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A TUTELA INTERNACIONAL DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL: ESTUDO

3.2. A Constituição da República Portuguesa de

Numa primeira interpretação da sistemática constitucional46 constatamos que a sociedade precede

o Estado47. Contudo, num “verdadeiro Estado Constitucional, não se deve distinguir Estado e sociedade”,

o que significa que todos os poderes públicos estão vinculados às leis gerais e abstratas (legalidade formal) e que o funcionamento dos poderes públicos estão vinculados à garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana (legalidade substancial). Esta garantia surgiu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

No sistema interno de regras e princípios da CRP, observamos que os direitos e os deveres fundamentais foram acantonados na grande divisão (Parte I). Esta por sua vez subdivide-se em dois “Títulos”: os “Direitos, liberdades e garantias” (Título II) e os “Direitos econômicos e sociais” (Título III). Numa segunda verificação, constata-se que os direitos e os deveres fundamentais prevalecem sobre a Constituição Econômica (Parte II), não obstante estarem igualmente ancorados nos mesmos princípios fundamentais.

A Constituição estabelece no nº 1 do artigo 42.º que “É livre a criação intelectual, artística e científica”. A liberdade de criação científica é consagrada no texto fundamental como uma liberdade pessoal48. Mas é no nº 2 do mesmo preceito que se localizam os direitos de autor, em conformidade com

a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 que no nº 2 do artigo 27.º reconhece a todos o “direito à proteção dos interesses materiais e morais correspondentes às produções cinematográficas, literárias ou artísticas de que são autores”. Este inciso permite-nos afirmar que o direito de autor à proteção dos seus interesses morais e patrimoniais é um direito humano.

Observamos que toda a matéria dos direitos fundamentais visa a prossecução de valores ligados à dignidade humana e que a edificação de um Estado humano é um imperativo constitucional identificado no artigo 1.º da CRP. Porém, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, vai exigir uma definição de tarefas ou incumbências fundamentais do Poder político, temática sempre presente quando em causa está a divisão sistemática dos direitos fundamentais.

A compreensão desta divisão é crucial ao tema aqui em estudo na medida em que por um lado, falar de liberdade de criação intelectual, artística e científica e direitos de autor é invocar os direitos de liberdade, Título II, Capítulo I “Direitos, liberdades e garantias”49. Por outro lado, o direito à cultura50

é um direito social consagrado no Título III, “Direitos e deveres econômicos, sociais e culturais”, mais especificamente no Capítulo III dos “Direitos e deveres culturais”.

A consagração constitucional desses direitos forma um eixo que se desenrola ao sabor de uma distinta tutela constitucional. Assim, enquanto a liberdade de criação intelectual, artística e científica constitui 46 A Constituição da República Portuguesa foi aprovada pela Assembleia Constituinte, em sessão Plenária, e 25 de abril de

1976.

47 Cfr. Nelson NERY JUNIOR, e Rosa NERY, Constituição Federal, 2013, p. 217.

48 Cfr. CANOTILHO E MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, volume I, 2007, p. 621. 49 Artigo 43.º, nº da CRP.

um direito de liberdade, concebido como garante da liberdade e autonomia dos cidadãos, implicando tal garantia a vinculação do Estado e da sociedade, o direito à cultura é um direito social de conteúdo indeterminado, que depende da intervenção legislativa para que se constitua e os direitos industriais são direitos econômicos. Assim se justifica que a vinculatividade dos poderes públicos (legitimidade formal e substantiva) tenha por base uma proteção variável, na medida em que a sua efetivação está diretamente relacionada com estratégias políticas bem como recursos materiais do país.

À luz desta perspetiva, verifica-se uma primazia das liberdades pessoais no confronto com os direitos sociais. Porém, a posição cimeira atribuída aos direitos de liberdade, não desvaloriza os direitos económicos, sociais e culturais, antes não permite que se faça a inversão antiliberal e antidemocrática de se afirmarem ou conformarem os direitos sociais em substituição, ou em menorização das liberdades pessoais, designadamente quando a imposição de serviços prestativos de monopólio estadual, por exemplo uma marca, uma patente, exclusividade atribuída pelo Estado, se faça com ofensa da liberdade de expressão, à criação cultural, artística ou científica, bem como uma igual ofensa aos direitos de autor. 3.3. A Constituição Federativa do Brasil de 1988

A interpretação das regras constitucionais na Constituição Federal (CF) de 1988 vai no sentido da defesa das liberdades de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (Capítulo I, artigo 5.º, IX). Confere ampla proteção aos direitos de Propriedade Intelectual.

Com a atual Constituição, o regime constitucional da Propriedade Intelectual foi atualizado e a matéria relativa aos direitos individuais fundamentais, tendo sido acrescentado os direitos “coletivos», está regulada no artigo 5.º em três dispositivos:

i) XXVII, inciso que assegura aos autores de obras, genericamente consideradas, o direito de exclusivo de “utilização, publicação ou reprodução»;

ii) XXVIII, inciso que assegura expressamente o “direito de fiscalização do aproveitamento econômico» das obras intelectuais, numa clara proteção autoral, amplia a garantia constitucional das produções culturais;

iii) XXIX, inciso que assegura aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção à propriedade das marcas, aos nomes das empresas e outros signos distintivos, com o acréscimo das tutelas genéricas das “criações industriais» e a inserção da cláusula finalística, que sujeita a Propriedade Industrial ao “interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do Pais».

O tratamento desses direitos como matéria constitucional é frequentemente criticada por alguns constitucionalistas no Brasil. Numa decisão do STJ, Corte Especial de 1999, “O autor tem direito sobre sua obra, podendo explorá-la economicamente (…) O compositor (…) tem direito à reintegração de suas obras musicais em seu patrimônio, reavendo-as do empresário (…) cabendo-lhe, ainda, indenização

por danos morais”51. Ou seja, em relação aos direitos de autor existe “quase” unanimidade quanto à

sua tutela constitucional, porém eles opõem-se à constitucionalização de categorias do direito privado, sobretudo quando se trata de propriedade industrial.

A doutrina do fair use defende que o copyright não constitui um direito exclusivo oponível erga omnes, antes aconselha a um juízo de ponderação mediante o princípio da proporcionalidade, de forma a obter a sua otimização com outros valores fundamentais, máxime as liberdades de expressão e informação, educação, investigação, aprendizagem e criação cultural. Estes valores correspondem a dimensões nucleares da dignidade da pessoa humana e do Estado de direito democrático.

Na Constituição Federal, a “regra é a prevalência dos direitos e garantias fundamentais contra os interesses públicos e particulares e contra os interesses do Estado. (…) A exceção é portanto a mitigação dos direitos e garantias fundamentais. Essa mitigação, entretanto, somente pode ocorrer em situações excepcionalíssimas, mediante ponderação pelo princípio da proporcionalidade”52.