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A CONGRUÊNCIA DA DECISÃO E OS PEDIDOS IMPLÍCITOS

3 O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA DA DECISÃO JUDICIAL: A

3.3. A CONGRUÊNCIA DA DECISÃO E OS PEDIDOS IMPLÍCITOS

Da análise antecedente, resta claro, portanto, que para uma sentença se mostre absolutamente congruente com os limites da demanda fixados pelas partes, e, deste modo, respeite rigorosamente o monopólio do poder concedido às partes, pelo princípio dispositivo, de delimitação do objeto litigioso do processo, ela tem que respeitar ambos os limites analisados acima, o negativo e o positivo. Ou seja, a decisão proferida ao final do processo, não se pode limitar apenas a não extrapolar os limites da demanda, mas também, dar resposta a tudo quanto pedido pelas partes.

Ora, perante a possibilidade de individualização e identificação de pedidos implícitos na petição inicial, conforme delineados supra252, precisamos agora analisar que problemas podem surgir para a congruência da decisão judicial em decorrência destes pedidos. Para este fim, como forma de autonomizar o problema, partiremos da premissa de que relativamente aos demais pedidos formulados (pedidos expressos) a decisão se encontra absolutamente congruente, o que faz com que se exclua, desde logo, a possibilidade de decisões extra petita, pois relativamente aos demais pedidos se pressupõe o seu exaurimento, pelo que em face dos pedidos implícitos apenas poderemos cogitar de decisões que vão além ou ficam aquém dos limites da demanda.

Destarte, em primeiro lugar, temos que responder à seguinte questão: a decisão que julga o pedido implícito pode ser qualificada como decisão ultra petita?

Quando o juiz decide na sentença proferida ao final do processo um pedido implícito, surge de imediato a alegação da parte contrária de que esta sentença está eivada do vício de julgamento ultra petita, pois não existe pedido deduzido pelo autor correspondente ao julgamento proferido, pelo que o órgão jurisdicional sobre ele não se poderia ter manifestado. Alega-se, assim, violação ao

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limite negativo do princípio da congruência, acusando-se o juiz de extrapolar os limites da demanda fixados pelas partes.

Acontece que, como já concluímos anteriormente, a individualização e identificação de pedidos implícitos na demanda resulta da interpretação lógico- sistemática de todo o conteúdo da petição inicial que guarde um mínimo de correspondência com o texto respectivo, permitindo assim que os mesmos possam ser facilmente inferidos pelo destinatário do ato a partir do conteúdo explicitado na declaração. Deste modo, se da interpretação lógico-sistemática de todo o conteúdo do ato postulatório inicial resulta claramente a formulação implícita de um determinado pedido, não se pode afirmar que o mesmo não foi efetivamente deduzido pelo autor, na medida “em que uma questão, que deva considerar-se implícita, não pode qualificar-se como não suscitada.”253

Assim sendo, quando o juiz julga um pedido implícito, ele não está mais do que simplesmente cumprindo rigorosamente o dever que lhe é imposto pelo limite positivo do princípio da congruência, julgando tudo, e apenas tudo, o que foi pleiteado pelo demandante, pois ainda que implicitamente, este pedido foi efetivamente deduzido.

Neste particular, não há de se cogitar, ainda, como já amplamente demonstrado supra em 2.3.5., em cerceamento indevido ao exercício pleno do contraditório por parte do réu, pois em face da possibilidade de estes pedidos serem facilmente inferidos pelo destinatário do ato a partir do conteúdo explicitado na declaração, não pode o réu alegar que não os previu, recaindo sobre ele, em face dos princípios da eventualidade ou contração de defesa e da lealdade e boa-fé processual, o ônus de impugná-los no momento de oferecer contestação. E é, inclusive, o que acontece em alguns casos, em que o réu se defende do pedido implícito precisamente por ter conseguido identificá-lo, contudo, em face da sentença que o julga, e apenas se esta se mostrar desfavorável, em verdadeiro

venire contra factum proprium, interpõe recurso com fundamento no vício da

sentença ultra petita.

Como se vê, a decisão que julga pedido implícito não pode ser qualificada como decisão ultra petita, pois ela se limita a julgar, corretamente, pedido

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SILVA, Paula Costa e. Acto e Processo: o dogma da irrelevância da vontade na interpretação e

efetivamente formulado pelo demandante, ainda que o tenha sido feito implicitamente. Neste sentido, a decisão assim proferida, não só não viola o limite negativo do princípio da congruência, como, na verdade, cumpre rigorosamente o dever imposto ao juiz pelo limite positivo deste mesmo princípio.

Em face desta conclusão, já se deixa antever qual será a nossa resposta à segunda questão que nos temos que colocar: a decisão que não julga o pedido implícito pode ser qualificada como citra petita?

Ora, se na resposta à pergunta anterior concluímos que a decisão que julga o pedido implícito não pode ser qualificada como ultra petita, logicamente, a resposta a esta questão não pode ser outra que não seja a de que a sentença que não aprecia o pedido implícito formulado pelo autor, constitui verdadeira decisão

citra petita, pois o juiz, ao assim decidir, não julga tudo o quanto pleiteado pela parte.

Admitir a possibilidade de se poder individualizar e identificar pedidos implícitos a partir do resultado da interpretação lógico-sistemática de todo o conteúdo da petição inicial, como fizemos no capítulo anterior deste trabalho, implica necessariamente que se afirme que os pedidos assim identificados compõem o objeto litigioso do processo. Logo, se estes pedidos compõem o objeto litigioso do processo, ao final do iter procedimental, eles têm que ser apreciados e julgados pelo órgão jurisdicional na sentença, sob pena de não o fazendo, a decisão se mostrar incongruente em face deste objeto litigioso que foi delimitado pelas partes, violando assim o limite positivo do princípio da congruência.

Em conclusão, nos casos em que é possível identificar um pedido implícito na demanda proposta, para que a sentença proferida ao final do processo seja congruente com o objeto litigioso do processo, faz-se imperioso que este pedido implícito seja apreciado e julgado pelo órgão jurisdicional, pois, na medida em que foi possível proceder à sua individualização e identificação, ele passou a constituir um limite da demanda, ao qual, portanto, o juiz fica adstrito, negativa e positivamente. Saber se este pedido implícito pode ou não ser apreciado e decidido mediante uma decisão implícita é já outra questão, a qual passaremos a enfrentar no próximo capítulo do presente trabalho.

4 JULGAMENTOS IMPLÍCITOS: O ESBOÇO DE UMA TEORIA PARA A SUA