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PARADIGMÁTICAS NO PENSAMENTO DO DIREITO

2.3 NEOCONSTITUCIONALISMO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

2.3.2 A constitucionalização do Direito

Trata-se de um fenômeno atual que decorre do reconhecimento da força normativa da constituição, da expansão da jurisdição constitucional e das mudanças paradigmáticas na interpretação constitucional, conferindo efeito expansivo às normas constitucionais, cujo conteúdo passa a iluminar, num plano material e ideológico, todo o sistema jurídico.

Ricardo Guastini, ao debruçar-se especificamente sobre o tema, conceitua a constitucionalização do ordenamento jurídico como um processo de transformação de um ordenamento ao término do qual o ordenamento em questão estará totalmente impregnado pelas normas constitucionais. Na visão do autor, o ordenamento constitucionalizado caracteriza-se por uma constituição extremamente invasora e intrometida, capaz de condicionar tanto a legislação como a jurisprudência e a doutrina, a ação dos atores políticos, assim como as relações sociais.45

Tal autor reconhece, contudo, que esse conceito é mais sugestivo do que preciso e que, para precisá-lo, deve-se observar uma lista do que ele denomina “condições da constitucionalização”, de forma que quando as condições dessa lista estiverem satisfeitas, o ordenamento jurídico estará completamente impregnado pelas normas constitucionais. Essas condições podem ser sintetizadas nos seguintes termos: 1) uma constituição rígida; 2) a garantia judicial da constituição; 3) a força vinculante da constituição; 4) a sobreinterpretação da constituição; 5) a aplicação direta das normas constitucionais; 6) a interpretação das leis conforme a constituição; 7) a influência da constituição sobre as relações políticas.46

No que tange à origem e evolução histórica da constitucionalização do Direito, destaca-se como países precursores, seguindo a mesma linha de raciocínio acima delineada no que tange ao neoconstitucionalismo, a Alemanha e a Itália. Mas, segundo Luís Roberto Barroso, há certo consenso de que o verdadeiro marco inicial do processo de constitucionalização do Direito foi estabelecido na Alemanha, uma

45 GUASTINI, Ricardo. La constitucionalización del ordenamiento jurídico: el caso italiano. In:

CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 49.

vez que, sob o regime da Lei Fundamental de 1949, o Tribunal Constitucional Federal convencionou que os direitos fundamentais, além de sua dimensão subjetiva de proteção de situações individuais, desempenham o importante papel de instituir uma ordem objetiva de valores.47

Com efeito, na visão de Dirley da Cunha Júnior o reconhecimento dessa dupla dimensão (subjetiva e objetiva) dos direitos fundamentais, deve ser apreciada como uma das mais relevantes contribuições da moderna dogmática dos direitos fundamentais. Para o autor, o descobrimento da dimensão objetiva demonstra que os direitos fundamentais, para além de sua condição de direitos subjetivos, permite o desenvolvimento de novos conteúdos e procedimentos, que desempenham papel de relevo na edificação de um sistema eficaz e racional para sua efetivação.48

Dirley da Cunha Júnior observa que a dupla perspectiva dos direitos fundamentais é perfilhada na medida em que eles podem ser qualificados tanto como posições jurídicas subjetivas essenciais de proteção da pessoa, quanto como valores objetivos básicos de conformação do Estado Constitucional Democrático de Direito, revelando-se, desse modo, ora como “carta de concessões subjetivas”, ora como “limites objetivos de racionalização” do poder e como vetor para sua atuação.49

Por conseguinte, o autor observa que o reconhecimento da dimensão objetiva apresenta importantes consequências, como: 1) a aceitação de que os direitos fundamentais devem ter sua eficácia aferida não só sob a ótica do indivíduo perante o Estado, mas também sob o ângulo da comunidade na qual se encontra inserido; 2) reconhecimento da eficácia dirigente que os direitos fundamentais produzem em face dos órgãos do Estado, que se correlaciona como o direito fundamental à efetivação da constituição; 3) em função autônoma no que tange à dimensão subjetiva, a doutrina tem apontado algumas implicações relacionadas à objetiva, como a questão da eficácia irradiante e da eficácia horizontal dos direitos fundamentais; 4) o respeito ao dever de proteção do Estado, ao qual incumbe zelar, inclusive preventivamente, pela defesa daqueles direitos contra abusos advindos

47 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. (O Triunfo

Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 21 de novembro de 2010, p. 14-15.

48 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. Salvador:

JusPODIVM, 2010, p. 613.

não apenas dos órgãos públicos, mas também dos particulares, ou de outros Estados, o que se dá mediante a adoção, pelo poder público, de medidas positivas nesse sentido.50

Condizente com essas observações, deve-se ter em mente que, na visão de Luís Roberto Barroso, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares, e também nas relações entre particulares. No que tange ao Legislativo, o autor observa que a constitucionalização limita sua discricionariedade e lhe impõe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. Com relação à Administração Pública, além de limitar sua discricionariedade, impõe-lhe deveres de atuação e ainda fornece fundamento de validade para atos de aplicação direta e imediata da constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. Ao Poder Judiciário, por sua vez, serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade, e condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, no tocante aos particulares, estabelece limites à autonomia da vontade, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito aos direitos fundamentais.51

Bem, feitas essas considerações é preciso destacar que, no Brasil, o processo de constitucionalização do Direito, embora recente, tem se manifestado de forma bastante intensa. Com efeito, Luís Roberto Barroso ressalta que após 1988, além da supremacia formal, a supremacia material e axiológica foi intensificada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios.52

Deve-se esclarecer, ainda à luz dos ensinamentos de Luís Roberto Barroso, que embora à constitucionalização do direito infraconstitucional possa ser atribuída a inclusão na constituição de normas próprias de outros domínios, a sua principal marca é, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional. Sendo assim, na visão do autor, toda interpretação jurídica é também uma interpretação constitucional. Em outros termos, qualquer operação de realização do direito envolve aplicação da constituição, seja diretamente (quando a pretensão se fundar em uma norma do próprio texto constitucional), seja

50 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. Salvador:

JusPODIVM, 2010, p. 610-612.

51 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. (O Triunfo

Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 21 de novembro de 2010, p. 13.

indiretamente (quando a pretensão se calcar em uma norma infraconstitucional, de modo que antes de aplicá-la, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a constituição, e ao aplicá-la, ele deverá adequar seu sentido e alcance à concretização dos fins constitucionais).53

Em síntese, por tudo quanto exposto, nota-se que a constitucionalização do Direito, fruto do neoconstitucionalismo, transforma a constituição no centro iluminador de todo o sistema jurídico, não apenas no que tange à elaboração, mas também à interpretação e aplicação da norma jurídica. E isso tem gerado reflexos suntuosos nos diversos ramos do direito infraconstitucional.

2.4 NEOPROCESSUALISMO E OS REFLEXOS DAS PRINCIPAIS

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