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3 O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA DA DECISÃO JUDICIAL: A

3.1. O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A SUA RELAÇÃO COM O PRINCÍPIO

3.2.1. Decisões ultra e extra petita

Nas decisões em que existe violação ao limite negativo imposto pelo princípio da congruência ao exercício da função jurisdicional, o que se verifica é um extrapolar dos limites da demanda fixados pelas partes, concedendo-se ao demandante, conforme os casos, mais do que ele pediu ou algo distinto do que ele pediu. Nas palavras de DINAMARCO, a que fizemos alusão acima, é o “ir além ou

fora”235 dos limites previamente fixados pelas partes.

Neste particular, duas situações distintas podem ocorrer: a) o juiz decide o pedido formulado ou examina os fatos essenciais postos pelas partes, mas, ao

234

OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Op. cit., p. 17.

235

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, v. III, p. 278.

decidir, vai além deles, julgando ainda pedido não formulado ou analisando fatos essenciais não deduzidos pelas partes; ou b) ao decidir, o juiz não analisa o pedido formulado pelo autor ou os fatos essenciais postos pelas partes e, no lugar destes, decide sobre pedido diverso do deduzido ou examina fatos essenciais não alegados pelas partes, decidindo, portanto, fora dos limites da demanda.

Quando se verifica a primeira situação, estamos perante as decisões ultra

petita, onde o juiz, ao sentenciar, vai mais além do que foi requerido pelo autor,

concedendo-lhe mais do que ele pediu ou analisando além dos fatos essenciais deduzidos pelas partes outros fatos essenciais não deduzidos por estas236. Ou seja, na sua apreciação, o juiz exaure os limites objetivos da demanda, mas vai além deles.

Por sua vez, na segunda situação, estamos perante as decisões extra

petita, nas quais o juiz concede ao demandante bem da vida distinto do pedido pelo

autor ou funda a sua decisão em fato não alegado pelas partes, sem, contudo, ter apreciado o pedido deduzido pelo demandante ou os fatos efetivamente deduzidos pelas partes237. Neste tipo de decisões, o juiz não só não exaure os limites da demanda, abstendo-se de analisar o pedido formulado ou os fatos essenciais deduzidos, como, no lugar destes, decide pedido diverso do formulado ou analisa fato essencial não deduzido nos autos.

Sintetizando a diferença entre estes dois tipos de decisões, esclarece VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA:

Ambas as hipóteses contêm vícios de incongruência. Todavia, na sentença

ultra petita o juiz decide o pedido, mas vai além: defere o pedido e aproveita

para julgar o que não foi pedido. Na extra petita o juiz abstém-se de decidir quanto ao pedido e, no lugar deste, decide acerca de coisa diversa, não pretendida.238

236

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil:

teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 5ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2010, v. 2, p. 312; OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da Sentença e o Princípio da Congruência. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 258.

237

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., p. 315-316; OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Op. cit., p. 261-262.

238

Como se vê, estes dois vícios da sentença em face do objeto litigioso do processo, embora muitas vezes sejam objeto de confusão, tanto na doutrina como na jurisprudência, mostram-se muito diferentes.

No primeiro, existe uma parcial congruência com o objeto litigioso do processo, pois o juiz decidiu o pedido e analisou os fatos essenciais deduzidos pelas partes, contudo, foi além deles. Já na segunda hipótese, a incongruência da decisão é total, pois não só o juiz não apreciou o pedido ou os fatos essenciais deduzidos pelas partes, como em vez disso, no seu lugar, decide pedido de natureza diversa do pleiteado ou analisa fato essencial não deduzido nos autos.

Na verdade, como facilmente se concluirá, na decisão extra petita não existe apenas uma violação ao limite negativo imposto pelo princípio da congruência ao magistrado, nela se verifica também uma violação ao limite positivo, na medida em que nela “não se analisa algo que foi pleiteado pela parte ou invocado como fundamento de fato.”239 Neste sentido, como sustentam FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL OLIVEIRA, “a decisão extra petita é também, e por essência, citra petita.”240 A sua inclusão, aqui, dentro dos vícios da sentença que resultam da violação ao limite negativo, justifica-se, contudo, porque é este vício que melhor a caracteriza, pois é o julgar fora dos limites da demanda que a define, e não tanto a omissão em relação ao quanto deduzido pelas partes. Por outro lado, para a sua exata compreensão, faz-se também necessário proceder à sua análise conjuntamente com o vício ultra petita, por forma a que se perceba claramente a diferença existente entre estes dois vícios da sentença.

Destarte, a nulidade da sentença decorrente destes dois vícios apresenta assim extensões diferentes. Como aponta MARCELLO CINELLI DE PAULA FREITAS, “diferentemente do que ocorre com a sentença extra petita, na ultra petita a nulidade é parcial, não sendo imperioso que a declaração de nulidade vá além do excesso verificado.”241 Diríamos mais, não pode mesmo ir. É que, para que possa ser decretada a nulidade, deve ser sempre demonstrado o efetivo prejuízo, e, nos casos da sentença ultra petita, só a parte da sentença que vai além do pedido pelo

239

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., p. 313.

240

Ibidem, p. 312-313.

241

FREITAS, Marcello Cinelli de Paula. Nulidades da Sentença Cível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 81.

demandante provoca prejuízo à parte contrária, pois no restante, a sentença se mostra totalmente congruente com o objeto litigioso do processo. Desta forma, “a invalidação deve cingir-se à parte em que supera os limites do pedido.”242

O mesmo já não se verifica, contudo, na sentença extra petita, em que se impõe, em princípio, “a invalidação de toda a decisão, tendo em vista que, em regra, não há o que possa ser aproveitado.”243 É que, nestes casos, verificam-se dois vícios, já referimos acima: não só o juiz decidiu coisa diversa da requerida, como também se omitiu de apreciar o quanto efetivamente requerido, ou seja, decidiu totalmente fora dos limites da demanda.

Outrossim, no tocante à sentença ultra petita, como sustenta VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA, faz-se ainda necessário ressaltar que, relativamente à falta de congruência da decisão com os fatos ou fundamentos da demanda, não se faz necessário decretar a nulidade da sentença se, ainda que apreciado fato essencial não alegado pelas partes, os fatos essenciais por elas deduzidos e exauridos na cognição judicial, forem suficientes para, sozinhos, resultar na decisão que se tomou, esta necessariamente adstrita à pretensão.”244

Caracterizados os vícios da sentença relativos ao limite negativo imposto ao exercício da função jurisdicional em decorrência do princípio da congruência da decisão judicial, e analisadas as consequências daí decorrentes, em infra 3.3. veremos qual é a sua relação com os pedidos implícitos.