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A Consideração do tema “livre concorrência” nos Debates

5.1 A GÊNESE DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

5.1.3 A Comissão da Ordem Econômica (Etapa 3)

5.1.3.2 A Consideração do tema “livre concorrência” nos Debates

Durante os debates da Comissão da Ordem Econômica, o tema da livre concorrência voltou à tona. A primeira manifestação sobre a livre concorrência aconteceu na 4ª reunião ordinária (dia 27/05/1987) quando o Deputado Luiz Salomão (PT/RJ) criticou a retirada das disposições relativas ao trabalho do artigo que tratava dos princípios. Dizia que era fundamental a manutenção, pois os outros princípios, como a livre concorrência, não davam atenção especial para o valor do trabalho em sua concepção. Neste caso, a fala do constituinte indica que a livre concorrência não seria um princípio que guardaria o valor do trabalho em sua concepção.

Mais adiante, na mesma manifestação, o deputado Constituinte do PT critica a proposta de que o Estado somente pudesse atuar na economia em regime de exceção para corrigir as falhas de mercado nas quais a livre iniciativa e concorrência não fossem capazes de resolver. Ele entendia que a disposição era muito vaga e que enfraqueceria demais o Estado. Ao deixar primordialmente as atividades econômicas nas mãos da iniciativa privada, ele compreendia que isso significaria uma “atitude hegemônica da classe empresarial” e que não resistiria à “realidade de desenvolvimento econômico e social do país”.

Na sequência dos debates, se estabelece uma posição muito contundente dos constituintes Fernando Santana (PCB-PA) e Irma Passoni (PT-SP) contra a possibilidade de empresas estrangeiras estabelecerem-se no Brasil. Num aparte da Constituinte Myria Portella (PDS-PI), a mesma concorda com os manifestantes e diz que o interesse nacional não se encontra listado entre os princípios dispostos no Anteprojeto «manifestação que tem o aceite da Constituinte Irma». Nesse sentido, a deputada Myria Portella aponta que princípios como a livre concorrência não cumpririam a função de proteger a empresa nacional.

Na mesma reunião (4ª) importante manifestação sobre a livre concorrência proveio do Constituinte Osvaldo Lima Filho (PMDB/PE). Em sua fala174 o Deputado fez duras críticas

sobre a forma como o capitalismo desenvolveu-se no Brasil, afirmando que as grandes empresas sempre se socorreram do Estado, chegando a afirmar que “É difícil neste país se mergulhar na origem de uma fortuna e não encontrar lá um favor do Estado – é raro”. Ele critica a ausência de livre concorrência e cita que, por orientação de Agamenon Magalhães175

(quando da sua época de estudante de direito), foi lhe recomendada a leitura dos trabalhos da economista britânica Joan Violet Robinson176, a qual, segundo sua manifestação, apontava

que o mundo moderno era ausente de livre concorrência, pois havia desaparecido diante da força dos oligopólios, dos carteis e dos monopólios.

Ao longo de sua fala, o constituinte Osvaldo Lima Filho aponta para casos oligopólios brasileiros, como o de cimento, e mais uma vez critica duramente o favorecimento que certos empresários recebem do Estado. Sua crítica seria de que o “capitalismo no Brasil privatiza os lucros e socializa os prejuízos”.

Interessante debate foi travado entre os constituintes Roberto Campos (PDS/MT) e Fernando Santana (PCB/BA) acerca da competitividade. Na 7ª reunião ordinária (ocorrida dia 1º de junho de 1987) o senador Roberto Campos aponta que o Brasil precisaria ganhar competitividade. Para tanto, precisaria ganhar eficiência produtiva, o que, segundo ele, somente aconteceria se houvesse a desconcentração do poder das grandes empresas estatais brasileiras. Citou que países como a França, Inglaterra e Espanha já estavam promovendo a desestatização das empresas públicas. Afirmava que a liberdade política deveria seguir a liberdade econômica, que nos últimos anos do período militar, o Brasil experimentava a maior intervenção do Estado na economia de sua história.

Dizia que o debate sobre a “nacionalidade da empresa” desinteressava e o que realmente importava era que a produção fosse realizada no Brasil por meio de joint ventures para o fim de que adquiríssemos as mais novas tecnologias do mundo (citava, inclusive, que países comunistas como União Soviética, China e Vietnã estavam utilizando-se do mecanismo). Afirmava ainda que num regime competitivo o

174 BRASIL. Senado. Op.cit. p. 38.

175 Tipo pela doutrina nacional como o “fundador” do antitruste no Brasil (FORGIONI, Paula A. Op.cit. 1998, p.

109).

176 Para saber mais sobre a obra e a vida de Joan Violet Robinson: https://en.wikipedia.org/wiki/Joan_Robinson,

foco deveria ser o mercado mundial, e por isso criticou fortemente o dispositivo provindo da Subcomissão Ciência e Tecnologia que dizia que o mercado interno integrava o patrimônio nacional determinando que o Brasil deveria ter autonomia tecnológica.

Dizia o Senador que autonomia tecnológica era utópica e que somente conseguiríamos nos desenvolver se tecnologicamente estabelecêssemos intercâmbio com os países já desenvolvidos. Justamente por isso o mercado brasileiro deveria ser integrado ao mercado internacional para ter maior campo de atuação; portanto, o foco no mercado interno seria um erro, mercado esse que chamou de “miserável”, afirmação que não caiu bem.

Na reunião seguinte (8ª reunião ordinária – acontecida dia 02 de junho de 1987), o Deputado Constituinte Fernando Santana (PCB/BA) apontou que o mercado interno nacional era pequeno em virtude da forte concentração que historicamente teve, tanto na agricultura quanto na indústria. Lamentou que o Brasil nunca teve um capitalismo de verdade e que, embora tivesse a 8ª economia do mundo, a concentração de renda e poder colocava-nos na 60ª posição do ponto de vista social. Afirmou que se o mercado interno continuasse pequeno e o se o país continuasse voltado exclusivamente às exportações não teríamos desenvolvimento.

O senador Roberto Campos replicou o deputado Fernando Santana. Na sua manifestação disse que o deputado do partido comunista estava “desatualizado” historicamente. Citou que no mundo do final da década de 1980 três eram grandes transformações que estavam acontecendo: (i) movimento de desregulamentação e desestatização da economia; (ii) incapacidade dos Estados atenderem com eficiência a era do consumo de massa que demanda uma administração de alta tecnologia; e concomitante a isso (iii) o advento da tecnologia que exigia: (a) liberdade individual de criação, (b) intercambio tecnológico intenso, (c) integração do patrimônio tecnológico, (d) expansão dos mercados nacionais para obtenção de economia da escala. Para tanto, dizia que o Brasil deveria se relacionar com EUA, Japão e Europa (os mais evoluídos tecnologicamente) para fins de adquirir tecnologia, e então acessar o grande mercado mundial. E que era necessário perder o medo das multinacionais, pois até mesmo o Brasil já tinha as suas (citou que tínhamos 211 multinacionais próprias).

O deputado Fernando Santana ofereceu tréplica e disse que, nos países desenvolvidos, seus mercados internos tinham força, pois não havia neles a

contratação de terras como havia no Brasil. Disse que essa descontração de terras gerou uma sociedade agrícola com poder aquisitivo e de demanda para o mercado interno. Além do que havia nos países desenvolvidos o expediente de proteção das indústrias nacionais. Na pura e simples abertura dos mercados às empresas estrangeiras, o deputado constituinte ainda citava o problema do caso do petróleo que, quando deixado à exploração das multinacionais no Governo Geisel, não tiveram sucesso na exploração dos recursos petrolíferos no Brasil.

Embora o debate travado pelo Senador Roberto Campos e pelo Deputado Fernando Santana fosse decorrência de uma afirmação da competitividade, a tônica dada ao longo das demais reuniões versou muito esses temas: a reserva de mercado (proteção das empresas nacionais frente às grandes empresas internacionais) e sobre a questão do monopólio do petróleo no Brasil detido pela Petrobrás.

Mas, mesmo assim, o que se extrai disso são valores que compõem o princípio da livre concorrência, tais como: equidade, proteção dos menos desenvolvidos, controle do poder econômico, direito de acesso aos mercados, direito de acesso à tecnologia, necessidade de compartilhamento da tecnologia.