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A Constituição Federal de 1988 e a Proteção ao Meio Ambiente

As disposições constitucionais brasileiras280 consagram o direito ao desenvolvimento, sendo um direito social do ser humano, alçando-o à categoria de princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, que a seguir transcreve-se in verbis, por sua importância:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...). II – garantir o desenvolvimento nacional.

Assim, o legislador constitucional recepcionou na ordem interna o desenvolvimento nacional como um dos princípios republicanos, conforme transcrito. Portanto, tornou-se um paradigma sua aplicação, pois, em decorrência disso, estabelece uma moldura jurídica, por onde transitam ações relativas ao desenvolvimento nacional. Dessa forma, é dever do Estado brasileiro organizar o modo de produção, de modo a manter o equilíbrio entre o capital e o trabalho, entre o que seja público e privado, com base em premissas democráticas e republicanas.

278 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito, p. 1.

279 Renascimento foi um movimento cultural da história européia, considerado pelos historiadores como um

marco final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Foi o momento em que proliferaram a ciência, as artes e a cultura em geral. Considera-se o que o Renascimento tenha iniciado no século XIV em Itália e no século XVI no norte da Europa.

Comentando esse comando constitucional, Silva afirma:

“O modelo de desenvolvimento presente na Constituição de 1988 privilegia as dimensões social, democrática e nacional, submetendo a execução de políticas públicas governamentais à sua observância, de maneira independente e coordenada.”281

Dentre as novas disposições legais havidas pela Constituição de 1988, destaca-se a inovação contida no art. 225, a seguir transcrito, que promove a defesa e a proteção do meio ambiente:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A matéria se configura de extrema importância, não só em razão dos valores intrínsecos e extrínsecos nela contidos, já que o meio ambiente, embora já houvesse sido contemplado em nível infraconstitucional em uma legislação esparsa, até então não se encontrava devidamente tutelado na esfera constitucional.

Abordando esse tema, Benjamim dispõe:

“O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de terceira dimensão, alicerçado na ‘fraternidade’ ou na ‘solidariedade’. Nessa categoria, tem- se direitos que não se destinam especificamente a prestação dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem-se primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existência concreta.”282

No Direito Comparado há igualmente o instituto jurídico do Desenvolvimento Comparado, o que demonstra que os efeitos almejados pela Rio-92 já se concretizaram de certa forma. Sobre o tema, Aragão comenta:

“Em primeiro lugar, parece-nos claro que o modelo de desenvolvimento econômico e social subjacente ao quarto pressuposto é o desenvolvimento sustentável. Este modelo foi consagrado tanto nos próprios Tratados (art. 2 do TUE e 2 do TCE) como no direito derivado, designadamente o Quinto Programa de Ação em matéria de ambiente, sugestivamente denominado ‘rumo a um desenvolvimento sustentável’.

281 SILVA, Guilherme Amorim Campos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004. p. 112.

282 BENJAMIN, Herman Antonio. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira.

In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; COELHO, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional

Com este pressuposto, pretende-se evitar a repetição do dever de respeito pelas diversidades regionais e da afirmação do nível de proteção elevado, se crie, no domínio do ambiente, uma Europa a duas velocidades (...).”283

É de rigor observar que o País emergia de um período autoritário, no qual não havia sequer o respeito ao ente humano,284 quanto o mais ao meio ambiente. Nesse período do arbítrio e da exceção285 é que se deu início à devastação da floresta Amazônica por via de um projeto faraônico, consubstanciado na construção da Transamazônica.286

De boa memória lembrar que, paralelamente às preocupações ambientais universais surgidas na década de 1970, o Brasil vivia o que o senso comum passou a designar por milagre econômico.287

Justamente, a combinação de um crescimento econômico acelerado com o autoritarismo e a exceção288 é que levou a um desrespeito acentuado ao meio ambiente, como atualmente é o caso chinês.

Superado esse período da história, promulgou-se uma nova Constituição Federal, reorganizando-se o tecido social e econômico brasileiro por meio de um novo pacto federativo. Em relação ao meio ambiente, produziu-se uma principiologia, com a expedição

283 ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da União Européia. In: CANOTILHO, José

Joaquim Gomes; COELHO, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 11.

284 Até os dias presentes não estão totalmente esclarecidas as violações aos direitos humanos pelo regime militar.

Recomendamos a leitura do Livro Tortura nunca mais da Comissão de Direitos Humanos da Igreja Católica, ou uma visita ao sítio eletrônico do “Grupo Tortura Nunca Mais”, onde poderá ser verificado que o último assassinato político no Brasil ocorreu ainda em 1983, com a eliminação de Margarida Maria Alves. <http://www.torturanuncamais-rj.org.br/M_D.asp?refresh=2007032308432590921811>.

285 O período do regime autoritário inicia-se em 31.03.1964 e formalmente encerra-se em 1985 com a posse do

presidente José Sarney. Para um aprofundamento do tema, recomendamos a leitura da série de Elio Gaspari.

A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura encurralada e A ditadura derrotada, da Cia. das Letras, São Paulo, 2004.

286 A Rodovia Transamazônica (BR-230) foi inicialmente projetada para ser uma rodovia pavimentada com 8

mil km de comprimento, conectando as Regiões Norte e Nordeste do Brasil com o Peru e o Equador, com apenas 2.300 km de comprimento cortando os estados brasileiros de Pará e Amazonas. Para maiores informações sobre o tema, visite o sítio eletrônico <http://www.amazonialegal.com.br /textos/ Transamazonica.htm>.

287 O termo “milagre econômico” é a denominação dada à época do crescimento econômico ocorrido durante a

ditadura militar. Nesse período do desenvolvimento brasileiro em que houve concentração de renda e aumento da pobreza, instalou-se o “Brasil potência”, com a difusão do bordão “Brasil, ame-o ou deixe-o”, inspirado no lema da extrema direita norte-americana durante o ápice das manifestações contra a guerra do Vietnã, “live, or let it”.

288 Esse período ficou conhecido como o milagre econômico brasileiro. A propaganda oficial alardeava que

“primeiro o bolo deve crescer para depois ser repartido” para justificar a excessiva concentração de renda ocorrida no período.

de normas constitucionais direcionadas à proteção e defesa do meio ambiente, cujo manto encobre a sociedade como um todo, inclusive nos planos dos interesses coletivos e difusos.

Sobre o tema, é mister conhecer os ensinamentos de Celso Bastos:

“Essa postura do legislador supremo torna as ‘deseconomias externas’ (utilização do bem da coletividade a custo zero, como as águas dos rios para a indústria de celulose; os peixes, para a indústria de produtos alimentícios) sujeitas a regras especiais e até a tributo compensatório pelos danos ao meio ambiente, cuja instituição é permitida pelo art. 149 (contribuições especiais para intervenção no domínio econômico).

(...) Por fim, cabe, também, à coletividade tal preservação. E a ação civil pública – de que é titular o Ministério Público – pode ser utilizada por sociedades civis organizadas com objetivos ecológicos também definidos, sempre que sentirem que o meio ambiente foi atingido.”289

Por bem entendeu o legislador ordinário, em obséquio ao diploma máximo, que era necessária a sistematização dessa nova ordem, estabelecendo uma legislação infraconstitucional que, entre outras temáticas, dissesse respeito a:

• bens ambientais;

• licenciamento ambiental e estudo prévio de impacto ambiental; • zoneamento ambiental e espaços especialmente protegidos; • flora e aspectos de defesa;

• fauna e aspectos de defesa; • recursos hídricos;

• poluição sonora; • poluição visual; • poluição atmosférica;

• poluição por resíduos sólidos; • poluição por atividades nucleares.

A listagem é meramente exemplificativa e não tem por propósito esgotar a temática. Ao contrário, insinua-se apenas que a normativa constitucional deu vezo à criação de uma nova disciplina, a do Direito Ambiental, que no caso do Brasil encontra-se entre as mais desenvolvidas, até porque a diversidade ambiental brasileira destaca-se no cenário mundial por sua riqueza e abundância.

289 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: