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4. CAPÍTULO III: A MOBILIDADE URBANA COMO UM DIREITO SOCIAL: O

4.5. O tratamento jurídico da mobilidade urbana

4.5.2. A concepção infraconstitucional

4.5.2.1. Estatuto da Cidade: o pluralismo jurídico.

No plano infraconstitucional, existem dois diplomas legais que regulamentam a mobilidade urbana: o Estatuto da cidade, lei 10.257 de 10 de julho de 2001, e a Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei 12. 587, de 03 de janeiro de 2012.

O Estatuto da Cidade surgiu para regulamentar o capítulo Da Política Urbana (artigos 182 e 183) da Constituição Federal de 1988, promulgada em um momento de fortalecimento das forças sociais que lutavam pela redemocratização do país.

Semeado por debates e embates, o ideário da reforma urbana ganhou corpo conceitual e maior consistência política no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 1986, cujo regimento não apenas previa a realização de audiências públicas como também admitia a apresentação de propostas de iniciativa popular. Por essa via, a das chamadas “emendas populares”, o tema da política urbana incorporou-se ao processo constituinte com maior expressão social, o que ensejou seu reconhecimento político. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, p. 72).

As emendas populares eram emendas de iniciativa dos cidadãos, desde que trouxessem, no mínimo, a assinatura de trinta mil eleitores e fossem patrocinadas por, pelo menos, três associações representativas. A Emenda da Reforma Urbana reunia esses requisitos e, por isso, foi discutida e, com algumas modificações, aprovada pela Constituinte.

O capítulo que trata do Direito urbanístico na Constituição foi consequência da participação do Fórum Nacional da Reforma Urbana nas discussões da Constituinte de 1987.

O Fórum Nacional da Reforma Urbana foi uma articulação advinda do Movimento Nacional da Reforma Urbana, que pretendia unificar as iniciativas de movimentos sociais, associações de profissionais, entidades sindicais e estudantis,

centros de pesquisas, organizações não governamentais, integrantes da igreja católica e parlamentares.

Crescentes, as demandas sociais pelo suprimento dessas carências resultaram na organização popular de grupos de pressão, que passaram a exigir iniciativas do poder público. Muito ativas na década de 1970, essas organizações, então conhecidas como movimentos sociais urbanos, aliadas a entidades representativas de certas categorias profissionais, como arquitetos, engenheiros, geógrafos e assistentes sociais, constituíram, nos anos 1980, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) com o objetivo de lutar pela democratização do acesso a condições condignas de vida nas cidades brasileiras. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, p. 72).

Portanto, pode-se afirmar que o Estatuto da Cidade é fruto da pressão política dos movimentos sociais para regulamentação da política urbana disposta na Constituição de 1988. O Estatuto da Cidade surge como uma intervenção dos movimentos sociais na atividade legislativa do Estado, ensaiando um pluralismo jurídico, que “tem o mérito de revelar a rica produção legal informal engendrada pelas condições materiais, lutas sociais e contradições entre as classes” (WOLKMER, 2006, pág. 34).

O pluralismo jurídico acontece quando os movimentos sociais passam a ser protagonista da atividade legislativa, não a deixando resguardada apenas ao Estado (Monismo Jurídico). Assim, a norma surge a partir das demandas dos movimentos sociais.

O Estatuto da Cidade trata do direito ao transporte no art. 2º, I, tomando-o como um direito necessário para o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”. No inciso V do mesmo artigo é garantido que o transporte será ofertado de maneira adequada aos interesses e necessidades da população e às características locais.

Portanto, no Estatuto da Cidade, norma que rege o direito urbanístico em nosso país, o transporte não tem caráter apenas de serviço público essencial, como na Constituição Federal. A norma infraconstitucional trata o transporte como direito.

Além disso, o Estatuto da Cidade ordena que as cidades com mais de quinhentos mil habitantes devem elaborar “um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.” (art. 41, 2º).

A Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei 12. 587, de 03 de janeiro de 2012, surgiu para regulamentar o art. 21, XX, da CRFB, que trata da competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive transportes urbanos.

O objetivo da política nacional de mobilidade urbana é garantir o direito à cidade, instituído na Constituição Federal (arts. 182 e 183). Dessa forma, o ordenamento jurídico reconhece a importância da mobilidade urbana para o acesso universal à cidade.

A Lei 12.587 cria o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, definido como o “conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município.” (BRASIL, 2012).

A Lei 12.587 ficou conhecida como o Estatuto da Mobilidade Urbana, pois é o instrumento jurídico mais completo sobre o assunto. Nele, a mobilidade urbana é definida como “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano” (BRASIL, 2012)

Um dos princípios da mobilidade urbana, constante no atr. 5º da Lei 12.587, é a equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo. Já os objetivos da mobilidade urbana são reduzir as desigualdades, e promover a inclusão social e promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais.

Assim, a Lei confere à mobilidade urbana princípios e objetivos que não podem ser conseguidos se o transporte for encarado apenas como serviço público essencial. Como vimos, o serviço de transporte coletivo pode ser delegado pelo Estado para ser executado por concessionárias e permissionárias. Na realidade, a maioria dos municípios delega esses serviços, cabendo-lhe apenas a fiscalização.

Concessionárias e permissionárias são pessoas físicas ou jurídicas constituídas como empresas e que visam apenas o lucro. Portanto, para essas empresas delegatárias o serviço de transporte coletivo é visto como um negócio e a mobilidade urbana como mercadoria.

Enquanto a mobilidade urbana for vista como mercadoria e não como direito, os objetivos de equidade, redução das desigualdades, inclusão social e acesso universal nãos serão alcançados.

O Estatuto da mobilidade urbana atribui ao Município o planejamento, a execução e a avaliação da política de mobilidade urbana. Para isso,

art. 24, § 1º. Nos Municípios com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes e em todos os demais obrigados, na forma da lei, à elaboração do plano diretor, deverá ser elaborado o Plano de Mobilidade Urbana, integrado e compatível com os respectivos planos diretores ou neles inserido. (BRASIL, 2012).

O Plano de Mobilidade Urbana do qual trata a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana deverá ser integrado ao plano diretor municipal e deverá ser apresentado até três anos depois da publicação da Lei, portanto até o ano de 2015.