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A constituição do Estado e da política social no Brasil

2 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE CUNHO SOCIAL

2.2 ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS

2.2.1 A constituição do Estado e da política social no Brasil

O desenvolvimento de uma perspectiva de Estado de Bem-Estar Social no Brasil, observado a partir da promulgação da CF/1988, assumiu configurações específicas, considerando-se as tradições políticas, econômicas e socioculturais desse país, marcadas por uma dinâmica interna conservadora e por determinações advindas da relação com o exterior, ou seja, da articulação e da dependência com a dinâmica do mercado mundial, desde o processo de colonização, incluindo o período Imperial (1822-1889) e de República (1930-1945) até a atualidade (BEHRING, 2008a).

A afirmação da autora baseia-se nos pressupostos de Florestan Fernandes em sua obra A revolução Burguesa no Brasil (1987), na qual o autor apresenta uma interpretação dialética da formação social e da constituição do Estado no Brasil. Para o autor, a constituição do Estado brasileiro foi caracterizada por mudanças políticas, econômicas e sociais que contribuíram para a consolidação da ordem capitalista no Brasil, marcada pelos seguintes processos: político (abertura dos portos, em 1808, e independência, em 1822); econômico (transformações nas relações entre o capital internacional e a economia interna); sociocultural (surgimento de novos agentes humanos – o fazendeiro de café e o imigrante); e socioeconômico (iniciado com a abolição da escravatura, em 1888, até a Proclamação da República, em 1889).

Fernandes (1987) destaca que a sociedade brasileira assumiu um estilo próprio para o desenvolvimento do capitalismo. Esse processo foi impulsionado pela criação do Estado nacional brasileiro, com o processo de Independência (1822), que marca a transição da sociedade colonial para a sociedade nacional, em que o poder deixa de ser exercido de fora para dentro, para “organizar-se a partir de dentro” (FERNANDES, 1987, p. 31). Contudo, segundo o autor, esse novo cenário abrigava elementos antagônicos: o revolucionário, uma vez que procurava romper com a ordem social em busca de autonomia necessária para a formação da sociedade nacional, inspirado pelos princípios do liberalismo, incorporado pela burguesia, na tentativa de assegurar seus próprios interesses na luta contra os interesses da coroa portuguesa; e o conservador, na medida em que esse processo preservou a ordem

social do período colonial, baseada no trabalho escravo, na concentração de renda, no monopólio do poder pelas elites sem condições materiais e morais para a construção de uma nação autônoma, na marginalização da população e na fragilidade nacional perante as grandes nações. Nesse contexto, o Estado era visto como “[...] meio de materializar os centros de decisão política e de institucionalizar o predomínio das elites nativas dominantes” (BEHRING, 2008a, p. 92). Assim, ocorreu a dominação burguesa na formação do poder político na sociedade brasileira.

No que tange ao processo econômico, Fernandes (1987) destaca que, com a ruptura do estatuto colonial, as atividades de comércio e produção foram internalizadas, ou seja, passaram a ser controladas “por dentro”, e diversificadas no intuito de atender ao mercado externo e aos padrões capitalistas, estando, porém, ainda baseadas na manutenção da escravidão e em uma economia voltada para a exportação. Segundo Fernandes (1987, p. 80), “[...] estamos diante de uma evolução histórica em que o ‘setor velho’ da economia não se transformou nem se destruiu para gerar o ‘setor novo’”. De acordo com Behring (2008a, p. 96), “cria-se uma situação de mercado, em acordo com possibilidades e limites socioeconômicos e culturais de expansão do mercado interno, numa economia voltada para a exportação”. Cabe acrescentar que a internalização do processo de comercialização provocou a entrada do capital estrangeiro, a absorção de instituições econômicas e de tecnologia que contribuíram para o desenvolvimento da economia brasileira, com a introdução de padrões capitalistas no comércio e mudanças no comportamento dos agentes econômicos. Assim, a heteronomia, isto é, a dependência do capital externo, passou a ser a marca estrutural da economia brasileira (FERNANDES, 1987).

Quanto ao processo sociocultural, Fernandes (1987) destaca o surgimento de novos agentes econômicos: o fazendeiro de café, que diversificou suas atividades a partir da modernização das suas fazendas, com o abandono da mão de obra escrava e introduziu novas técnicas voltadas à ampliação da produtividade e do lucro, no intuito de manter o seu monopólio de poder e liderança na vida econômica e política, assegurando a defesa de seus interesses; e a partir de 1870, o imigrante, que trouxe novos conhecimentos e padrões culturais para a economia interna brasileira, contribuindo para ajustá-la ao modelo capitalista.

O processo socioeconômico foi caracterizado pela abolição da escravatura (1888) e a substituição pelo trabalho livre, impulsionados pela crise do poder oligárquico-escravista e pela inserção da economia brasileira à economia internacional. A instituição de um novo regime político no Brasil, com a Proclamação da República (1889), contribuiu, de acordo com Fernandes (1987), para a consolidação do poder da elite brasileira, a partir da constituição de um “Estado burguês”, na medida em que se formou um Estado para assegurar os interesses sociais, econômicos e políticos dessa classe social. De acordo com Behring (2008a, p. 91), no processo de construção de uma nova sociedade nacional, foram decisivos os processos de

[...] ruptura com a homogeneidade da aristocracia agrária, ao lado do surgimento de novos agentes econômicos, sob a pressão da divisão do trabalho [...] Contudo, esse movimento é marcado pela ausência de compromisso com qualquer defesa mais contundente dos direitos do cidadão por parte das elites econômico-políticas. (BEHRING, 2008a, p. 91).

Desse modo, permaneceram intocáveis os componentes conservadores do Estado brasileiro, no intuito de preservar a ordem social. Concordamos com Behring (2008a, p. 95) quando diz que “[...] o Estado brasileiro nasceu sob o signo de forte ambiguidade entre um liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido de garantia dos privilégios estamentais”. Em linha semelhante, Gilda Cardoso de Araújo (2007, p. 11) afirma que

[...] o surgimento do Estado não correspondeu a um processo de gradativa institucionalização da esfera pública e que, portanto, a formalização dos direitos civis e políticos coexistiam com as relações de favorecimento e tutela entre atores desiguais e que os direitos sociais vieram mais como concessão do reformismo das elites políticas do que como consequência de movimentos orgânicos de participação popular.

As primeiras medidas de proteção, no Brasil, originaram-se com mais de trinta anos de atraso em relação aos países centrais do capitalismo (SALVADOR, 2010). De acordo com Jacobi (2003), o sistema de proteção social no Brasil, antes de 1988, era fundamentado num modelo de seguro social, associado institucionalmente e

financeiramente à área de previdência com um modelo assistencial, ou seja, como uma ação pública desprovida de reconhecimento legal como direito, para a população sem vínculos trabalhistas. Desse modo, apenas no início do século XX, temos a estruturação da proteção social brasileira, baseado no modelo bismarckiano alemão, que tinha como objetivo “[...] garantir maior segurança ao trabalhador assalariado e à sua família, em situações de inatividade, numa sociedade urbana na qual não era mais possível manter os vínculos de solidariedade que existiam na estrutura econômica rural” (SALVADOR, 2010, p. 137).

Na década de 1920, houve mudanças em relação à postura do Estado brasileiro, a qual, no período de 1881 a 1919, foi notadamente de cunho liberal. As alterações referem-se a uma maior intervenção do Estado nas questões sociais em resposta à pressão dos trabalhadores (BEHRING, 2008a). Assim, as políticas governamentais de cunho social tiveram seu início no Brasil junto ao processo de industrialização e urbanização do país. A literatura aponta o ano de 1923 como marco inicial desse processo, uma vez que foi estabelecida nesse ano a primeira política pública de previdência social para trabalhadores, por meio do Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, conhecido como a Lei Eloy Chaves. O decreto determinava a criação obrigatória, em cada ferrovia do país, de um fundo de aposentadorias e pensões, as Caixas de Aposentadoria e Pensões – CAPs. Posteriormente, o sistema das CAPs foi estendido a outros setores produtivos. De acordo com Maria Paula Gomes dos Santos (2009, p. 50), “as CAPs eram organizadas por empresas, e o Estado não participava nem do seu financiamento nem da sua administração, tendo como um papel de controle, a distância”, por meio do Ministério do Trabalho. Para Jaime Antonio de Araújo Oliveira e Sonia Maria Fleury Teixeira (1985), essa seria a primeira fase da política social no Brasil, até a revolução de 1930, quando os direitos foram ampliados a um número maior de trabalhadores.

O governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945) produziu grandes transformações políticas no Brasil. Segundo Salvador (2010), a partir de 1930, o Estado passou a intervir na organização da vida econômica e social do país e a regulamentá-la. O início do processo de industrialização provocou mudanças substanciais na estrutura ocupacional da população e sua alocação em diversos setores econômicos, como agricultura, indústria e serviços, o que produziu crescimento das cidades e

problemas sociais, como a falta de assistência à saúde, de habitação e de saneamento básico. De acordo com Oliveira e Teixeira (1985), esse período corresponde à segunda fase de política social no Brasil.

A partir de 1933, Vargas criou diversos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que eram instituições vinculadas aos sindicatos dos trabalhadores, responsáveis por oferecer assistência médica e outros benefícios sociais, como aposentadorias e pensões. Devido a sua vinculação com os sindicatos, os trabalhadores beneficiados eram apenas os sindicalizados; assim, um grande contingente ficou à margem desse sistema. Nessa perspectiva, o sistema de proteção social brasileiro desenvolveu-se de forma fragmentada e excludente. Cabe destacar que ocorreu, nesse contexto, contraditoriamente, o aumento do número de segurados e a conquista de inúmeros direitos trabalhistas40, representando, segundo

Oliveira e Teixeira (1985), a expansão da cidadania no país.

Na CF/1934, por exemplo, foi estabelecido o custeio tríplice da Previdência social com a participação do Estado, dos empregadores e empregados. Contudo, Salvador (2010, p. 147) ressalta que o repasse dos recursos que deveria ser destinado aos institutos de previdência era desviado para outras finalidades. “Na prática, a previdência permanecia sem ônus para o Estado e, ainda, tornava-se um importante instrumento de acumulação de recursos, que foram destinados ao financiamento do processo de industrialização brasileira”. O autor destaca ainda que, nesse período (1930 a 1945), reafirma-se a lógica do seguro privado e assinala-se o apogeu do regime financeiro de capitalização, uma vez que esse modelo entendia que o Estado não deveria custear, por meio do orçamento fiscal, os gastos previdenciários; assim, caberia aos próprios trabalhadores assumir essas despesas.

No período de 1945 a 1963, com o movimento de pressão social e de redemocratização do país após 1945 e com o fim do Estado Novo, os trabalhadores reivindicavam, no âmbito da previdência, a manutenção dos patamares mínimos de suas contribuições e, por outro lado, exigiam a valorização dos planos de benefícios e serviços (SALVADOR, 2010). Nesse período, o autor aponta um aumento dos

40 Getúlio Vargas criou a Justiça do Trabalho (1939) e implantou vários direitos trabalhistas como a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituição do salário mínimo, carteira profissional, semana de trabalho de 48 horas e férias remuneradas.

gastos sociais pela União. Em 1960, há a aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que estabeleceu a uniformização dos planos de contribuição e benefícios entre os diversos institutos e ampliou a cobertura do sistema de seguro social, porém mantinha excluídos os trabalhadores rurais e os trabalhadores sem vínculo empregatício, inseridos em relações precárias e informais no mercado de trabalho.

Em 1966, os diversos Institutos foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), no contexto de uma ordem política autoritária, com o golpe militar de 1964. No INPS, a representação dos trabalhadores e dos empregadores no conselho gestor foi reduzida e o novo conselho da Previdência foi exercido pelos representes do regime militar. Desse modo, ocorreu uma centralização das políticas sociais na execução no governo federal e a exclusão dos trabalhadores da gestão das instituições previdenciárias. Nessa direção, Jacobi (2003) afirma que o sistema de proteção social foi orientado por uma centralização do poder nas mãos de técnicos, sob a justificativa de racionalidade técnica e de eficácia administrativa e pela exclusão dos trabalhadores dos processos decisórios. Toda essa modificação ocorrida nesse período, apesar de indicar a expansão dos benefícios e da assistência, “[...] não alterou os princípios da estrutura da previdência social, que manteve a lógica de seguro, ou seja, o acesso ao benefício somente via contribuição” (SALVADOR, 2010, p. 157).

Evaldo Vieira (1985) destaca que a política social no Brasil percorreu momentos distintos do século XX. O primeiro (1930-1954), discutido anteriormente, compreende o período denominado “Política social como controle da política”, em que a política social se reduziu a um conjunto de deliberações predominantemente setoriais na educação, na saúde, na habitação, na previdência social e na assistência social. Inexistia, assim, por parte da atuação governamental, qualquer preocupação mais profunda com transformações estruturais que alcançassem a essência da política social, na qual, ao contrário, “predominavam o urgente e o atenuante” (VIEIRA, 1985, p. 185), cuja finalidade era garantir a paz social, a manutenção da ordem pública, dentro da preocupação mais geral de evitar conflitos. Entretanto, Vieira (1985) ressalta que foi nesse contexto que a política social se configurou como estratégia de mobilização e, de qualquer maneira, representou um conjunto de direitos da população perante o Estado. “Devido às lutas sociais e às

pressões sobre o poder estatal a política social irrompe como limite de concessão do capitalismo, tomando a forma dos direitos sociais e do bem-estar social” (VIEIRA, 1985, p. 232).

O segundo período corresponde à “Política social como política de controle” (1964-1988), referindo-se o autor à época da instalação da ditadura militar de 1964 até a conclusão dos trabalhos da Constituinte de 1988. A política social nesse período restringiu-se a uma série de ações setoriais, servindo em geral para desmobilizar as camadas carentes da sociedade. “Ela ofereceu serviços, antes de perguntar quais eram as necessidades reais” (VIEIRA, 1985, p. 227). Desse modo, a política social consistiu, sobretudo, em controle da população, num contexto em que desapareceu qualquer representatividade em órgãos de política social em que esta se configurou “como investimento ou encargo, a ser pago por quem já recolhe tributos” (VIEIRA, 1985, p. 232).

Assim, entre 1964 e 1970, ocorreu uma transformação no arcabouço institucional e financeiro da política social, em que foram introduzidos novos mecanismos de financiamento de programas sociais, por meio da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e dos fundos do Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Dava-se início a um sistema de financiamento por meio de fundos especiais que não integravam o sistema fiscal. Segundo Jacobi (2003, p. 14),

[...] um dos maiores problemas do modelo implantado foi o próprio modo de financiamento, sustentado basicamente por contribuições sociais com uma participação residual do sistema tributário, não desenvolvendo quaisquer tipo [sic] de função redistributiva e excluindo parcela substantiva da população.

Em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas), a partir da junção do INPS e do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS). O sistema consistia na reformulação administrativa de atribuições ligadas à previdência e assistência social, a partir da existência de um sistema privado de saúde para o atendimento dos ricos; de planos de saúde destinados a um grupo seleto de trabalhadores assalariados; de seguro público para os contribuintes da previdência social; e os pobres ficavam à margem

da caridade alheia (FALEIROS, 2000). Com o Sinpas, há a confirmação do caráter do seguro social pela lógica da contribuição dos beneficiários. Nessa perspectiva, Salvador (2010, p. 158) salienta que as mudanças ocorridas durante a ditadura militar não conseguiram atingir um padrão de bem-estar social, pois “[...] a expansão dos programas sociais foi seletiva e com o favorecimento do setor privado nas áreas de saúde e previdência (seguros), habitação e educação”, ou seja, o Estado não conseguiu garantir, por meio de recursos públicos, os serviços sociais a todos os cidadãos.

Ao final da década de 1970, no Brasil, o padrão de proteção social existente já apresentava indícios de esgotamento e crise nos aspectos organizacionais e sociais, mas, principalmente, financeiros, marcados pela crise econômica e pela implantação de políticas de ajuste fiscal. No início dos anos de 1980, Jacobi (2003) observa mudanças nas perspectivas dos planos e programas de governo, em que a ênfase foi o fortalecimento da proteção social para as camadas mais vulneráveis da população. Faz-se necessário ressaltar, segundo Salvador (2010, p. 158), que a década de 1980 foi marcada pela recessão econômica nacional resultante do “[...] agravamento da economia capitalista decorrente, sobretudo, da instabilidade macroeconômica: hiperinflação, recessão, ciranda financeira e crise da dívida externa”, comprometendo os investimentos públicos e, consequentemente, as despesas com as políticas sociais.

Foi neste cenário que o Brasil foi tomado por uma grande expansão dos movimentos sociais, com as reivindicações organizadas pelos trabalhadores, estudantes, partidos políticos, entre outros, em período de redemocratização do país, o que possibilitou a incorporação, na CF/1988, de muitas demandas sociais de expansão dos direitos sociais e políticos. Para Romualdo Portela de Oliveira (2007) um dos maiores avanços, em termos de direitos sociais, refere-se ao direito à educação, que aparece no art. 6º, nos seguintes termos: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). Segundo assegura o mesmo autor, no capítulo da educação, art. 205, afirma-se a responsabilidade do Estado na oferta da educação: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Para viabilizar essas propostas e permitir a sua implementação, a Carta Magna estabeleceu a vinculação de percentuais mínimos da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios a serem aplicados à educação. Jacobi (2003, p. 19) afirma:

A extensão dos direitos sociais se expressa através da ampliação dos deveres do Estado e da descentralização dos recursos para Estados e municípios em decorrência da reforma tributária. Na área da educação, acresce-se a aplicação obrigatória de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino.

Assim, a CF/1988 abriu a possibilidade da construção de um sistema universal de proteção social, baseado na concepção social-democrata e nos pressupostos do Estado de Bem-Estar Social europeu. Porém, o processo de implantação dos direitos sociais não se concretizou; ao contrário, observou-se, segundo Behring (2008a, p. 129), um processo de contra-reforma41, que acabou

com a possibilidade política, ainda que limitada, de uma “reforma democrática no país, que muito possivelmente poderia ultrapassar os próprios limites da social- democracia, realizando inacabadas tarefas democrático-burguesas em combinação com outras de natureza socialista”. Nessa perspectiva, Araújo, G. (2007, p. 9) ressalta:

Essa introdução tardia da concepção universalista dos direitos sociais guarda relação com a não institucionalização de uma esfera pública democrática, pois os ideais de igualdade e justiça eram e ainda são introduzidos numa sociedade marcada por relações verticalizadas e autoritárias e, portanto, fraturada internamente por suas contradições.

Nessa perspectiva, para Jacobi (2003), no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), com o processo de desmantelamento da ação estatal e dos programas destinados aos setores mais pobres da população, consolidou-se um

41 A autora realiza uma crítica ao termo “reforma”, que, em sua opinião, é inadequado para se referir

às mudanças ocorridas no Brasil nos anos 1990, tendo em vista a “apropriação indébita e fortemente ideológica da ideia reformista, a qual é destituída de seu conteúdo progressista e submetida ao uso programático, como se qualquer mudança significasse uma reforma, não importando seu sentido, suas consequências sociais e direção sociopolítica” (BEHRING, 2008a, p. 128).

processo de desmonte das políticas sociais. Assim, foi nesse governo que a agenda neoliberal encontrou terreno fértil para sua implantação no Brasil, por meio das denominadas “reformas” orientadas para o mercado como complemento do processo de modernização, tendo em vista a recuperação da sua capacidade financeira e gerencial. Conforme Maria Clara Couto Soares (2009, p. 36), esse governo

[...] implementou diversos programas de estabilização, cortou gastos públicos, renegociou dívida externa, promoveu abertura comercial, flexibilizou e estimulou o ingresso de capitais estrangeiros, deu início ao programa de privatização, eliminou diversos programas de incentivo e controle de preços, aumentou exportações, além de ter desmantelado os serviços e políticas públicas.

A autora salienta, ainda, que os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) deram continuidade às “reformas” neoliberais, por meio da ampliação do processo de abertura econômica, da intensificação da privatização e da aprovação de uma série de mudanças constitucionais que coincidem com as propostas do Banco Mundial42, como “a reforma do sistema previdenciário, a revisão