no ônibus, o número de pessoas dentro dele depende da combinação entre o horário e a direção em que se viaja.

Observe-se, ainda, que a jornada de trabalho em diversos setores da economia é geralmente coincidente: inicia-se e encerra-se em horário semelhante (DAL ROSSO, 1996). O sistema de transporte tem, assim, seus horários de pico condicionados pelas jornadas de trabalho, quando o transporte coletivo urbano e a malha viária urbana como um todo recebem o grosso de seu público - eis a origem da bem conhecida metamorfose da pessoa em sardinha nos ônibus, trens e metrôs. (NASCIMENTO, 2007). Em Fortaleza, assim como na maioria das cidades do país, a metamorfose da pessoa em sardinha é aperfeiçoada pelo calor. Há alguns poucos anos, no entanto, ônibus com ar-condicionado já circulam nas cidades do país.

Outro grande problema nos transportes coletivos urbanos é o assédio sexual que as mulheres sofrem.

A realidade dos assédios nos transportes coletivos urbanos é tão frequente que o governo de algumas cidades optou por criar vagões exclusivos para as mulheres. No Brasil, sabemos da existência desses vagões nos metros do Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal. Algumas mulheres

atualidade. Veículos modernos, normalmente operando em comboios de duas, três ou quatro unidades engatadas e utilizando vias segregadas (embora em alguns trechos o movimento possa se realizado junto com o tráfego normal), com operação automatizada e bilhetagem fora dos veículos (feito em estações como nos sistemas metroviários), têm sido empregados para atender a relativamente grandes demandas nas cidades maiores.” (FERRAZ; TORRES, 2004, p. 55).

“O modo de transporte urbano de passageiros denominado trem refere-se ao transporte utilizado para viagens relativamente longas, grandes distâncias entre estações e velocidade alta. Os carros e as locomotivas são normalmente, os mesmos do transporte ferroviário interurbano.” (FERRAZ; TORRES, 2004, p. 57).

presentes na conversa relataram que se sentiram realmente mais seguras usando estes vagões, mas que em alguns lugares o uso exclusivo de mulheres não era respeitado e havia pouca fiscalização nesse sentido. Problematizamos a questão, pois se por um lado o Estado está reconhecendo a necessidade de políticas de mobilidade voltadas às mulheres, por outro a opção que se faz com tal medida é a de responsabilizar as passageiras por sua segurança. Ou seja: segrega-se as possíveis vítimas e não os violentadores. (MPL, 2013)

Além disso, há outros problemas em relação à mobilidade das mulheres. Segundo a pesquisa Transporte urbano e inclusão social: elementos para políticas públicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Além de terem menos oportunidades de trabalho e menores rendimentos, se comparadas aos homens, as mulheres chefes de família possuem padrões de mobilidade diferentes. Por conciliar o trabalho com outras atividades, como tomar conta das crianças (levar e buscar para escola ou creche), as mulheres fazem mais viagens, porém mais curtas, e em horários e itinerários distintos. A pesquisa mostra, como ilustração, as diferenças entre os motivos de viagens levando em conta o gênero do chefe da família, a partir dos dados da Pesquisa O/D de São Paulo de 1997.As mulheres utilizam com mais intensidade o modo coletivo e andam mais a pé. Muitas mulheres que têm como ocupação principal o trabalho doméstico têm de fazer mais de duas viagens por dia e, por isso, veem limitadas suas oportunidades de trabalho, pois têm de pagar mais de duas tarifas. (IPEA, 2003)

A pesquisa conclui que o sistema de transporte coletivo urbano não atende às

necessidades das mulheres, pois não leva em leva em consideração os padrões de mobilidade desse gênero.

A falta de integração no transporte de passageiros é outro problema nas cidades brasileiras.

Quando o transbordo de passageiros (transferência de um veículo para outro) é realizado em local apropriado, exigindo pequenas distâncias de caminhada por parte dos usuários, diz-se que há integração física dos modos de transporte. A integração física pode ser intermodal, quando a transferência de passageiros ocorre entre veículos de modos diferentes, ou intramodal quando do mesmo modo. (FERRAZ; TORRES, 2004, p. 125).

No transporte coletivo urbano, além da integração física, pode-se ter ou não a integração tarifária, que significa que os usuários não precisarão pagar novamente para fazer transbordo entre veículos de linhas ou modais distintos.

O principal objetivo da integração tarifária é promover justiça social no sistema de transporte público, eliminando as discriminações geográficas, pois qualquer que seja o local onde o usuário mora, ele pode ir ao local de trabalho, estudo, lazer, etc., pagando uma única passagem. (...) A integração tarifária também atua no sentido de democratizar o espaço urbano, pois com a possibilidade de deslocamento entre quaisquer pontos da cidade com o pagamento do valor correspondente ao valor d uma única passagem aumentam as oportunidades de trabalho, estudo, compras, lazer, etc. (FERRAZ; TORRES, 2004, p. 127).

Fortaleza, por exemplo, possui integração física e tarifária apenas intramodal – nos ônibus. As estações de metrô diferem fisicamente das estações de ônibus (terminal), e a tarifa paga em um modo não é aproveitada para o outro.

Acerca dos problemas referentes à tarifa, tratarei separadamente no item 3.5 deste capítulo.

A gestão do transporte coletivo urbano é um dos maiores problemas, uma vez que é a partir dela que surgem os outros. A que bairros as linhas vão atender, o trajeto das linhas, a quantidade de ônibus executando aquela linha, o lugar das estações, os horários de saída e chegada dos transportes coletivos, o valor da tarifa e tantas outras decisões são tomadas por um núcleo gestor composto, em quase todas as cidades brasileiras, por empresários e funcionários do Estado, em detrimento dos usuários, que

entendem muito mais dos problemas cotidianos de transporte que qualquer técnico municipal, embora não lhes seja garantida hoje, dentro da atual configuração política e institucional, a menor possibilidade de agir para resolver o problema da mobilidade urbana e do transporte coletivo. (NASCIMENTO, 2007)

Os diversos problemas da mobilidade urbana e dos transportes coletivos geraram, desde o início da história das cidades, revoltas dos usuários. É o que procurarei abordar no próximo tópico.

4.3. As lutas dos usuários por mobilidade urbana