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3. CAPÍTULO II – O DIREITO À CIDADE

3.1. Os processos de urbanização e o direito à cidade

3.1.1. O fenômeno da urbanização no mundo

3.1.1.2. A história das cidades

Para compreender o fenômeno da urbanização, é imprescindível entender como se formam as cidades. Para isso, é importante observar a história das cidades. “Os fenômenos sociais são densos de história e só são compreensíveis à luz da história.” (SOUZA, 2003, p. 41).

As primeiras cidades formaram-se no período pré-histórico conhecido como período neolítico. Durante a “Revolução Neolítica”, o descobrimento da agricultura contribuiu para a criação de animais e o aparecimento de assentamentos sedentários. Esses assentamentos dariam lugar às cidades antigas.

A cidade, em contraposição ao campo que é de onde vinham os alimentos foi se constituindo, paulatinamente, como um local onde se concentravam os grupos e classes cuja existência, enquanto pessoas não-diretamente vinculadas às atividades agropastoris, era tornada possível graças à possibilidade de se produzirem mais alimentos do que o que seria necessário para alimentar os produtores diretos. (SOUZA, 2003, p. 44).

Portanto, a criação de um excedente alimentar, graças a descobertas de práticas agrícolas, permitiu que pudessem se desenvolver outras atividades na cidade, distintas das produzidas no campo. Dessas atividades, o comércio e administração da própria cidade foram as que mais despontaram.

A regra foi a de que o surgimento das primeiras cidades se desse entrelaçado com o aparecimento de formas centralizadas e hierárquicas de exercício do poder. (...) Em geral, contudo, acabou se desenvolvendo, em muitos locais simultaneamente, um aparelho de Estado, vale dizer, uma estrutura de poder e de dominação formalizada, determinando, no seio da sociedade, uma separação rígida e auto-perpetuável entre dirigentes e dirigidos, entre “elite” e “povo”. (SOUZA, 2003, p. 45).

O exercício centralizado e hierárquico do poder teve algumas exceções, dentre elas destaca-se a cidade de Atenas, por ser conhecida a sua história antiga. Em Atenas, utilizou-se a democracia direta como forma de gestão da cidade. Dessa

forma, todos aqueles que eram considerados cidadão tinham poder de influência no momento de tomar as decisões de gestão19.

Com a invasão da Grécia pelo Estado Romano, logo Roma

que começa como uma pequena cidade sem importância, na fronteira entre o território etrusco e o colonizado pelos gregos; desenvolve-se até transformar-se na urbe, a cidade por excelência, capital do império. (BENEVOLO, 2007, p. 133).

Roma permaneceu a cidade-centro do mundo por muitos anos. Nela florescia o comércio e aconteciam as decisões político-administrativas de forma centralizada e autoritária. Sua estrutura viária era pensada para receber um enorme suporte de pessoas. Seu crescimento demandava também um crescimento tecnológico e, sobretudo, na área da comunicação. “Roma é uma ‘cidade aberta’, que cresce e ocupa uma superfície cada vez maior, sem ter necessidade de se defender com um cinturão de muros.” (BENEVOLO, 2007, p. 143).

A partir do séc. III d.C. Roma perde o caráter de capital única do Império. O Estado Romano funda diversas novas cidades, a partir de colonizações militares ou civis.

As cidades fundadas ex novo pelos romanos na Itália e na parte ocidental do império são numerosíssimas, e continuarão a funcionar como bases fortificadas ou centros de ajuntamento da população, mesmo depois da queda do império. Assim, quase todas as cidades importantes italianas e algumas das mais importantes da Europa – Paris, Londres, Viena, Colônia etc. – surgem no lugar de uma cidade romana e conservam, no núcleo mais interno, a marca da grade dos decumani e dos cardi. (BENEVOLO, 2007, p. 198).

Uma dessas novas cidades fundada pelos romanos era Bizâncio, para a qual foi transferida a capital do Império no século IV e que passou a se chamar Constantinopla. Os turcos conquistaram-na em 1435 e a adotaram como sua capital, nomeando-a de Istambul, que segue sendo uma das cidades mais importantes do mundo oriental.

Com a queda do império romano, a civilização do mediterrâneo é interrompida pela expansão islâmica.

19 No entanto, é importante informar que mulheres, estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos na cidade de Atenas e, portanto, não poderiam participar das decisões de gestão da cidade.

Neste período, as cidades árabes são as maiores e as mais ricas do mundo. Bagdá – fundada em 762, segundo um ambicioso plano urbanístico circular, com mais de dois quilômetros e meio de diâmetro, destruída pelos mongóis em 1258 e reconstruída no mesmo lugar sem reproduzir a originária regularidade – teve mais de um milhão de habitantes e foi, por longo tempo, o maior centro do comércio e da cultura mundial. As capitais dos Estados periféricos, fundados no Ocidente e no Oriente, são pouco menos grandiosas e aparelhadas. Córdoba na Espanha e Palermo na Sicília contam com várias centenas de milhares de habitantes, espalhados em áreas vastíssimas entre jardins e pomares. (BENEVOLO, 2007, p. 235).

Uma parte da Europa que resistiu à conquista dos árabes permaneceu isolada. A vida nas cidades diminuiu e em alguns casos se interrompeu. As guerras civis produzem a ruína das cidades e a dispersão dos habitantes pelo campo. Com as cruzadas, os árabes são expulsos da região do Mediterrâneo. Tem-se início o período conhecido como Idade Média.

Nesta sociedade rural que forma a base da organização política feudal, as cidades tem um lugar marginal: não funcionam mais como centro administrativo, e em mínima parte como centros de produção e de troca. Mas as estruturas físicas das cidades romanas ainda estão de pé. (BENEVOLO, 2007, p. 253).

Com o renascimento econômico da Europa, renasce também o espaço urbano. As cidades desabitadas voltam a se desenvolver. Uma parte da população que já não encontra trabalho no campo refugia-se nas cidades, fazendo crescer a massa de trabalhadores a serviço de artesãos e mercadores.

A cidade é fortificada com muros altos para proteger seus habitantes do perigo ainda iminente. No entanto, as classes mercantis e artesã crescem e os espaços delimitados pelos burgos já não são suficientes. A burguesia, como posteriormente será chamada, pretende fugir do sistema feudal com o fim de garantir as condições para sua atividade econômica. Assim, formam-se as novas cidades, com o alargamento dos muros em foram de círculos concêntricos.

Em muitos casos a nova cidade cresce sobre o traçado da antiga, mas com um caráter social e uma organização de construção diversos. (...) É preciso notar o caráter espontâneo, despreocupado e infinitamente variável da construção e do urbanismo; este caráter depende da escassez dos meios, da raridade dos técnicos especialistas, da falta de cultura artística organizada, da urgência das necessidades de defesa e de sobrevivência, mas também de um novo espírito de liberdade e de confiança. (BENEVOLO, 2007, p. 255)

No século XV ocorre o que conhecemos na história como Renascimento. A cultura artística da renascença influencia o espaço urbano uma vez que é transformado o modo de pensar as construções urbanas e a própria cidade. Neste

período cria-se um novo método de trabalho na arquitetura que deixa suas marcas em muitas cidades até os dias atuais. Já no século XVII é a vez da cultura barroca deixar seus traços no espaço urbano. O barroco, que torna a arte um estudo mais subjetivo e sentimental se expressa nas pinturas dos edifícios urbanos.

Também no século entre os séculos XV e XVII tem início a colonização europeia no mundo. O espaço urbano das colônias demora a se formar, mas logo as culturas renascentistas e barrocas se transpõem para outros continentes, influenciando a arquitetura do novo mundo.

No século XVIII, a Revolução Industrial produz uma transformação radical na sociedade europeia. Cresce o número de habitantes nas cidades que são redistribuídos em seu território. Com isso, cresce também o número de bens e serviços oferecidos.

O crescimento rapidíssimo das cidades na época industrial produz a transformação do núcleo anterior (que se torna o centro do novo organismo), e a formação, ao redor deste núcleo, de uma nova faixa construída: a periferia. (...) A periferia não é um trecho de cidade já formado como as ampliações medievais ou barrocas, mas um território livre onde se somam um grande número de iniciativas independente: bairros de luxo, bairro pobres, indústrias, depósitos, instalações técnica. Num determinado momento estas iniciativas se fundem num tecido compacto, que não foi, porém, previsto e calculado por ninguém. (BENEVOLO, 2007, p. 565).

O crescimento desordenado das cidades e, aliado a isso, a situação da classe operária (sobretudo na Inglaterra) fez surgir bairros no centro e na periferia superlotados, casebres desprovidos de estruturas confiáveis, muitas vezes construídos à beira de um rio. A filosofia liberal que tomou conta dessa época tornava o Estado negligente com os problemas sociais que se formavam. Assim, a cidade que se formara era um ambiente confuso, com iniciativas particulares exercidas de forma não coordenadas, muitas vezes advindas da necessidade de moradia.

A falta de saneamento básico torna as cidades locais propícios para a disseminação de doenças. “Por volta de 1830 o cólera se espalha pela Europa, vindo da Ásia, e nas grandes cidades se desenvolvem pelo menos os defeitos higiênicos.” (BENEVOLO, 2007, p. 576).

As revoltas ocasionadas pelos problemas sociais advindos da Revolução Industrial colocam o problema da existência digna na pauta das grandes discussões.

Cientistas e acadêmicos socialistas começam a pensar em novas formas de gerir a sociedade, que teria início com a mudança nas relações de produção.

A burguesia que chegara ao poder após a Primavera dos Povos (1848) procura estabelecer uma ordem urbanística em que a administração pública gere um espaço mínimo necessário para fazer funcionar o conjunto da cidade, mas nunca restringindo a liberdade de reprodução do capital. Em geral, esse foi o quadro da gestão das cidades até o século XX.

3.1.1.3. Agentes sociais de (trans)formação das cidades.