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4.3 O GRAU DE MATURIDADE

4.3.2 A confidencialidade na atividade de saúde e o menor

A confidencialidade pode ser definida como “uma garantia que deriva dos direitos à intimidade e à privacidade, sendo este último reconhecido em diversos instrumentos internacionais”. Nestes instrumentos, se verificou que o núcleo desta garantia consiste na impossibilidade de revelar os dados que são proporcionados pelas pacientes ao profissional de saúde quando solicitam serviços médicos520.

No atendimento à saúde do menor, quando se tem como parâmetro a doutrina do “menor maduro”, a confidencialidade não difere, em tese, dos cuidados que se estabeleceram e são hoje praticados em relação ao adulto, para não revelar os dados de origem pessoal relativos à sua saúde, originados durante os atendimentos médicos.

Para Manuel Amarilla Gundín521, “o ‘menor maduro’ tem os mesmos direitos que o adulto na garantia da proteção de dados de caráter pessoal relativos à sua saúde”. O entendimento que dispensa ao assunto baseia-se nos direitos fundamentais, inseridos nos documentos internacionais, a exemplo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que reconhece, através do artigo oito, que “toda pessoa tem direito à proteção de seus dados de caráter pessoal” 522.

520

NOTA: Texto original: “[...] se definió la confidencialidad como una garantia derivada de los derechos a la intimidad y la privacidad, estos últimos reconocidos en diversos instrumentos internacionales. Allí se verificó que el núcleo de esta garantia consiste en la imposibilidad de revelar los datos que son proporcionados por los y lãs pacientes al personal de salud cuando solicitan servicios médicos (VÉLEZ, Ana Cristina Gonzáles (Cord.). Causal salud:interrupción legal del embarazo, ética y derechos humanos. Espanha: Cotidiano Mujer, 2008, p.65 e 206.)

Tradução livre: “[...] se definiu a confidencialidade como uma garantia derivada dos direitos à intimidade e a privacidade. Nestes instrumentos, se verificou que o núcleo desta garantia consiste na impossibilidade de revelar os dados que são proporcionados pelas pacientes ao profissional de saúde quando solicitam serviços médicos.”

521

NOTA: Texto original: “El ‘menor maduro’ tiene los mismos derechos que el adulto a la garantía de la protección de datos de carácter personal relativos a su salud. (GUNDÍN, Manuel Amarilla. El “menor maduro” ante la salud reproductiva y la anticoncepción de emergência. Edición revisada. Barcelona: Chiesi, 2006, p.29).

Tradução livre: “O ‘menor maduro’ tem os mesmos direitos que o adulto na garantia da proteção de dados de caráter pessoal relativos à sua saúde”.

522

NOTA: Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: Artigo 8°: Protecção de dados pessoais:

1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito. 2. Esses dados devem ser objecto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as

A adolescência, estágio no qual se pode considerar, pela idade, o menor como maturidade necessária para se enquadrar como maduro o suficiente para decidir sobre sua saúde, é considerada “uma etapa da vida do ser humano fundamental para a construção do sujeito, resultante da infância e determinante da vida adulta, onde o futuro é agora e o presente para sempre”523.

Destarte, os cuidados dispensados no atendimento dos menores requerem cuidados específicos diante das características relacionadas à sua idade, quando “atender adolescentes significa acolhê-los, respeitando-os dentro dos mais rigorosos princípios éticos”524.

Neste sentido, Manuel Amarilla Gundín525 assevera, quanto à confidencialidade dos dados clínicos do “menor maduro”, que este, ao requerer assistência de saúde, tem seus dados pessoais de saúde como parte de sua história clínica. Esta compreende o conjunto de documentos relativos aos processos assistenciais do menor assistido, contendo a identificação dos médicos e dos demais profissionais que tenham intervindo, e objetiva a obtenção da máxima integração possível da documentação clínica de cada menor, no âmbito da cada centro de atendimento.

Entretanto, com referência aos dados de um menor no âmbito da saúde é possível construir diversos questionamentos. Pode-se mostrar relevante saber, por exemplo, em que medida e em quais condições devem ser observados o pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva rectificação. 3. O cumprimento destas regras fica sujeito à fiscalização por parte de uma autoridade independente. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2010.

523

SANT’ANNA, Maria José Carvalho. Ética no atendimento do adolescente. In: SÃO PAULO (cidade), Secretaria da Saúde. Manual de atenção à saúde do adolescente. CODEPPS. São Paulo: SMS, 2006, p.91.

524

Ibid., p.91. 525

NOTA: Texto original: “Cuando un “menor maduro” requiere asistencia sanitaria, sus datos personales de salud se incluyen en la historia clínica, La cual comprende el conjunto de documentos relativos a los procesos asistenciales de cada paciente, con la identificación de los médicos y de los demás profesionales que han intervenido en ellos, con objeto de obtener la máxima integración posible de la documentación clínica de cada paciente, al menos, en el ámbito de cada centro [...]”. (GUNDÍN, op. cit., p.29 e 30).

Tradução livre: “Quando o ‘menor maduro’ requer assistência de saúde, seus dados pessoais de saúde se incluem na história clínica, a qual compreende o conjunto de documentos relativos aos processos assistenciais de cada paciente, com a identificação dos médicos e dos demais profissionais que tenham eles intervindo, com o objetivo de obter a máxima integração possível da documentação clínica da cada paciente, ao menos, no âmbito da cada centro [...]”, p. 29 e 30.

direito à confidencialidade e dever de segredo dos dados de tratamento médico do menor, o direito à qualidade dos dados relativos à saúde, direito à informação reservada dos dados, direito a prestar o consentimento, direito de acesso, retificação, cancelamento, oposição e indenização, o direito à adequada segurança na proteção de dados relativos à sua saúde, direito de denúncia, entre outros.526

Para o exercício de alguns desses direitos, restaria necessário o ponto de vista legal, a devida autorização ao menor para fazê -lo sem necessidade de representante. Na situação elencada pelo referido autor, existe base legal527 no seu país (Espanha) que possibilita ao menor, enquadrado na condição de “menor maduro”, a possibilidade do exercício desses direitos de forma direta, por se presumir que é capaz para tanto. Em outras nações, a exemplo do Brasil, não há legislação específica, embora possam se extrair práticas e orientações médicas, ou mesmo dar interpretações a algumas leis, nas quais, em certas situações fáticas, pode-se observar a preservação desses direitos.

O Código de Ética Médica atual528, desde que o menor tenha

526

NOTA: Texto original: “¿Qué derechos tiene el “menor maduro” sobre sus datos personales referidos a su salud?

Derecho a la confidencialidad y deber de secreto en el tratamiento de este tipo de datos. Derecho a la calidad de los datos relativos a la salud.

Derecho a la información en la recogida de los datos. Derecho a prestar el consentimiento.

Derecho de acceso, rectificación, cancelación, oposición e indemnización. Derecho a la adecuada seguridad en La protección de datos relativos a la salud.

Derecho de denuncia ante la agencia española de protección de datos por incumplimiento de obligaciones”.

(GUNDÍN, op. cit., p. 30).

Tradução livre: “Que direitos tem o menor maduro sobre os seus dados pessoais relativos à sua saúde?

Direito à confidencialidade e dever de segredo no tratamento e dos dados desse tratamento. Direito à qualidade dos dados relativos à sua saúde.

Direito à informação reservada dos dados. Direito a prestar o consentimento.

Direito de acesso, retificação, cancelamento, oposição e indenização. Direito à adequada segurança na proteção de dados relativos à sua saúde.

Direito de denuncia à agência espanhola de protecção de dados por não cumprimento de obrigações”.

527

Refere-se à LEY 41/2002, de 14 de noviembre, básica reguladora de la autonomía del paciente y de derechos y obligaciones en materia de información y documentación clínica.

528

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. RESOLUÇÃO CFM Nº 1931/2009 (Publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90. Retificação publicada no D.O.U. de 13 de outubro de 2009, Seção I, p.173): Capítulo IX – Sigilo Profissional. “É vedado ao médico [...]. Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao

capacidade de discernimento, veda ao médico revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade. Esta determinação inclui o sigilo em relação a seus pais ou representantes legais. A exceção que faz o código diz respeito unicamente ao caso em que a não revelação das informações de saúde possa acarretar dano ao paciente.

De forma mais abrangente, através da interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)529, é possível vislumbrar o exercício da confidencialidade na atividade de saúde do menor considerado maduro, ao dispor sobre a prioridade do atendimento médico do adolescente e o direito à autonomia e sua absoluta proteção à vida e à saúde, de forma a possibilitar seu desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de existência, direito à inviolabilidade da autonomia (Art. 4°, b; Art. 7°; Art.17°), não fazendo qualquer restrição ao acesso do adolescente a esses serviços ou direitos, que requeiram, por exemplo, a anuência de pais ou responsáveis. De outra forma, garante que toda criança ou adolescente seja ouvido e sua opinião (Art. 16°, II), devendo esta ser considerada no momento em que se decidirem sobre fatos que envolvam sua vida íntima530.

Por este ponto de vista, se pode extrair que os direitos do menor à saúde não estão sujeitos à autorização dos pais ou de outro responsável legal e, compreendendo a assistência médica o sigilo dos dados conforme o código de ética, é também de se concluir que este se estende às informações que devem ser negadas aos pais. Em exemplo prático, por essa interpretação, o Manual de Saúde do Adolescente da cidade de São Paulo reconhece, nos casos associados à saúde sexual, que “deve-se entender que os direitos dos adolescentes à assistência à saúde sexual e reprodutiva consistem em direitos individuais garantidos pelo ECA, e podem ser exercidos independentemente da autorização da família ou responsável531”.

Para as situações de quebra desse sigilo, o referido manual recorre às paciente”.

529

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm.> Acesso em: 30 jul. 2010.

530

SANT’ANNA, op. cit., p. 93. 531

orientações dos Departamentos de Bioética e de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo, recomendando que “em todas as situações em que se caracterizar a necessidade da quebra do sigilo médico, o adolescente deve ser informado, justificando-se os motivos para esta atitude532”.

Nas recomendações desses departamentos, são identificadas características da doutrina do “menor maduro”, quando se trata da confidencialidade. Assim, ao recomendar aos pediatras que, uma vez identificado como capaz de avaliar o seu problema e de conduzir-se pelos seus próprios meios para solucioná-lo, o adolescente o “tem o direito de ser atendido sem a presença dos pais ou responsáveis no ambiente da consulta, garantindo-se a confidencialidade e o acesso aos recursos diagnósticos e terapêuticos necessários”, aquelas orientações incentivam a prática da referida doutrina, uma vez que só informará aos pais ou responsáveis “determinados conteúdos das consultas, como, por exemplo, nas questões relacionadas à sexualidade e prescrição de métodos contraceptivos, com o expresso consentimento do adolescente”.533

Do exposto, a confidencialidade no atendimento à saúde do “menor maduro” requer seja semelhante à confidencialidade praticada com os adultos. As exceções, independentemente de existência de lei, devem ser devidamente analisadas, preservando-se a saúde do menor.

O grau de maturidade identificado pelos profissionais de saúde, no respeito à doutrina do “menor maduro”, contendo certo grau de subjetividade e de empirismo, é que serve de base para a decisão de assistir ao menor em uma condição de sigilo médico, preservando a sua intimidade, como adulto fosse. Tal situação pode gerar desconfortos e conflitos axiológicos na sociedade, por, de certa maneira, interferir nas relações familiares, no caso mais específico, nas relações entre pais e filhos.

532

SÃO PAULO (cidade), Secretaria da Saúde. Manual de atenção à saúde do adolescente. CODEPPS. São Paulo: SMS, 2006, p. 92.

533