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Capítulo VIII – Metodologia

8.1. A constituição das Ciências Sociais e os paradigmas epistemológicos

Boaventura Sousa Santos defende, em Um discurso sobre as ciências, que a ciência se baseia num paradigma que usa a quantificação para a explicação do real, através da mathesis (a ciência da medida e da ordem), que dá lugar ao modelo lógico e matemático enquanto linguagem de análise do mundo sensível/ fenomenal. Aqui reside o modelo de inteligibilidade do real, sendo considerado científico por traduzir previsibilidade, enquanto fundamento metateórico da “repetição do passado no futuro” (Sousa Santos, 2006: 17), permitindo generalizar e formular leis universais.

Focault (2005b), na sua “Arqueologia do Conhecimento”, defende que as Ciências Sociais constituem-se a partir do momento em que o Homem toma consciência de si próprio. Com a entrada na modernidade, ao tomar consciência de si próprio, o Homem, agora consciente de livre arbítrio, altera o paradigma de pensamento. O “sentido” deixa de ser legitimado através da existência de Deus, a instância por excelência da Ética e da Moral que rege a experiência. O Homem constitui-se corpus de análise para as Ciências Sociais, estabelecendo o seu propósito e a sua razão de existir: o de estudar um “Novo Homem”. O Homem é, por assim dizer, transformado no objeto da sua própria análise e representação. As Ciências Sociais nascem daquela necessidade de entender o Homem, enquanto indivíduo, ser social, produtor de cultura. Para que fossem entendidas na qualidade de ciências, inicialmente, adotaram as metodologias e os instrumentos das Ciências Naturais para legitimar a sua existência e campo de ação. Correntes como o “Positivismo” de Comte nascem na senda de transferir a visão e as abordagens do mundo da “Ciência” para o campo social, entendendo os fenómenos sociais como “coisas”/ objetos. Porém, outras vozes tomaram lugar, alegando a impossibilidade do estabelecimento de leis universais nas “Ciências Sociais”, uma vez que os fenómenos sociais são historicamente condicionados, logo dinâmicos e mutáveis, criando, por isso, obstáculos à generalização e à previsibilidade.

“As ciências sociais não são objectivas porque o cientista social não pode libertar-se, no acto da observação, dos valores que informam a sua prática em geral, e portanto, também a sua prática de cientista (…)” (Sousa Santos, 1988: 20). Na obra citada, Boaventura Sousa Santos trata a problemática que tem, desde sempre, envolvido as ciências sociais, desde a sua génese, com discussões acerca do seu objeto e das suas metodologias, relativamente às ciências da natureza e exatas, assim como os diferentes paradigmas a elas associados. Segundo a opinião do autor, no nosso tempo, deixou de fazer sentido a dicotomia entre ciências sociais e ciências naturais, pois, cada vez mais se assiste ao colapso das fronteiras, sendo que estas separações deixaram de ter significado, nomeadamente as dicotomias entre natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa.

Para o processo de legitimação do campo das Ciências Sociais, e particularmente para a Sociologia, as obras de Comte (1798-1857), Marx (1818-1883) e Tocqueville (1805-1859) foram absolutamente determinantes. Comte introduz o “Positivismo” como ciência geral da evolução humana ao estipular a “lei dos três estados”: teológico ou mágico, metafísico, positivo ou científico.

Tal deve ser o primeiro grande resultado direto da filosofia positiva, a manifestação por experiência das leis que seguem no seu desempenho as nossas funções intelectuais e, por consequência, o conhecimento preciso das regras gerais convenientes para proceder seguramente na investigação da verdade (Comte, Curso de Filosofia Positiva, 1830-1842, apud Braga da Cruz, 2010: 158).

Em “O Capital” (1863) de Marx, a economia e a divisão social do trabalho sustentam a base de uma teoria de análise da sociedade. Por outro lado, os trabalhos sobre os sistemas políticos de Tocqueville vieram ampliar o pensamento sobre as organizações humanas ao analisar o fator “poder” nas instituições, nomeadamente no sistema democrático.

Emerge, neste contexto, o conceito de “social”, que despoleta discussões acerca da vida em sociedade e os problemas estruturais associados a um novo tipo de organização social que surge no período pós feudal e que prepara o terreno para a eclosão da revolução industrial. Com Marx, assistimos a uma sociedade dividida em duas classes opostas, os “burgueses” capitalistas, detentores do capital e dos meios de produção, e o proletariado. Neste sentido, Marx alega existir uma “estrutura” e uma “superestrutura” que regulam e estão na génese de toda a interação e organização social. A noção de "social" encontra-se, então, associada às consequências daquela “dialética” entre classes e às condições de vida dela resultantes.

Simultaneamente, ao irradiar de múltiplas formas de organização social, de movimentos sociais, através do associativismo, surgem as primeiras associações profissionais, sindicatos e outras dedicadas a causas para além do “labor”. Começa, então, a existir interesse por parte de alguns intelectuais por investigar estes fenómenos sociais, alicerçando as bases para a constituição da disciplina que hoje conhecemos por Sociologia.

Ao contrário das Ciências Naturais, cujo desenvolvimento pode ser descrito enquanto acumulação vertical de conhecimento a partir de leis da natureza, as Ciências Humanas são bastante diferentes. A investigação em Ciências Sociais não somente trata de situações sociais particulares, mas, também, reflete as condições sociais da sociedade e as teorias que dominam o tempo.

Investigar aquele objeto, o “social”, coloca às Ciências Sociais um dilema: Quais os métodos mais apropriados e legítimos para investigar as variáveis do estudo? Sendo que é precisamente neste ponto que as divisões tomam lugar. De acordo com o posicionamento de cada corrente e escola de pensamento, existe, por norma, a constituição, desenvolvimento ou adoção de metodologias (Quivy, 2008) próprias e apropriadas, legitimadas para a investigação num determinado campo científico.

O debate e a contraposição entre abordagens não são recentes no campo das Ciências Sociais. As correntes positivistas consideram científicos unicamente os estudos cuja premissa se baseia na evidência de dados da experiência empírica, usando ferramentas de medida justificadas por um modelo logico- matemático, e defendem, por isso, que os dados resultantes dos métodos qualitativos não são credíveis. Por seu turno, os qualitativistas alegam que as técnicas quantitativas retiram o papel do sujeito e, por tal, não oferecem dados confiáveis.

De acordo com o artigo Social Reaearch in Changing Social Conditions da autoria de Alsuutari, Brannen e Bickman, editado no The Sage handbook of Social Reasearch Methods (2008), existem, por todas as Ciências Sociais e Humanas, diferenças evidentes, em todos os países, no desenvolvimento e popularidade de métodos particulares. Desde os anos 30 que o processo amostral de pesquisa e os métodos estatísticos assumiram uma posição hegemónica, porém, os métodos qualitativos têm estado a ganhar cada vez mais terreno na atualidade. Tem havido um recente recurso e interesse por uma abordagem mista, pretendendo combinar ambos os métodos, os quantitativos e os qualitativos, aproveitando as características de cada um para produzir dados científicos cada vez mais fidedignos e completos sobre a realidade que se pretende investigar. O interesse crescente em utilizar métodos cruzados de pesquisa reporta aos anos 80, resultando na publicação de um grande número de textos escritos sobre a matéria.

Perante este novo paradigma, os investigadores contemporâneos não querem mais ficar divididos entre metodologias e em campos opostos. Por um lado, os investigadores têm muito mais a aprender com as possibilidades de aplicação de métodos e técnicas estatísticas para análise de dados. Por outro, o que se conhece por “investigação qualitativa” foi já com Malinowski (1922) comprovado com os princípios da etnografia ou com Glaser e Strauss (1967) com os da Grounded Theory. Diferentes métodos de analisar conversas, textos e interação social tem multiplicado a visão dos investigadores para conseguir estudar a realidade dos fenómenos sociais a partir de diferentes pontos de vista (Alasuutari et al., 2008: 2).

Porque não existe progresso unidirecional no desenvolvimento social, o aparato metodológico e teórico disponível para os cientistas sociais varia consoante estejam moldados pelos contextos históricos, estruturais e culturais. A noção comum de que “metodologia” consiste numa “caixa de ferramentas” coletiva é ilusória. As tradições metodológicas variam de acordo com as sociedades e são alvo da moda que as tornam populares num determinado momento do tempo e num particular contexto relativamente a outros (Alasuutari et al., 2008: 3).

Alan Bryman, no artigo The end of the paradigm Wars? (2008), defende que as “guerras de paradigma” centram-se no contraste das posições epistemológica e ontológica que caracterizam as pesquisas qualitativas e quantitativas. Ao nível epistemológico, existe um assunto de desejabilidade de um programa científico natural para a investigação social, contra outras pretensões de procura de leis gerais e enfatizar o lado humano envolvido na constante interpretação dos seus ambientes em contextos específicos. Este contraste é um dos que encontramos frequentemente na batalha entre princípios

filosóficos positivistas e outros interpretativistas, baseados em estâncias metodológicas e teóricas gerais, como a fenomenologia ou o interacionismo simbólico, para uma abordagem da ação social. Os estudos quantitativos estão, tipicamente, associados a correntes positivistas e objetivistas, enquanto os estudos qualitativos estão conotados com linhas mais interpretativistas e construtivistas (Bryman, 2008: 13).

Segundo Bryman, é a presença ou ausência de quantificação que distingue a pesquisa quantitativa da qualitativa. Segundo o autor, o estádio crucial na guerra de paradigmas, e mais particularmente no apaziguar de algumas divisões, é a emergência de métodos combinados de pesquisa (Bryman 2008: 15). Sendo que a oposição entre abordagens se encontra na génese das Ciências Sociais e uma vez que a proposta atual prevê a junção de ambos os paradigmas, convém explicitar as vantagens e desvantagens de ambos no sentido de conseguir uma triangulação metodológica.

Com os métodos quantitativos nem sempre sabemos se medem o que pretendem medir, mas por outro lado, permitem a generalização. Os qualitativos, por seu turno, têm muita validade interna, mas pouca ao nível externo, ou seja, são uma excelente opção para caracterizar, descrever, contextualizar as variáveis em estudo. Os estudos qualitativos podem ajudar a construir o objeto analítico, permitem descrever as dimensões e os limites do problema, delinear e formular proposições e hipóteses.

Alguns investigadores usam os estudos qualitativos enquanto métodos para compreender o problema, aplicando-os numa fase precedente à pesquisa quantitativa. Porém, na investigação qualitativa também muitos cientistas incorporam abordagens quantitativas para cruzar com os seus dados e alguns adotaram medidas multivariadas.

A metodologia quantitativa como abordagem de investigação social aplica um modelo de ciência natural, positivista, usando como instrumento preferencial o inquérito por questionário. Por outro lado, na metodologia qualitativa existe um compromisso para ver o mundo social através do ponto de vista do ator.

By having a positive attitude towards both techniques, pragmatic researchers are in a better position to use qualitative research to inform the quantitative portion of research studies, and vice versa. For example, the inclusion of quantitative data can help compensate for the fact that qualitative data typically cannot be generalized. Similarly, the inclusion of qualitative data can help explain relationships discovered by quantitative data. (Onwuegbuzie e Leech, 2005:383)