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3 O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA DA DECISÃO JUDICIAL: A

3.1. O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A SUA RELAÇÃO COM O PRINCÍPIO

3.2.2. Decisão citra petita

Além dos vícios apontados acima, referentes ao limite negativo do princípio da congruência, a sentença proferida ao final do processo pode ainda apresentar-se incongruente em face do limite positivo deste princípio, que impõe ao juiz o dever de examinar e decidir tudo o quanto suscitado pelas partes na demanda, sob pena de assim não o fazendo prestar tutela jurisdicional incompleta, o que

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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., p. 313.

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Ibidem, p. 316. 244

significaria verdadeira denegação de justiça, em flagrante violação ao direito fundamental contido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal245.

Na verdade, se o Estado proíbe a justiça privada e chama a si o monopólio da função jurisdicional, ao exercício do direito de ação visando obter do Estado a declaração que reintegre o direito supostamente violado, deve corresponder o dever do Estado de prestar esta declaração, o que só se consegue mediante a prestação de uma tutela jurisdicional completa246. E para que esta tutela jurisdicional seja completa, em função do princípio dispositivo, deve o juiz responder a tudo o quanto foi requerido e alegado pelas partes, sob pena de se assim não o fizer proferir sentença citra petita.

Assim sendo, estamos perante uma decisão citra petita quando o juiz julgar menos do que tenha sido pleiteado, deixando de analisar pedido formulado ou fato alegado pela parte247.

Neste particular, faz-se necessário fazer um esclarecimento que se reveste de grande importância para a resposta a dar ao tema central da presente investigação. Em rigor, como bem pontuam FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL OLIVEIRA, nos casos em que deixa de ser apreciado um pedido formulado pelo demandante, não se pode falar em vício ou defeito da decisão, pois, na verdade, não existe decisão248. Do que se trata, portanto, é de integração da decisão: “nesses casos, a decisão precisa ser integrada e não invalidada; não se

pode invalidar o que não existe.”249

Ora, se do que se trata nas decisões citra petita é, na verdade, de uma não-decisão, e, portanto, da inexistência do próprio ato decisório, ainda que apenas parcialmente, a resposta ao problema dos julgamentos implícitos, intimamente ligado

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Neste sentido, DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, v. III, p. 279.

246

ROCCO, Alfredo. La Sentenza Civile. Milano: Giuffrè, 1962, p. 98-99; VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel; NORA, Sampaio. Manual de Processo Civil. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 2-4.

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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil:

teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 5ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2010, v. 2, p. 318; FREITAS, Marcello Cinelli de

Paula. Nulidades da Sentença Cível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 82; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 305.

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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., p. 319-320.

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com o problema das decisões citra petita, passará necessariamente por perceber se, nesses casos, a decisão carece de fato de ser integrada ou, pelo contrário, o sentido da decisão pode ser reconstruído e fixado a partir da interpretação da sentença, fazendo-se possível extrair dessa interpretação a resposta do órgão jurisdicional ao pedido formulado. Se o sentido da decisão puder ser reconstruído através da interpretação da sentença e dele se conseguir extrair a resposta ao pedido deduzido, estaremos perante uma decisão implícita, e não perante uma não- decisão. Adiante, no Capítulo 4, voltaremos a esta questão.

Destarte, enquanto nos vícios resultantes da não observação pelo juiz do limite negativo do princípio da congruência o que se visa é invalidar a decisão, requerendo a decretação da sua nulidade, nos casos de decisões citra petita o que se procura, em rigor, é integrar a decisão, por forma a sanar-se a omissão indevida que se verifica no julgado. A compreensão exata desta diferença é fundamental para que se percebam as consequências que podem resultar do trânsito em julgado das diferentes decisões: as decisões ultra e extra petita fazem coisa julgada material, podendo ser objeto de posterior ação rescisória (art. 485 do CPC), visando, precisamente, a sua desconstituição mediante a decretação da nulidade da sentença decorrente destes vícios; já as decisões citra petita, em razão de serem uma não-decisão, sobre elas não recaí o manto da coisa julgada, não obstando, portanto, à reiteração em outra demanda de pedido já formulado em ação anteriormente proposta, porém, na qual não chegou a ser apreciado250. Por isso mesmo, em face destas últimas, não pode ser utilizada a ação rescisória, pois não é possível desconstituir o que não existe251.

Como se vê, em função do princípio da congruência, para que uma decisão seja totalmente congruente, não basta ao juiz não extrapolar os limites da demanda fixados pelas partes, ele tem também que exaurir estes limites, ou seja, ele tem que analisar e decidir todos os pedidos formulados pelas partes, inclusive, aqueles que tenham sido formulados apenas implicitamente, pois em face da

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“Caso, por hipótese, falte conclusão sobre todos os itens do pedido, nenhuma sentença a rigor haverá, nem, por conseguinte, existirá o que possa revestir-se da auctoritas rei iudicatae; caso falte conclusão sobre algum item, não haverá sentença nessa parte, nem, pois, quanto a ela, res iudicata.” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Item do Pedido Sobre o Qual Não Houve Decisão. Possibilidade de Reiteração Noutro Processo. In: Temas de Direito Processual: 2ª série. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 247.)

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possibilidade da sua individualização e identificação, os mesmos têm que se considerar deduzidos.