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Capítulo VI – Movimentos sociais

6.2. Movimentos Sociais e as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC)

Na investigação sobre as TIC e os movimentos sociais existem várias dimensões a ter em conta. A comunicação realizada a nível interno e a nível externo tem por base a comunicação face-a-face em

muitos movimentos sociais, especialmente nos movimentos, grupos e organizações mais antigos e mais tradicionais, como no caso de organizações sindicais e outras do movimento operário. Mas a introdução e desenvolvimento de algumas tecnologias como o fax, fotocopiadoras, os computadores e os telemóveis, a comunicação entre membros, a nível interno, e a comunicação externa entre entidades, passou a processar-se de forma mediada. Os processos de mobilização alteraram-se não só no que diz respeito a procedimentos, mas a nível de velocidade, extensão e alcance das mensagens. Com as TIC, particularmente computadores e telemóveis, há mais possibilidades para que movimentos sociais, assim como muitas outras organizações e instituições, de se mobilizarem, construir coligações, informar, comunicar e fazer lobby. Desta forma, de acordo com van de Donk e colaboradores (2004) as formas contemporâneas de protesto parecem combinar os antigos meios como as faixas, as pancartas e as palavras de ordem com os novos suportes de comunicação digital.

Será que esta convergência que se observa atualmente entre o digital e o analógico presente nos processos, na génese, no desenvolvimento e nas ações dos movimentos sociais está a alterar também a configuração, o formato e a estética dos protestos?

van de Donk e colaboradores (2004) são os editores de Cyberprotest: New media, citizens, and social movement, um livro que reúne importantes contribuições para o desenvolvimento da investigação no campo dos movimentos sociais e das tecnologias da informação e da comunicação, sendo por isso considerado a referência de base do presente estudo. Segundo os autores citados, as TIC e mais especificamente a internet estão a mudar as tradicionais formas de organização política em geral e, nomeadamente, o modelo representativo, assim como as práticas democráticas.

De acordo com Melucci, os movimentos sociais alternam entre momentos de latência e momentos de visibilidade, e, ao contrário dos partidos políticos, que têm uma presença constante, os movimentos sociais também desenvolvem associações com outros movimentos. Estas características, bem como as modalidades de recrutamento e participação nestas organizações, por vezes, dependendo do tipo de movimento, não têm procedimentos muito formais, como é o caso de formulários de inscrição, cartões de membro ou regulamentos. Uma outra característica que distingue substancialmente as instituições como sindicatos e partidos políticos face aos movimentos é, também, a flexibilidade de ação e a possibilidade de se alterarem estratégias, táticas e objetivos de forma muito rápida, tendo em vista a adaptação ao contexto. Apesar de alguns investigadores se referirem aos movimentos sociais como desorganizados, a maioria dos observadores concorda que eles necessitam de alguma estrutura e organização. Todavia, é possível observar em alguns movimentos aquela estrutura, sendo esta organizada em rede, com as suas características próprias, nomeadamente a horizontalidade e a dificuldade em identificar hierarquias.

Assim, van de Donk e colaboradores (2004: 3) definem os movimentos sociais com as seguintes características: desejo por mudança social, estrutura em rede baseada em aspetos de identidade e o acesso a meios de protesto.

Como já vimos, existem várias linhas de investigação neste campo, como as Teorias da Oportunidade Política e Processo Político (Tilly), as Teorias dos Novos Movimentos Sociais que valorizam os aspetos associados à identidade (Melucci) ou as Teorias da Mobilização de Recursos (McCarty e Zald, 1977). Em todas estas linhas de investigação é possível desenvolver pesquisas tendo as Tecnologias da Comunicação e da Informação como uma variável a ter em conta. Por um lado, interessa perceber como as TIC e a internet podem influenciar o cenário político e as agendas, por outro, interessa entender como as TIC e a internet podem fazer circular aspetos de carácter simbólico e discursos e, com isto, criar, fixar ou alterar significados e representações, ou ainda, estudar a internet e as TIC na qualidade de recursos que permitem atingir os objetivos dos movimentos sociais.

Não é possível a existência de movimentos sociais sem interações sustentadas internamente entre os membros e, externamente, entre grupos de referência. Este é um dos aspetos apontados por van de Donk e colaboradores (2004), ou seja, a importância do papel desempenhado pela comunicação, a par das estruturas em rede e os recursos financeiros limitados, para a atratividade do uso das TIC e da internet pelos ativistas e participantes de movimentos sociais.

Organizações de movimentos sociais frequentemente usam a internet e associam aplicações para serem eficazes na arena pública, por exemplo, mobilizar o eleitorado e influenciar a opinião pública, e, em alguns casos, conseguem níveis de credibilidade e influência muito mais altos que os partidos políticos ou os sindicatos. Não se pode dizer que os partidos políticos e outras instituições formais não utilizem a internet, mas não a utilizam certamente da maneira que poderá atrair a atenção e o envolvimento de um tipo de cidadãos, como os jovens, por exemplo. Assim, não é o meio em si que pode ter diferentes níveis de atratividade, mas sim as modalidades de uso que permite, de acordo com as práticas de produção, a remistura e a partilha de conteúdos num ambiente interativo (Cardoso, 2008). Sobre este aspeto, é interessante analisar como os partidos políticos e outras organizações usam a internet para se aproximarem dos cidadãos, contudo não é este o nosso objetivo por agora. Mas, este aspeto poderá constituir uma importante reflexão e que, em muito, apoiará às conclusões do presente trabalho.

van de Donk e colaboradores (2004) referem que os novos movimentos sociais como os ecologistas, feministas ou de justiça global possuem uma constituição relativamente heterogénea, estendem-se, normalmente, para além das fronteiras nacionais, adotam conceitos como a diversidade, a descentralização a informalidade em vez da unidade, da centralização da formalidade e da liderança forte. Neste sentido, é possível afirmar que a forte apetência de utilização das TIC e da internet pelos novos movimentos sociais está relacionado com as suas necessidades ideológicas e organizacionais.

Com controlo e domínio nas mãos de alguns líderes, certamente que as TIC podem ser efetivamente usadas para construir e manter poderosas organizações centralizadas, mas empiricamente a evidência sugere, segundo van de Donk e colegas (2004), que as TIC podem ser eficazes ferramentas para estabelecer e desenvolver redes descentralizadas e usá-las como forma de mobilização.

Nas eleições legislativas de 2015, em Portugal, foi possível observar algumas manobras na tentativa de aproximar os partidos políticos da linguagem dos movimentos sociais ou, por outro lado, permitir a movimentos sociais a institucionalização através do formato de partido político, como aconteceu nos casos do AGIR, coligação encabeçada por Joana Amaral Dias e Nuno Ramos de Almeida, ou o Livre/Tempo de Avançar, liderado por Rui Tavares. Esta tentativa de adotar um estilo menos formal e menos institucional, foi uma influência de grupos como o Podemos espanhol, que apesar da informalidade são grupos que acabaram por chegar às instâncias do poder institucionalizado. Será então possível associar o grau e modalidade de utilização das TIC e da internet às formas orgânicas dos movimentos e às suas ações, ou ainda, como é que isto está a alterar a visão convencional do que é um partido político? De acordo com van de Donk, Loader, Nixon e Rucht (2004) as TIC e a internet podem, talvez, modificar não profundamente a lógica de ação coletiva, mas elas parecem mudar, em qualquer caso, a estrutura de alguns agentes e provavelmente também afetam o tipo e a velocidade da comunicação política e a mobilização.

van de Donk e colaboradores (2004) assumem que as TIC podem ser usadas por vários tipos de organizações, com diferentes propostas e posicionamentos, e com diferentes níveis de sofisticação. Neste sentido, para empreender uma investigação neste domínio é preciso levar isso em linha de conta, ou seja, existem diferentes características e aplicações de TIC e diferentes características de organizações de movimentos sociais. Segundo eles, a natureza heterogénea das organizações de movimentos sociais poderá refletir em diferentes aspetos as implicações da introdução e uso das TIC. Os autores defendem que a internet é usada particularmente por dois tipos de estruturas de movimentos: a) redes informais com uma abrangência geográfica grande e (b) grandes e poderosas organizações centralizadas de movimentos sociais.

van de Donk e colaboradores (2004: 16) defendem os seguintes aspetos associados às TIC e à Internet relativamente aos movimentos sociais:

• A internet parece facilitar as formas tradicionais de protesto, até por vezes substituí-las. A facilidade de mobilização não depende somente do meio técnico, mas também, da experiência e dos contactos dos ativistas e das experiências anteriores;

• O que a internet certamente faz é permitir a imediata mobilização ao longo do globo; • A internet pode servir de ferramenta para dar informação que tende a ser suprimida pelos

media mais estabelecidos. Isto é a razão por se constituir fontes e meios de comunicação alternativos como Indymedia;

• O uso da internet tem influência na estrutura interna das organizações de movimentos sociais. As TIC podem ajudar e intensificar a comunicação entre todas as partes de uma organização, pode desafiar extensamente a comunicação vertical descendente. Há ampla evidência de que as TIC conduzem a forjar temporárias alianças e coligações, ambas verticais e horizontais, ao longo de vários movimentos;

Tilly (2004: 106) defende que a utilização das TIC reduz em muito os custos com comunicações, faz ampliar a influência e cobertura do movimento em termos geográficos, além de permitir fortalecer os laços de coesão entre os membros do grupo, sendo estas as grandes vantagens que oferecem as TIC aos movimentos sociais e aos ativistas. Este facto permitiu e facilitou também a internacionalização da ação dos movimentos sociais, pelo que alguns incorporaram fortemente as tecnologias digitais de comunicação nas suas performances e protestos. Tilly (2004:106) com base no estudo de Lance Bennett defende que as TIC estão a causar mudanças profundas e significativas, como:

• As redes estão a tornar-se mais dispersas, em vez de relativamente densas, como acontecia nos primeiros movimentos sociais (convencionais), aspeto que é crucial para a comunicação e coordenação entre os ativistas e membros;

• Enfraquecimento da identificação dos ativistas locais com o movimento como um todo, o que permite a introdução de assuntos locais no discurso do movimento;

• Redução da influência da ideologia no envolvimento pessoal nos movimentos sociais; • Diminuição da importância dada às organizações locais e nacionais, quanto aos aspetos de

base do ativismo dos movimentos sociais;

• Aumento das vantagens estratégicas de organizações com parcos recursos nos movimentos sociais;

• Promoção de campanhas permanentes (por exemplo, antiglobalização, ambientais, etc) com rápidas mudanças de alvos;

• Combinar formatos convencionais face-a-face com performances virtuais.

Bennett (2003) apresenta um conjunto de conclusões com base em observações realizadas junto de atividades de protesto visando empresas e organizações de comércio, a partir de dados do Global Citizen Project15,assim como de ações de envolvimento comunitário, campanhas temáticas, sessões culturais e nas secções de media digital do Center for Communication and Civic Engagement16. Bennett

(2003) apresentou um conjunto de pontos que sugerem compreender a comunicação digital estando na origem de subpolíticas orientadas por aspetos ligados à identidade:

• Campanhas permanentes. O ativismo global é caracterizado por campanhas de comunicação para organizar protestos e tornar públicos os assuntos (ex. antiglobalização, ambientais);

• A redução da ideologia em diversas redes, mas rica em termos de narrativas sobre aspetos de identidade individual e estilo de vida;

15Sítio na internet: www.globalcitizenproject.org

• O uso da internet afeta simultaneamente as características organizacionais das redes e elas podem afetar o desenvolvimento interno das organizações. As redes podem rapidamente reconfigurar as organizações;

• Os novos media podem alterar os fluxos informacionais através dos media de massas. A criação de uma esfera pública baseada em micro media (e-mail, listas) e canais de media como os blogs, os sítios de internet ou as newsletters oferecem aos ativistas um grau importante de informação e independência na comunicação dos media de massas.

Para concluir, a literatura mostra que as estratégias surgem numa complexa interação entre lógica de organizações de movimentos sociais e características dominantes dos mass media. Todavia, a utilização das TIC fazem surgir algumas novas características nas organizações de movimentos sociais, ou até mesmo, novos formatos de organizações com base tecnológica. Todavia, os media tradicionais de massa desempenham ainda um papel importante, pois continuam a ser vistos como atores cruciais na mobilização e no agendamento (no caso de Portugal), mas estes processos estão dependentes das estruturas e do enquadramento profissional dos jornalistas, de rotinas e interesses económicos, o que faz com que os movimentos sociais tentem criar os seus media independentes próprios ou fóruns públicos de discussão, de forma a atingir uma audiência.