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2 O PRINCIPIO DISPOSITIVO E OS LIMITES DA DEMANDA

2.2. OBJETO LITIGIOSO DO PROCESSO E ATO POSTULATÓRIO INICIAL

2.2.3. Estabilização objetiva do processo

Estabelece o caput do art. 264 do CPC que, “feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.” Por outro lado, prescreve o art. 294 do CPC que, “antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa.”

Como se vê, estas normas apresentam entre si um descompasso injustificado117, pois se por um lado é permitido ao autor proceder à modificação dos elementos objetivos da demanda após a citação, ainda que dependente do consentimento do réu, por outro lado só lhe é permitido proceder à ampliação do pedido até à citação.

Contudo, uma correta interpretação sistemática do Código de Processo Civil não deixa dúvidas quanto à possibilidade de se harmonizar estes dois dispositivos, pois se o ordenamento jurídico-processual admite a modificação do pedido e da causa de pedir após a citação, ainda que apenas com o consentimento do réu, seria um verdadeiro absurdo não se admitir também a ampliação do pedido nas mesmas condições118.

Do exposto, podemos então concluir que no sistema jurídico-processual brasileiro o autor pode proceder livremente à alteração dos elementos objetivos da demanda (pedido e a causa de pedir) até à citação. Após a citação, as alterações destes elementos passam a depender do consentimento do réu.

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DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil e

processo de conhecimento. 14ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2012, v.1, p. 464. 118

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: processo de

O Código de Processo Civil português, sob a epígrafe “princípio da estabilidade da instância”, consagra regra similar no seu art. 268º, onde se prescreve: “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.”

A citação marca assim, com a triangularização da relação jurídica processual, a estabilização do processo, ficando o mesmo, em princípio, definido nos seus elementos subjetivos e objetivos. A estabilização do processo visa prosseguir o interesse público de que a demanda proposta seja resolvida com a maior celeridade possível e também objetiva evitar que o processo se transforme num ir e vir permanente, pois a alteração dos seus elementos objetivos implica necessariamente um passo atrás no iter processual, haja vista a necessidade de ser exercido o contraditório sobre estes novos elementos, o que frustraria a efetividade do processo119.

Este interesse público de prestar a tutela jurisdicional com celeridade não pode levar, contudo, à frustração da própria finalidade última do processo, que consiste em por termo efetivo ao litígio e, deste modo, obter a paz social. Existe, assim, a necessidade de coordenar a celeridade processual com uma mitigação do rigor formal, conferindo ao processo uma maior flexibilidade com vista à resolução efetiva da controvérsia, pois de nada serve a prolação de uma decisão rápida que, no entanto, não põe termo efetivo ao litígio. Precisamente por isso, tem-se assistido ao longo das últimas décadas a diversas alterações nos diversos sistemas jurídico- processuais no que toca a esta matéria, consagrando-se exceções à regra da estabilização do processo após a realização da citação, emprestando-se assim maior agilidade ao processo120.

É o que se verifica, por exemplo, na legislação processual portuguesa, onde o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados por acordo das partes em qualquer altura, na 1ª ou na 2ª instância, desde que esta alteração não provoque a perturbação inconveniente da instrução, discussão e julgamento do feito,

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OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Poderes do Juiz e Visão Cooperativa do Processo. In:

Genesis: Revista de Direito Processual Civil. Curitiba: Ano VIII, nº 27, jan/mar 2003, p. 36. 120

nos termos do art. 272.º, do CPCp121; e, acima de tudo, onde se permite ainda a alteração destes elementos objetivos mesmo na falta de acordo entre as partes, nos casos elencados no art. 273.º, do CPCp122.

No entanto, não é isto que se verifica no direito processual brasileiro, que ainda se mostra bastante rígido nesta matéria, preservando ainda um excessivo rigor formal123.

Neste sentido, como já vimos acima, realizada a citação, o autor só pode modificar o pedido ou a causa de pedir com o consentimento do réu (art. 264, caput, do CPC), ficando assim na dependência da anuência deste para poder proceder a qualquer alteração dos elementos objetivos da demanda. Mas, além disso, dispõe o parágrafo único do mesmo dispositivo legal, que “a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo.” Assim, após o saneamento do processo, ocorre em definitivo a estabilização objetiva da demanda e, deste modo, do objeto litigioso que a compõe.

Neste último dispositivo reside, portanto, a maior parcela do excessivo rigor formal do sistema jurídico-processual brasileiro, pois como afirma FREDIE DIDIER, “não há, em tese, qualquer prejuízo a uma alteração objetiva do processo com a concordância das partes, até mesmo após o saneamento.”124

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Artigo 272.º (Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo): Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

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Artigo 273.º (Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo): 1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. 2 - O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. 3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência de discussão e julgamento, ficará a constar da acta respectiva. 4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 829.º- A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos da segunda parte do nº 2. 5 - Nas acções de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa. 6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

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DIDIER JR., Fredie. Op. cit., p. 465; OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Op. cit., p. 37.

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Do que antecede, resta claro que, no sistema do Código de Processo Civil vigente, após o saneamento do processo não podem ser produzidas pelo autor quaisquer alterações ao pedido ou à causa de pedir, ocorrendo a partir deste momento processual a estabilização definitiva dos elementos objetivos da demanda. Com a estabilização objetiva do processo assim operada, fica definitivamente delimitado o objeto litigioso do processo veiculado inicialmente através da petição inicial, o qual constitui o thema decidendum sobre o qual deve recair a apreciação e o pronunciamento judicial.