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4 PERCURSOS METODOLÓGICOS

4.2 SEGUNDO MOMENTO: EM BUSCA DE INDÍCIOS

Se o documento existe fora do pesquisador, para que possa extrair dele dados da realidade, é preciso que assuma uma posição ativa na produção de conhecimento: localiza, seleciona, lê, relê, sistematiza, analisa as evidências que apresenta. (EVANGELISTA, s. d., p. 5).

Para contextualizar o nosso campo de estudo, fez-se necessário, nesse momento, a busca pelos documentos, no âmbito da Seme-Vitória, no que diz respeito à legislação educacional, aos serviços oferecidos de educação especial, a organização do sistema de ensino e dos balanços anuais. Para isso, foi necessário

adentrar os diferentes setores da Seme-Vitória, como o de educação especial, o setor de recursos humanos e a secretaria de planejamento, na tentativa de constituir um corpus de dados que nos ajudasse a descrever a educação nesse município, assim como a identificar os documentos referentes à educação especial.

A coleta de dados em alguns setores da secretaria foi um processo moroso e difícil, marcado por idas e vindas. O principal argumento para não se obterem os dados em valores da educação especial era que os recursos e os gastos da educação especial estavam agregados às outras etapas e modalidades de ensino, sendo, assim, impossível chegar aos seus valores inteiros. Além disso, alguns profissionais e/ou setores mostraram certo receio em apresentar e/ou disponibilizar as planilhas dos balanços da secretaria e em expor à pesquisa a realidade dos gastos com a educação.

O início da pesquisa, na Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), foi em 31 outubro de 2011, quando a coordenadora da Coordenação de Formação, Acompanhamento à Educação Especial80 (Cfaee) entrou em contato com a

pesquisadora para informar sobre a autorização da pesquisa. Posteriormente, foi agendada uma reunião com a equipe (22 de novembro de 2011), para apresentação dos objetivos do estudo, e, em seguida, foi necessário também conversar com a subsecretária de educação (14 de fevereiro de 2012) já que a pesquisa envolvia outros setores. Ela nos encaminhou ao setor de Gerência Orçamentária e Financeira da Seme-Vitória para ter acesso aos balanços da secretaria. Porém, após nos reunirmos com o coordenador do setor (4 de maio de 2012), ele informou que não seria possível ter acesso aos dados brutos do balanço da secretaria e disse que iria realizar um levantamento dos gastos referentes à educação especial. Entretanto, o relatório entregue à pesquisadora (10 de maio de 2012) foi sintético e superficial, sem indicações de fonte e, portanto, inviável para se constituir como material de pesquisa. Como não foi possível ter acesso aos balanços pela via da Gerência Orçamentária e Financeira, recorremos à Secretaria Municipal de Fazenda (Semfa), que disponibilizou, com rapidez, os Demonstrativos da natureza e despesa – Anexo 2; do Programa de Trabalho – Anexo 6; das funções, subfunções e Programas por

80 O Cfaee desenvolve ações relacionadas às especificidades do setor de educação especial no

âmbito da educação infantil, do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos, além do levantamento de demandas e do encaminhamento de temáticas específicas da área para formação continuada.

categorias econômicas - Anexo 7 da Seme-Vitória; Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) – Demonstrativo das receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino – Anexo X (Lei 9.394/1996, art. 72) e Demonstrativo da execução das despesas por função e subfunção – Anexo II (LRF, art. 52, alínea c), onde foi possível visualizar as receitas e despesas destinadas à educação no município de Vitória.

Na busca de outra fonte de dados que nos auxiliasse no desenvolvimento da pesquisa, recorremos ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TC-ES). Assim, na tentativa de obter autorização para consulta, protocolamos a solicitação em 6 de novembro de 2013 e no dia 20 de novembro de 2013, recebemos a resposta com o deferimento do processo para termos acesso aos relatórios de prestação de contas do município de Vitória. A partir da leitura dos documentos, observamos que os demonstrativos de despesas eram os mesmos disponibilizados pela Semfa, porém com os valores empenhados.

Outra fonte que nos ajudou a compreender o processo de financiamento da educação e ter acesso aos dados dos demonstrativos de despesas do município foram os relatórios do Conselho Municipal de Educação de Vitória (Comev), responsável por participar da elaboração, do acompanhamento e da avaliação de planos, programas e projetos educacionais, bem como por acompanhar e avaliar a prestação de contas no que se refere à aplicação de recursos do Fundeb. Assim, tivemos acesso aos relatórios do Comev dos anos 2008, 2009 e 2010.

De posse desse material, iniciamos a árdua tarefa de nos apropriarmos da linguagem técnica e contábil para ser possível mapear e compreender as receitas e despesas relacionadas à educação no âmbito do município. O que parecia tarefa simples tornou-se tarefa extremamente complexa, pois exigiu pesquisa e conhecimento prévio de terminologias e conceitos da área da administração pública. Nesse processo, também consultamos documentos oficiais que traziam informações totais ou parciais das receitas e despesas realizadas pelos municípios. Na legislação brasileira, encontramos normas gerais que orientam a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios, na tentativa de assegurar a transparência, o controle e a fiscalização dos recursos públicos. A Lei 4.320/1964 assim estabelece:

Art. 111. O Conselho Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda, além de outras atribuições, para fins estatísticos, de interesse nacional, organizará e publicará o balanço consolidado das contas da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, suas autarquias e outras entidades, bem como um quadro estruturalmente idêntico, baseado em dados orçamentários. [...]

Art. 112. Para cumprimento do disposto no artigo precedente, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal remeterão ao mencionado órgão, até 30 de abril, os orçamentos do exercício, e até 30 de junho, os balanços do exercício anterior. [...]. (BRASIL, 1964). Na Lei Complementar nº 101/2000, no capítulo IX, “Da transparência, controle e fiscalização”, encontramos os mecanismos utilizados para garantir a transparência da gestão fiscal.

Art. 48 São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. [...]

Art. 49 As contas apresentadas pelo Chefe do poder executivo ficarão disponíveis durante todo o exercício, no respectivo poder Legislativo e no órgão Técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade. [...]

Art. 51 O Poder executivo da União promoverá, até o dia trinta de junho, a consolidação, nacional e por esfera de governo, das contas dos entes a Federação relativas ao exercício anterior, e a sua divulgação, inclusive por meio eletrônico de acesso público.

§ 1º Os Estados e os Municípios encaminharão suas contas ao Poder Executivo da União nos seguintes prazos:

I- Municípios, com cópia para o Poder Executivo do respectivo Estado, até trinta de abril;

II- Estados, até trinta e um de maio.

§ 2º O descumprimento dos prazos previstos neste artigo impedirá, até que a situação seja regularizada, que o ente da Federação receba transferências voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida imobiliária. (BRASIL, 2000).

Cabe ressaltar ainda o que prevê a Lei 12.527/2011:

Art. 8º - É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.

§ 1º Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão constar, no mínimo:

I - registro das competências e estrutura organizacional, endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público;

II – registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros;

III – registros das despesas;

IV- informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados;

V- dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidade; e

VI- resposta a perguntas mais frequentes da sociedade.

§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). [...].

Assim, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), criada em 10 de março de 1986 e vinculada ao Ministério da Fazenda, configura-se como órgão central dos sistemas de administração financeira e de contabilidade federal. E, por meio da integração dos sistemas de programação financeira, de execução orçamentária e de controle interno do Poder Executivo, gera informações gerenciais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, para fins de transparência e controle da gestão fiscal. Contudo, como nos alerta Ana Paula Santiago Nascimento (2012, p. 32), a coleta de dados orçamentários e financeiros no Brasil deve ser feita com cautela, considerando que as informações são ainda incipientes e contraditórias:

A maioria dos dados disponíveis nos diferentes sites utiliza-se de metodologias distintas, agrega receitas e despesas sem especificações claras, nas quais não é possível descobrir quais os critérios utilizados para a contabilização e o que de fato está agregado, sendo que, por vezes, não possuem séries históricas ou são coletados diferentemente ano a ano, o que impossibilita tal análise, além de serem publicados e republicados para correções contábeis sem indicações de atualizações, entre outras coisas. Nesse sentido, escolhemos com fonte de dados para as receitas municipais a STN, por meio do banco de dados Finbra, e o FNDE, recorrendo ao Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope).

O Finbra constitui um banco de dados com informações da execução orçamentária (receitas e despesas por função e subfunção), a posição patrimonial (ativo e passivo) e o demonstrativo de variações patrimoniais, dados esses extraídos dos balanços consolidados, individualizados, dos municípios brasileiros, divulgados pela STN. Sua criação decorre das disposições dos arts. 111 e 112 da Lei nº 4.320/1964 e do art. 51 da Lei Complementar nº. 101/2000, relacionadas com a obrigatoriedade da organização e publicação, até 30 de junho de cada ano, das contas consolidadas dos entes da federação, relativas ao ano anterior. A coleta de informações do Finbra era realizada pelo Sistema de Coleta de Dados Contábeis – SISTN – da Caixa Econômica Federal. Assim, compete aos municípios81 preencher

o formulário “Quadro dos Dados Contábeis Consolidados Municipais”, previsto na Portaria STN nº 683, de 6 de outubro de 2011 (BRASIL, 2011c), com os dados extraídos dos seus balanços, e encaminhá-los, sob a forma de papel, disquetes ou, preferencialmente, via internet, para a Caixa. Esta recebe os dados, consolida-os em arquivo eletrônico próprio e providencia o seu encaminhamento à STN, que, por sua vez, promove o tratamento dos dados recebidos com o propósito de cumprir suas atribuições legais e atender às suas demandas de informações. Na base de dados do Finbra, consultamos os anos de 2008, 2009 e 2010 e as informações disponíveis no “Quadro dos Dados Contábeis Consolidados municipais ‒ Balanço Patrimonial - Ativo”, em 30 de março de 2014.

O Siope constitui um sistema eletrônico, operacionalizado pelo FNDE, instituído pela Portaria nº 844, de 8 de julho de 2008 (BRASIL, 2008c), para coleta, processamento, disseminação e acesso público às informações referentes aos orçamentos da educação da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Os poderes executivos de cada ente federado, de acordo com suas respectivas competências, eram responsáveis pela exatidão e fidedignidade das informações prestadas nesse sistema82. A partir de 1º de janeiro de 2009, o

preenchimento completo e atualizado do Siope pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios se tornou condição para a celebração de convênios e termos de cooperação com o MEC ou órgãos da administração direta a ele vinculados. Essa base de dados foi utilizada para a correção dos valores de receita apresentados pelo

81 No caso do município de Vitória, essa ação era realizada pela Semfa.

82 No município de Vitória quem realizava o preenchimento do formulário do Siope era o coordenador

Finbra, no que tange aos valores de multas, juros de mora e dívida ativa, bem como aos valores de aplicação financeira do Fundeb e de transferências do FNDE, não apresentados no Finbra.

Cumpre destacar que os dados de receita obtidos no Finbra e no Siope foram comparados aos dados fornecidos pela Semfa, os quais também não apresentavam os valores de aplicação financeira do Fundeb e de transferências do FNDE. A constatação das discrepâncias nos valores das receitas e despesas do município, nas diferentes fontes, permite deduzir que a contabilização das receitas e despesas não segue a regra ou norma padronizada.

A fonte para os dados de despesa foi a Semfa do município de Vitória, responsável pela gestão financeira e tributária do município. Optamos por essa escolha, tendo em vista que a Semfa disponibilizou para pesquisa dados com valores empenhados e liquidados do Demonstrativo de Despesa da Secretaria de Educação, bem como o detalhamento das despesas (correntes e de capital), o que era fundamental para visualizar as despesas dirigidas à educação especial, uma vez que isso não foi possibilitado com as outras fontes83. Desse modo, utilizamos os

valores de despesa liquidada84.

Os dados sobre matrículas das etapas e modalidades da educação básica foram extraídas das páginas do Censo Escolar e Microdados do Censo Escolar, no

site do Inep. As informações sobre os recursos financeiros no Fundeb foram

extraídas do site do FNDE. E algumas informações foram complementadas pelos dados fornecidos pelo Sistema de Monitoramento, Execução e Controle (Simec), módulo público, desenvolvido pelo MEC. Esse sistema viabilizava informações sobre a gestão integrada de funções administrativas, como a programação orçamentária, a gestão de projetos e o planejamento de metas, desenvolvidos no âmbito desse Ministério, por regiões, estados, municípios, ações, programas e secretarias. Diante da existência de diferentes fontes de dados utilizados para análise, todas foram indicadas nos gráficos, nos quadros ou nas tabelas, no decorrer do texto.

83 Os dados de despesa do Finbra correspondiam aos valores empenhados, por isso foram

desconsiderados. As informações disponíveis no Siope não apresentavam os dados pormenorizados da educação especial, por isso não foram utilizados, e seus valores eram distintos dos disponíveis do Finbra e da Semfa.

84 Verificação do direito adquirido pelo credor de receber o pagamento (BRASIL, 1964). É o segundo

Cabe destacar as discrepâncias no número de matrículas do público da educação especial nas distintas fontes que ofereciam informações sobre a distribuição por tipo de deficiência, mesmo em fontes de informação oficiais (como o caso do Simec e dos Microdados) que têm como base o Censo Escolar. Essas diferenciações podem ser compreendidas a partir de alguns aspectos: o primeiro refere-se as mudanças nas categorias do Censo Escolar. O segundo se remete à observação encontrada no portal do Simec, em que se afirmava que “nesse indicador pessoas com mais de um tipo de deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação é contado em duplicidade” (SIMEC, 2014). O terceiro aspecto se relaciona com a inserção ou não das matrículas do atendimento educacional especial, a partir de 2010, com a contabilização da dupla matrícula da educação especial no Fundeb. Assim, observamos que algumas fontes duplicaram o número de matrículas no seu banco de dados (como o microdados) e outras não (como o Simec e a Seme-Vitória); e o quarto se refere à data de coleta de dados e a quem informa esses dados ao Censo Escolar, bem como a quem sistematiza essas informações no âmbito das secretarias de educação.

Para organização dos dados, foi necessário, em primeiro lugar conhecer as informações disponíveis, entender a forma de prestação de contas do município, para, assim, reconhecer quais informações disponíveis estavam adequadas à pesquisa. Posteriormente, realizamos a conversão de dados para planilha do Excel, a organização em tabelas e gráficos, a atualização monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE, de dezembro de 2014 e a discussão das análises.

4.3 TERCEIRO MOMENTO: ORGANIZAÇÃO, SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DOS