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AS FUNÇÕES DA LIVRE CONCORRÊNCIA;

Verificada a gênese do princípio da livre concorrência em nossa Constituição Federal, necessário agora compreender as funções da livre concorrência. A compreensão da amplitude do conceito de livre concorrência é de importância fundamental, visto que alguns doutrinadores, talvez conduzidos pela tradicional correlação «abuso de poder econômico e eliminação da concorrência – que continua vigente em nossa ordem constitucional» não tenham conseguido perceber o novo padrão axiológico trazido na Constituição de 1988.

Ciente do novo paradigma, Werter Faria178, já em 1990 (menos de 2 anos da

promulgação da Carta Constitucional), fez publicar obra na qual apontou que as disposições contra o abuso de poder econômico foram mantidas na Constituição de 1988, mas que nesta nova Constituição o princípio da livre concorrência também contemplava o direito do empresário de praticar o “jogo econômico” sem entraves por parte de seus concorrentes, independentemente de haver ou não poder econômico envolvido.

Para Eros Roberto Grau179, o princípio da livre concorrência apresenta-se com três

características: (1) faculta ao agente econômico o direito de conquista clientes desde que não seja por concorrência desleal; (2) proíbe as formas de atuação que deteriam a concorrência; e (3) impõe dever neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes. A garantia da igualdade para os competidores é tida por Isabel Vaz180 como mais um dos deveres de proteção que o Estado tem no dever tutelar a ordem

concorrencial.

Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo181 diz que a concorrência maximiza o bem-estar

social, o qual ele atribui como eficiência econômica. Por seu turno,

178 FARIA, Werter. Constituição econômica: liberdade de iniciativa e de concorrência. Porto Alegre: Sérgio

Antônio Fábris, 1990, p. 108.

179 GRAU, Eros Roberto. Op.cit. 2006, p. 204.

180 VAZ, Isabel. Direito econômico da concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 265.

181 RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Noções introdutórias sobre o princípio da livre concorrência. Scientia

Iuris, Londrina, v. 10, 2006, p. 83-96, disponível: < http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4110> . Acesso em 20 set. 2017.

entende que, dentro do conceito eficiência econômica, encontra a eficiência alocativa (traduzida na qualidade de fornecer bens e serviços na medida/quantidade mais próxima do “ideal”), a eficiência produtiva (que seria produzir produtos e prestar serviços com o menor custo possível) e a capacidade de inovar os mercados (interesse que tem todos os competidores de melhorar seus produtos e serviços para assim ganhar mais clientes e consumidores).

Calixto Salomão Filho182 refere que garantir a livre concorrência é garantir que a

concorrência se estabeleça de forma leal (onde padrões mínimos de conduta sejam obrigatoriamente obedecidos) e que a concorrência de fato exista para que os consumidores tenham a informação do que há opções no mercado. Para que a concorrência exista é necessário que seja garantido um equilíbrio nas relações econômicas entre os agentes que atuam no mercado (controlando o poder econômico). Assim, segundo Calixto183, os interesses

tutelados no Direito Concorrencial seriam dos consumidores e da concorrência (essa caracterizada como instituição), alertando que a desobediência às normas tributárias e ambientais também constituem fatores que precisam ser tomados em consideração quando verificadas as condutas dos concorrentes nos mercados.

Ampliando o espectro da compreensão das funções da livre concorrência, Paula Forgioni184 indica que a defesa concorrência serve como elemento de implementação de

políticas públicas, sendo que as políticas públicas devem estar orientadas com os objetivos da República brasileira. Desse modo, a defesa da livre concorrência deve estar orientada em construir uma sociedade livre, justa e solidária (I); garantir o desenvolvimento nacional (II); erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (III) e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (IV), todos esses propósitos determinados pelo artigo 3º de nossa CF/88.

Modesto Carvalhosa185, quando analisou a Constituição de 1969, já apontava que a

livre iniciativa era limitada e conformada tanto à realização de justiça social

182 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 85-119. 183 Ibidem.

184 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, 194. 185 CARVALHOSA, Modesto. Op.cit. 2013, p. 673-674.

(que em suas palavras seria justiça distributiva) quanto à promoção do desenvolvimento nacional.

De forma mais atual, Carolina Pancotto Bohrer Munhoz186 aponta que a compreensão

da liberdade de concorrência está vinculada à noção de desenvolvimento e que, por isso, independe da geração (ou não) de efeitos econômicos. A importância figura-se nos exercícios de liberdades «tanto de iniciativa quanto de escolha» como outras liberdades necessárias ao desenvolvimento.

A nossa concepção sobre livre concorrência parte da proposta de ideologia de desenvolvimento constitucionalmente adotada, conforme proposto por Washington Peluso Albino de Souza187. Entendemos que na acepção de livre concorrência, «além dos valores

dispostos na doutrina supracitada», está o direito que todo o cidadão tem de ter um mercado estruturado à sua disposição, tanto para que possa ativamente participar dele como empresário-empreendedor quanto como cidadão que se servirá do mercado para nele se empregar e obter renda, a qual, se não lhe garanta riqueza, no mínimo lhe condicione possibilidades de vida digna com a opção de não depender da seguridade social do Estado. «Trata-se, portanto, do valor de uma liberdade de desenvolvimento sócio-econômica».

Outro valor que identificamos na livre concorrência é o direito de fruir da tecnologia em estado da arte. Por certo que o Estado deve promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, tecnológico, a capacitação científica e tecnológica e a inovação (art. 218 CF/88), mas o cidadão-empresário-empreendedor não pode exclusivamente aguardar o desenvolvimento nacional para os fins de fruir do estado da arte, da ciência e da tecnologia. Em mercados com ampla concorrência o acesso à tecnologia mostra-se quase sempre que imediato; por outro lado, em mercados pouco desenvolvidos e/ou com forte concentração nunca se tem o novo, e então o ciclo vicioso forma-se: baixa tecnologia ∞ pouco desenvolvimento. Trata-se, aqui, do valor da livre concorrência subsumido no direito do cidadão integrar-se àquilo que o mundo já descobriu e, se ainda quiser, a partir daí poder ser agente do futuro.

Assim, dos estudos até aqui realizados, podemos perceber que a concepção de livre concorrência, inserida pela Constituição de 1988, ultrapassa o caráter de mero controle de abuso poder econômico «o qual ainda continua existindo»,

186 MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Op.cit.2006.

ganhando contornos de caráter geral, que devem traduzir-se no direito que os agentes têm de que haja um mercado no qual possam dentro dele se desenvolver e que esse mercado garanta- lhe a possibilidade de – com ampla liberdade – fruir de bens e serviços que sejam acessíveis, que contribuam para a satisfação das necessidades e possam colaborar com o incremento pessoal, profissional e social.