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A preservação da soberania na instituição de organizações internacionais de

2.3 SOBERANIA E A SUPRANACIONALIDADE

2.3.2 A preservação da soberania na instituição de organizações internacionais de

São poucos os exemplos de integração regional de maior aprofundamento, e objeto de estudo do Direito Comunitário, com a criação de órgãos supranacionais, destacando-se, entre eles, a União Europeia. Um dos principais fatores responsáveis pela falta de reprodução de modelos de blocos regionais de caráter supranacional é justamente a resistência por parte de muitos Estados em ingressarem em organismos dessa natureza pois, temem pela perda de parcela de sua soberania. Entretanto, os Estados devem se conscientizar de que quando optam por ingressar numa organização internacional de caráter supranacional, assim o fazem já que os benefícios advindos da sua integração com outros países na região sobrepõem-se ao receio de “enfraquecimento” da sua soberania. Ademais, ressalta-se que nesses casos, esse receio não se

46 CELLI JÚNIOR, Umberto. Solução de conflito na União Europeia: lições para o Mercosul. Revista da

confirma no plano fático, porquanto a soberania estatal é preservada e isso se torna claro a partir da afirmação de que o Estado somente se submete à autoridade de uma organização supranacional se assim o quiser, e da mesma forma ocorre a sua saída dessa organização, por meio da utilização do instrumento da denúncia, não sendo possível cogitar a possibilidade de irreversibilidade da decisão de ingresso do Estado numa organização, o que certamente, poria em cheque a sua soberania. Aliás, a capacidade de obrigar-se no plano internacional por sua própria vontade, firmando acordos e integrando organizações internacionais, é a mais pura expressão da soberania estatal. Este também é o entendimento de Evandro Herrera Bertone Gussi, quando diz:

Os processos de integração econômica, assim, constituem mais um exercício evoluído de soberania que a sua negação. Constituem a evolução no sentido de que a realidade econômico-social chegou a sofisticação tal que não consegue mais estar adstrita aos limites dos Estados Nacionais. Para tanto, a realidade mesma tratou de ditar as necessidades da supranacionalidade.47

Igualmente, destaca-se que os assuntos de caráter exclusivamente interno de um Estado, como a criação de políticas públicas baseadas em diretrizes constitucionais e a forma de conduzi- las, não admitem a interferência externa, mesmo sendo o Estado membro de organização internacional com caráter supranacional.

Adolfo Roberto Vázquez leciona que não ocorre a transferência parcial da soberania do Estado se este se submete a uma autoridade supranacional, permanecendo a mesma intacta, já que o que existe é a simples cessão de competências. Em suas palavras:

(...) lejos están los Estados de transferir soberania, pues lo único que hacen es uma

cesión recíproca de competências, donde lo que reciben es generalmente mayor que lo que otorgan (por lo que en la relación costo-benefício salen ganando), de suerte tal que lo supranacional deja intacta la soberania.

Al respecto, obsérverse que la soberania sólo reside – como no puede ser de outro modo – en los Estados, y jamás un sujeto u órgano supranacional podria ejercela en nombre de aquélos, ni siquiera parcialmente. Tan aí es ello, que son los próprios Estados soberanos quienes, exclusiva y excluyentemente, deciden siempre ele efecto

último que tienen las decisiones de los órganos supranacionales.48

Coaduna deste entendimento Marconi Neves Macedo, que salienta:

Necessário se faz esclarecer que as instituições supranacionais e produtoras de direito comunitário, típicas do contexto de integração regional econômica a partir do nível do mercado comum, como é o caso do Mercosul, não recebem uma cessão de parcela da soberania dos Estados que a criaram, mas apenas sua delegação. Delegar

47 GUSSI, Evandro Herrera Berton. Soberania e supranacionalidade. In: CASELLA, Paulo Borba. LIQUIDATO, Vera Lúcia Veigas (Org.). Direito da integração. São Paulo: Quartier Latin, 2006, v. 1, p. 132.

48 VÁZQUEZ, Adolfo Roberto. Soberania, supranacionalidad e integración: la cuestión en los países del

poderes aos órgãos dedicados ao fim integracionista é medida necessária para ver realizado qualquer projeto de integração, contudo, na experiência sul-americana, tem sido um ponto sensível desde a criação da Alalc até os dias atuais.49

A partir do momento em que o Estado se submete a uma autoridade supranacional, ele cede parte das suas competências soberanas, permitindo que esta autoridade expeça normas que devem ser por ele observadas, e a vontade prevalecente, em determinada matéria, deixa de ser a do Estado para ser a da autoridade supranacional. Essa situação apenas limita internamente as funções dos órgãos do Estado pois, há uma repartição de competências entre estes e os órgãos supranacionais da organização internacional, devendo todos atuarem em cooperação na busca de uma coerência jurídica. Para tanto, o Estado deve assegurar a eficácia e o cumprimento das normas supranacionais em seus territórios.

Isso não compromete a soberania estatal tendo em vista que foi o próprio Estado, no exercício de sua soberania, que decidiu voluntariamente se sujeitar a uma ordem jurídica supranacional e, reitera-se que, é também através do exercício de sua soberania, que o Estado pode optar em não mais se sujeitar a esse ordenamento supranacional. Essa é a lição de Raúl Granillo Ocampo para quem “a soberania de cada Estado lhe permite exercer um último controle sobre o exercício de poder por parte de organismos estranhos ao Estado nacional e somente ocorre cessão de soberania quando esta é atribuída integral e definitivamente e não pode ser recuperada”50. O mesmo autor também ensina que:

No processo de integração os Estados não perdem sua identidade política e sua independência (especialmente nas áreas não delegadas), mas produz-se uma delegação funcional e administrativa de algumas áreas de responsabilidade em favor dos órgãos comunitários e para a realização do objeto comum do processo, mantendo-se sua identidade em tudo o mais.51

A cessão de competências soberanas em benefício da autoridade estatal não a torna um órgão soberano. A soberania é um atributo próprio e exclusivo do Estado, sendo equivocado afirmar a possibilidade de cessão de parcela da soberania para uma organização internacional pois, o que há é a transferência das competências soberanas52 e não da soberania em si, e o exercício

49 MACEDO, Marconi Neves. Os antagonismos da integração regional sul-americana: O Mercosul frente à Aliança do Pacífico e à Unasul. Rio de Janero: Lumen Juris, 2014, p. 93.

50 OCAMPO, Raúl Granillo. Direito Internacional público da integração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 54.

51 OCAMPO, Raúl Granillo. Direito Internacional público da integração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 118-119.

dessas competências pela organização internacional que, a partir de então, passa a ser considerada supranacional.

Aliás, a cessão de soberania não se mostra possível porque, caso isto ocorresse, haveria a formação de um verdadeiro Estado federado e, por isso que a União Europeia não possui a configuração de uma federação, uma vez que os seus Estados-membros mantêm preservada a sua soberania, tendo apenas cedido parcela de suas competências soberanas.

Em síntese, o temor de fragilização da soberania estatal não deve servir de obstáculo para o desenvolvimento do movimento de integração regional uma vez que a soberania do Estado, sob a perspectiva da formação de organizações internacionais de cunho regional, permanece intacta, permitindo que este participe ou se retire do bloco regional quando lhe convir. Os Estados geograficamente próximos, ao se unirem em blocos, ganham força e relevância, sem afetar a sua soberania, principalmente sob o ponto de vista econômico, no cenário mundial.

2.3.3 A Constituição brasileira e a supranacionalidade: a necessidade de emenda