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2.3 SOBERANIA E A SUPRANACIONALIDADE

2.3.3 A Constituição brasileira e a supranacionalidade: a necessidade de emenda

O Brasil ainda se mantém resistente em participar de blocos regionais dotados de supranacionalidade, sob a alegação de preservação da sua soberania e, por consequente, da sua autodeterminação, e isso reflete na Constituição Federal, que pode ser observada a partir da constatação da ausência de normas a respeito do tema supranacionalidade. Frisa-se que o art. 4º, parágrafo único, da Constituição, apesar de deixar evidente o interesse brasileiro na persecução da integração regional, ao determinar que o Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, não faz menção à supranacionalidade. O Uruguai, à semelhança do Brasil, apesar da sua Constituição sinalizar favoravelmente à integração regional, também carece de norma constitucional quanto à possibilidade de ingressar num bloco regional supranacional. Nos demais países mercosulinos, já existem normas expressas quanto à aceitação de um ordenamento jurídico supranacional.

A Constituição paraguaia, em seu art. 145, prevê:

Artículo 145. Del orden jurídico supranacional

La República del Paraguay, en condiciones de igualdad com otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantisse la vigencia de los derechos

humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarrollo, en lo político,

económico, social y cultural.53

A Argentina também possui previsão na sua Constituição quanto à possibilidade de participar em organizações internacionais de caráter supranacional, estabelecendo em seu art. 75, inciso 24, a competência do Congresso em aprovar os tratados que deleguem poderes supranacionais a organizações internacionais de caráter supranacional desde que, em condições de reciprocidade, isto é, desde que todos os demais membros se submetam à hierarquia supranacional.

Por fim, a Constituição da Venezuela, além de se mostrar tendente a impulsionar a integração regional com a formação de um espaço comunitário, também consigna a possibilidade de cessão de competências para órgãos supranacionais. Eis o teor do seu art. 153:

La República promoverá y favorecerá la integración latino-americana y caribeña, en aras del avance hacía la creación de una comunidade de naciones, defendendo los interéses económicos, sociales, culturales, políticos y ambientales de la región. La República podrá suscribir tratados internacionales que conjuguen y coordinen esfuerzos para promover el desarrollo común de nuestras naciones, y que garanticen el bienestar d los pueblos y la seguridade colectiva de sus habitantes. Para estos fines la República podrá atribuir a organizaciones supranacionales mediante tratados, el ejercicio de las competências necesarias para llevar a cabo

estos procesos de integración”54.

Assim, há um ambiente constitucional favorável ao desenvolvimento do processo de integração na região entre os países do MERCOSUL sendo que as Constituições da Argentina, Paraguai e Venezuela admitem expressamente a viabilidade dos mesmos em se submeterem a órgãos supranacionais enquanto que as Constituições de Uruguai e Brasil se mantêm omissas em relação ao tema. Brasil é o país que demonstra maior resistência em aceitar o sistema supranacional e Raúl Granillo Ocampo destaca que:

No tema da integração, a Constituição da República Federativa do Brasil, conforme a reforma constitucional de 1988, se afasta claramente das mais modernas políticas legislativas consagradas pela Argentina e Paraguai e se inscreve nitidamente na linha de política legislativa consagrada sobre o tema pela Constituição do Uruguai. Nesse sentido, além da ausência expressa de qualquer norma que outorgue preeminência aos tratados sobre as leis e/ou que autorize a delegação de competências e jurisdição em favor de órgãos supranacionais, alguns autores ressaltaram que a situação é ainda menos favorável do que no caso uruguaio, já que, além disso, a Constituição brasileira adota uma orientação protecionista, nacionalista ou estatista (...)55

53 PARAGUAI. Constitucion de la Republica del Paraguay. Disponível em: <www.bacn.gov.py/CONSTITUCION_ORIGINAL_FIRMADA.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2018.

54 BOLÍVIA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Disponível em: <www.minci.gob.ve/wp- content/uploads/2011/04/CONSTITUCION.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2018.

55 OCAMPO, Raúl Granillo. Direito Internacional público da integração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 87.

Há quem entenda que o Brasil, não necessita de reforma constitucional para abranger normas com vistas à persecução de uma integração regional mais aprofundada baseada na supranacionalidade. É neste sentido que Marconi Neves tece a seguinte conclusão:

Combinando o art. 4º, parágrafo único, e o art. 1º, I, da Constituição Federal brasileira de 1988, resta evidenciada a plena possibilidade de realização do projeto integracionista necessitando-se, apenas, de um novo enfoque sobre o conceito de soberania, que, como visto, apesar de apresentar algumas mudanças em sua forma de externalização, permanece íntegro e sem apresentar desfigurações em sua essência quando compreendido como a primazia, superioridade e autonomia para livre condução do Estado, corroborando a autodeterminação dos povos.56 Especificamente, no caso do Brasil, é bem verdade que existe um projeto constitucional de integração regional estabelecido no art. 4º, parágrafo único, da Constituição. E de igual modo, prevalece uma nova ótica em torno do conceito de soberania, restando assente que a anuência de um Estado em integrar órgãos supranacionais não implica em perda de parcela de sua soberania. Mas essas duas constatações não são suficientes para entender que a omissão constitucional sobre o tema representa possibilidade para o ingresso do Brasil em organização internacional com caráter supranacional. A Constituição Federal dispõe, em seu artigo 4º e incisos, sobre os princípios do Direito Internacional, entre eles, a autodeterminação dos povos, a não-intervenção e a igualdade entre os Estados, e torna-se perigoso que o Brasil se submeta a organizações internacionais compostas por órgãos supranacionais sem a anuência do poder constituinte, inclusive, podendo ser interpretado como afronta à Constituição.

É necessária a edição de emenda constitucional para sanar a omissão e declarar expressamente, e de forma genérica, a viabilidade para que o Brasil participe de processos de integração regional de cunho supranacional, a exemplo da Argentina, Paraguai e Venezuela, para deixar claro a vontade do poder constituinte. É por este caminho que Eid Badr tece a seguinte conclusão:

Esgotadas as possibilidades interpretativas, resta ao constituinte derivado entrar em ação; este, como ressaltamos, terá que desenvolver uma reforma de grande envergadura na Constituição Brasileira em face das implicações provocadas pela introdução de normas viabilizadoras e harmonizadoras na relação entre o eventual ordenamento supranacional e o nacional.57

No mesmo sentido se posiciona Raúl Granillo Ocampo:

É evidente que, da forma como foi estruturado o tema da integração no direito brasileiro, a Constituição desse país não parece autorizar sua participação em

56 MACEDO, Marconi Neves. Os antagonismos da integração regional sul-americana: O Mercosul frente à Aliança do Pacífico e à Unasul. Rio de Janero: Lumen Juris, 2014, p. 94.

processos que se orientem para a supranacionalidade, participação que somente pode ser instrumentada em relação a processos tipicamente intergovernamentais como é o caso do Mercosul. Essa limitação foi o que levou o deputado Nelson Jobim a propor uma emenda constitucional incorporando a supranacionalidade ao sistema, proposta que lamentavelmente foi rechaçada. A Constituição do Brasil claramente carece de definição em dois aspectos fundamentais quando falamos de integração: a) a preeminência dos tratados sobre as leis; e b) a impossibilidade de submeter-se a uma ordem jurídica supranacional. Como se isso fosse pouco, submete a análise dos tratados à jurisdição federal (art. 109, incisos III e IV), cuja última instância é o Supremo Tribunal Federal do Brasil.58

Além disso, é essencial que o tratado internacional que define a criação de órgãos supranacionais e prevê expressamente os direitos e obrigações dos países integrantes, inclusive, a sua submissão às normas emanadas desses órgãos, ingresse no ordenamento jurídico interno com status constitucional, devendo obedecer ao processo legislativo previsto no art. 60 da Constituição brasileira, não cabendo a aplicação do processo legislativo ordinário. Se assim não for, sempre poderá haver a alegação de que as normas oriundas de órgãos supranacionais não obedecem a preceitos constitucionais, o que representaria obstáculo à efetividade das mesmas. Quando o Congresso, na condição de poder constituinte, aprova o tratado internacional que dispõe sobre órgãos supranacionais e que prevê suas competências e a sua abrangência bem como o momento e a forma com que as suas normas se tornam efetivas nos territórios nacionais, pressupõe-se que os atos normativos emanados dos órgãos supranacionais possuem eficácia e aplicabilidade imediata nos Estados-membros na forma prevista pelo tratado, sendo prescindível que cada um desses atos seja avalizado pelo Congresso.

Atualmente, a ausência de iniciativa do Brasil para participar de órgãos supranacionais e para converter organizações internacionais intergovernamentais já existentes em supranacionais decorre do receio de mitigação da soberania estatal, aliado a uma ausência de iniciativa por parte dos representantes do Poderes Executivo e Legislativo do Brasil. Assim, o óbice para a aceitação por parte do Brasil de um sistema supranacional é de ordem política. Se superado tal empecilho, o país, na condição de maior potência econômica da região, pode assumir o papel de protagonismo que lhe cabe e abrir a possibilidade para uma integração sul-americana mais aprofundada com a constituição de blocos regionais supranacionais.

58 OCAMPO, Raúl Granillo. Direito Internacional público da integração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 89-90.