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A conservação dos recursos genéticos animais – diferentes estratégias

II. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

II.7. A conservação dos recursos genéticos animais – diferentes estratégias

A conservação dos recursos genéticos animais, e em particular os que reportam à espécie suína, torna-se de especial relevância dado garantir a preservação da biodiversidade e de inúmeros produtos tradicionais e específicos, para além de fixar as populações e de garantir a sustentabilidade da agricultura.

Desde a Convenção sobre a Biodiversidade (CBD) em 1992, no Rio de Janeiro, que o aspecto da conservação e preservação dos recursos genéticos animais (RGAn) e vegetais, para além do melhoramento das raças autóctones e manutenção da biodiversidade, se tornou um ponto fulcral nas políticas nacionais e comunitárias dos diferentes países (Martinez, 2001; Gandini e Villa, 2003; Berg et al., 2003). Neste encontro foi acordado que os diferentes países são responsáveis pela conservação da sua biodiversidade, assegurando a sua utilização sustentável, para além de ficar garantida a partilha equitativa dos potenciais benefícios (Berg et al., 2003; www.biodiv.org).

A FAO define a biodiversidade animal como a variabilidade genética dos diferentes tipos de RGAn, ao nível das populações e dos genes que se devem conservar, tanto dos seus alelos como de todas as variantes possíveis (Martinez, 2001).

As circunstâncias produtivas e de mercado dos nossos dias alteraram-se e novos desafios apareceram na produção porcina, tais como a protecção ambiental, segurança alimentar e bem-estar animal, o que alterou os gostos e procura por parte dos consumidores, encorajando a utilização de métodos de produção que permitem manter as raças locais (Delgado, 2004).

Dados todos estes aspectos, é comummente reconhecida e aceite a importância da manutenção da diversidade de raças, de forma a conservar determinados genes

relacionados com a qualidade, capacidade de adaptação e parâmetros reprodutivos (Delgado, 2004). Regra geral, admite-se que 50% da variação genética total dentro de uma espécie deve-se a diferenças entre raças (Cardellino, 2003; Martinez, 2001; Hammond, 1994), pelo que a utilização de somente algumas raças mais produtivas irá reduzir drasticamente essa biodiversidade. Assim, torna-se vital a conservação dos recursos genéticos animais (Ramos et al., 2003; FAO, 2001).

Segundo a FAO, para se planificarem estratégias de conservação, é necessário registar, definir e avaliar o estado dos recursos genéticos. Será portanto necessária uma descrição e caracterização desses recursos em diferentes vertentes que são: 1) elaboração de inventários sobre os RGAn; 2) maior conhecimento genético e económico das qualidades das raças a avaliar e 3) descrição molecular comparativa mediante marcadores moleculares, para conhecer a diversidade genética das diferentes raças, e deste modo se aplicarem as melhores acções de conservação possíveis (Martinez, 2001).

Os principais aspectos a considerar na manutenção de raças são o seu grau/risco de extinção, a especificidade genética de determinada raça, para além da apresentação de caracteres de importância económica e científica. Devem ainda ser considerados os aspectos históricos e culturais das diferentes populações (Ciobanu et al., 2001; Gandini e Villa, 2003).

Para a conservação dos RGAn são importantes os estudos dos marcadores genéticos que demonstrem ser polimórficos, sendo o seu nível de variação fundamental quando se estudam as relações genéticas dentro de, e entre raças (Bretting e Widrlechner, 1995 citados por Martinez, 2001; Laval et al., 2000).

II.7.1. Estratégias de conservação da variabilidade genética

Pretende-se, com os diferentes programas de conservação dos RGAn, que se possam cobrir futuros requisitos de mercado e assegurar alternativas a futuras alterações na produção pecuária, para além da valorização sócio-económica, valor cultural, histórico e ecológico das diferentes raças (Martinez, 2001; Gandini e Villa, 2003). Outro aspecto importante é que permitirá um estudo aprofundado das raças de cada país, para além de grandes oportunidades de investigação científica (Martinez, 2001).

As distintas técnicas escolhidas num programa de conservação dependem dos seus objectivos específicos, das características dos mercados e da necessidade de manutenção da variabilidade (Sereno, 2002), para além dos factores já mencionados.

Segundo Ruane (1999b), muitas das raças actuais têm uma origem recente e a sua história genética está frequentemente descrita na literatura, podendo esta informação histórica ser útil para a identificação de raças divergentes dentro da mesma espécie. Quando a documentação dessa história genética não existe ou é muito limitada, a evolução e estrutura genética da população podem ser estimadas utilizando estudos de distância genética baseados em loci neutrais face à selecção, como é o caso das aloenzimas e dos microssatélites. A conservação de raças geneticamente distintas é um bom processo para considerar se uma dada espécie apresenta suficiente variabilidade genética para se adaptar e responder à selecção em futuras gerações (Ruane, 1999b).

Como diferentes estratégias de preservação dos recursos genéticos animais temos as metodologias de conservação in situ e ex situ.

No âmbito da caracterização e da conservação in situ, é justo realçar a relevante função das diferentes associações de criadores e organismos estatais, com o auxílio no conhecimento do historial de determinada raça, seu estudo e análise de diversos parâmetros e as diferentes metodologias empregues nas estratégias de conservação (Sponenberg e Christman, 1995).

As associações de criadores das diferentes raças porcinas têm aqui um papel fundamental na gestão e funcionamento dos diferentes Registos Zootécnicos (RZ) e Livros Genealógicos (LG), devendo efectuar um controlo demográfico, evitando aumentos de consanguinidade, minimizando assim a perda de variabilidade das populações submetidas a processos selectivos. Para tal é importante prestar atenção ao número de animais fundadores, aos esquemas de emparelhamento e ao número efectivo das populações, já que se este for elevado representa uma garantia para a conservação da variabilidade genética (Gama, 2002; Martinez, 2001; FAO, 2000).

II.7.1.1. Conservação in situ

De entre as diferentes estratégias de conservação dos RGAn, a principal e melhor opção para raças ameaçadas ou em perigo de extinção será a conservação in situ. Como o nome sugere refere-se à manutenção dos animais a preservar no seu local de origem, levando a cabo planos de conservação com as diferentes raças, mantendo-as e desenvolvendo-as nos seus próprios sistemas produtivos.

A estratégia global para utilização de uma metodologia in situ de conservação enfatiza um uso ponderado dos recursos genéticos autóctones, pelo estabelecimento e implementação de objectivos produtivos e estratégias para a sustentabilidade dos sistemas produtivos (Hammond e Leitch, 1998)

Esta metodologia de conservação deve ponderar os efeitos nefastos dos aumentos da consanguinidade e da deriva genética, se as populações forem muito reduzidas e produzidas em sistemas fechados.

Em contrapartida somente pela manutenção das raças a preservar em criação, com utilidade e nos seus locais de origem, se pode dar mais força cultural, histórica e sócio- económica à sua produção continuada e sustentada (Gandini e Villa, 2003; Martinez, 2001; Hammond e Leitch, 1998).

Em suma, a conservação dos RGAn deve ser, prioritariamente, efectuada in situ, pela manutenção das populações de animais para produção de alimentos e na agricultura, procedendo-se a registos de produção, ao desenvolvimento de programas de melhoramento e de rentabilização económica, para além da caracterização das diversas populações. Tradicionalmente, a preservação das raças de animais domésticos tem sido feita pela manutenção de núcleos de animais em raça pura, com os registos de parentesco (Hall e Bradley, 1995 citados por Ginja, 2002), e somente assim se poderá garantir que as populações animais continuam a evoluir de forma adaptada aos seus ambientes produtivos (Shand, 1997 citado por Ginja, 2002).

II.7.1.2. Conservação ex situ

Outra estratégia importante de conservação dos RGAn será a manutenção de determinadas populações fora do seu local de origem, podendo essa preservação ser efectuada por intermédio de recursos genéticos vivos ou através de criopreservação de sémen, embriões, oócitos, tecidos, etc (Hammond e Leitch, 1998).

Na conservação ex situ de material vivo poderá existir algum interesse cultural, histórico ou ecológico para a preservação de determinada raça fora do seu local de origem, por exemplo em jardins zoológicos, parques ecológicos, quintas pedagógicas, etc., sendo a sua manutenção muito menos dispendiosa comparativamente à criopreservação. Para além disso, pode ser mais e melhor divulgada, sendo dada a conhecer a um público-alvo mais amplo e diferenciado, com vantagens de divulgação e conhecimento geral. Apresenta ainda a vantagem de existirem diferentes núcleos de

diversidade intra-racial, redução da deriva genética e da taxa de consanguinidade e com menores riscos sanitários.

A metodologia mais recente de preservação dos RGAn refere-se à criopreservação que se iniciou com sémen e embriões mas que agora se estende a oócitos, DNA, células somáticas, etc. É cada vez mais frequente que, dentro das estratégias de conservação da biodiversidade, se incluam técnicas de biologia molecular para a formação de bancos de germoplasma animal.

Este processo deve complementar os anteriormente enumerados, visto que não acresce qualquer valor sócio-económico, cultural, histórico ou ecológico às populações animais, mas a sua principal razão de ser é diminuir os riscos inerentes à conservação in situ (Martinez, 2001; Cardellino, 2003; Ginja, 2002; Hammond e Leitch, 1998).