• Nenhum resultado encontrado

Porém, não olvidemos que a globalização traz malefícios. Populações inteiras têm sido marginalizadas, levando cada vez mais a um movimento migratório da periferia para o centro do capitalismo, como é o caso das populações miseráveis78 que buscam nova vida na

Europa.

Ou mesmo o caso da América Latina, cujos refugiados econômicos migram em direção aos Estados Unidos da América.79 O problema populacional torna-se uma verdadeira crise humanitária, vez que as ciências médicas têm prolongado a vida dos seres humanos, quebrando um sistema social, previdenciário e securitário planejado com uma determinada expectativa de vida, a qual se vem alongando.

76 Common Law é um sistema legal oriundo do Reino Unido, utilizado ali e na maioria dos países que foram

colônias ou territórios britânicos, como é o caso dos Estados Unidos. Sua característica principal é a valorização dos Leading Cases.

77 REZEK, João Francisco. O direito internacional no alvorecer do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36. 78 Em geral, esse movimento migratório tem ocorrido por parte de populações africanas.

79 Esse tema tem-se tornado um grande contencioso entre os Estados Unidos e o México em razão da imigração

Malthus80 elaborou estudos sobre a população, contidos em dois livros, conhecidos como Primeiro e Segundo Ensaio. Tanto o primeiro – que apresenta uma crítica ao utopismo – quanto o segundo ensaio têm como princípio fundamental a hipótese de que as populações humanas crescem em progressão geométrica e os alimentos, em progressão aritmética.

Segundo ele, esse crescimento populacional é limitado pelo aumento da mortalidade e por todas as restrições ao nascimento, decorrentes da miséria e do vício. A economia clássica já se preocupava com o desenvolvimento e a sobrevivência do ser humano sobre a face da Terra.

Assim, qualquer melhoria no padrão de vida da grande massa é temporária, pois ela ocasiona um inevitável aumento da população, o que acaba impedindo qualquer possibilidade de melhoria duradoura.

Gellner81 afirma que, “Previamente, a Humanidade agrária vivia num mundo Malthusiano no qual a escassez de recursos em geral condenava o homem a apertadas formas sociais autoritárias, à dominação por tiranos, primos ou ambos”.

A teoria malthusiana, bem como outras teorias da economia clássica, foi paulatinamente negada, mas o que permeia o pensamento pós-Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra a partir do século XVIII, é que a sobrevivência da espécie humana estaria vinculada ao meio ambiente e sua harmonização para com ele.

A grave crise alimentar por que passam determinadas regiões do globo, fruto não da escassez, mas, sim, da má distribuição e concentração de renda, gera conflitos militares, como é o caso de Dafur no Sudão.82

A engenharia genética, cujo resultado é uma produção alimentar de melhor qualidade a preços mais acessíveis, não tem chegado próximo às populações que mais necessitam, embora cause entre ambientalistas profícua discussão.

80 Thomas Robert Malthus foi um economista e ensaísta britânico que apresentou uma crítica ao utopismo. 81 GELLNER, Ernest. Pós-modernismo: razão e religião. São Paulo: Instituto Piaget, 1995. p. 35.

A exclusão tecnológica é um outro tema de importância atual. A falta de acesso à tecnologia tem criado uma dimensão de analfabetos tecnológicos que, decididamente, não poderão participar dos benefícios da expansão econômica.

Aqueles denominados de desempregados estruturais, ou, como preferem os anglofônicos, “jobless recovery”, jamais conhecerão o emprego formal, caindo na marginalidade e na assistência social, quando não for o caso de serem abrigados pelo crime organizado, que rapidamente se globalizou, expandindo suas teias para o interior da sociedade. Portanto, não mais se discute como acabar com o narcotráfico, e sim como conviver com ele.

Nesta esteira, a questão dos direitos humanos não pode ser olvidada. Assim, Bobbio observa:

“A princípio, a enorme importância do tema dos direitos do homem depende do fato de ele estar extremamente ligado aos dois problemas fundamentais de nosso tempo, a democracia e a paz. O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições democráticas dos direitos do homem em cada estado e no Sistema Internacional.”83

Também neste esteio, verificamos em Piovesan a seguinte assertiva:

“Desse modo, ao lado da preocupação de evitar a guerra e manter a paz e a segurança internacional, a agenda internacional passa a conjugar novas e emergentes preocupações relacionadas à promoção dos direitos humanos. A coexistência pacífica entre os estados, combinada com a busca inédita de formas de cooperação econômica e social e de promoção universal dos direitos humanos, caracteriza a nova configuração da agenda da comunidade internacional.”84

De onde se pode concluir que se encontra na agenda mundial, a despeito de todo o movimento econômico e das transações comerciais, e dos fluxos financeiros, o respeito aos direitos humanos, em relação aos quais, segundo a expertise no tema, já nos encontramos em sua quarta dimensão.

Crítico acerbo e contundente do liberalismo econômico, o economista norte- americano Joseph Stiglitz85 tem criticado de forma contundente o que denomina de “bases ideológicas” que regem as decisões econômicas mundiais. Para Stiglitz, o Fundo Monetário Internacional (FMI) leva os países subdesenvolvidos, com a liberalização de seus mercados domésticos, à competição externa antes que possuam marcos regulatórios institucionais que

83 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Campus, 2004. p. 223. 84 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 126. 85 Stiglitz é considerado um economista neokeynesiano, tem-se dedicado a analisar o desenvolvimento

econômico no mundo, e se filia a uma corrente de pensamento que se denominou “novos desenvolvimentistas”.

protejam as instituições, e em última instância, os seus cidadãos. O economista tem enfatizado a necessidade de se ir além do chamado Consenso de Washington. Sobre a relação entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional, asseverou:

“As respostas do mercado aos grandes aumentos nas taxas de juros que se seguiram à desvalorização do Brasil em janeiro de 1999 ilustram as correntes contrastantes. O FMI pressionou o Brasil a aumentar as taxas de juros, afirmando que isso restauraria a confiança. (Sua análise da psicologia do mercado não pareceu ser muito mais profunda do que isso.) Muitos analistas, principalmente no Ocidente, reagiram de maneira bastante contrária: o impacto imediato das taxas de juros mais altas foi elevar o tamanho do déficit do governo, que havia se tornado emblemático da natureza dos problemas do país. As altas taxas de juros, na perspectiva deles, enfraqueceram a confiança. Por outro lado, muitos investidores no Brasil preocupavam-se particularmente com a possibilidade de que a desvalorização pudesse desencadear uma espiral inflacionária, e viram a alta taxa de juros como um sinal de que isso não aconteceria. Para eles, a taxa de juros elevada ajudou a melhorar a confiança. Alguns economistas no Banco Mundial insistem para que o Brasil adotasse uma estratégia alternativa: uma política monetária com metas de inflação. Dado o baixo nível de inflação e o alto desemprego, isso teria permitido a adoção de uma taxa de juros mais baixa – tranqüilizando aqueles que se assustavam com o tamanho do déficit –, ao mesmo tempo em que encorajaria os que se preocupavam com a inflação. Esta foi a política que o Brasil acabou por adotar.”86

Outro subproduto da globalização, não o pior deles, mas uma ameaça à segurança e à prosperidade (vez que a globalização simbolizaria o poder do capitalismo), gerado por setores sociais excluídos do processo, são os denominados conflitos de tensões, trazendo para a luta política a via do terrorismo internacional,87 que tem ceifado vidas e ameaçado a estabilidade política de governos constituídos.

A simples possibilidade técnica da elaboração de um artefato nuclear por países proscritos da sociedade internacional ou mesmo o acesso de grupos fanáticos a esses artefatos têm representado um enorme gasto com segurança, que certamente poderia ser revertido para o bem-estar das populações que se encontram marginalizadas.

O terrorismo tem sido uma ameaça constante no mundo atual, e a conseqüência prática, além da perda de vidas humanas inocentes, é a elevação dos custos com transporte, segurança, logística, inteligência, entre outros.

86 STIGLITZ, Joseph. Rumo a um novo paradigma em economia monetária. São Paulo: Francis, 2004. p. 263. 87 Terrorismo é uma concepção de luta política que consiste no uso de violência indiscriminada por indivíduos,

O terrorismo88 ganhou significados variados e polivalentes, em face da dimensão que esse tipo de ação política vem alcançando atualmente.

O tempo dos carbonários89, anarquistas italianos que usavam o terrorismo como arma política voltada contra e tão somente aos poderosos, foi sucedido por ações indiscriminadas, gerando temor que inflige um dano a um agente indefinido ou irrelevante. O objetivo da ação terrorista é gerar o pânico na população, desorganizando o tecido social.

Contudo, certamente, a ameaça de maior vulto trazida pela globalização é a questão ambiental. O crescimento do comércio mundial demanda a expansão do parque industrial, a obtenção de recursos energéticos cada vez mais caros e escassos, a devastação da natureza e, o mais temido e emergencial tema, o aquecimento global. Esses efeitos poderão comprometer a existência de futuras gerações na face da Terra.

O crescimento desordenado da economia e a exploração do meio ambiente têm produzido efeitos danosos que desde já podem ser verificados.

Não há voz discordante quanto aos temíveis efeitos gerados pela destruição do meio ambiente e seus malefícios para os entes que habitam o planeta dentro de uma perspectiva que não seja somente a jurídica. Contudo, o enfoque dado pelo presente trabalho vislumbrará os desdobramentos jurídicos de tal fenômeno, não sem antes contextualizar o cenário internacional do comércio.

Dessa forma, o presente trabalho irá cotejar, primordialmente, os instrumentos legais e jurídicos, tanto na ordem interna das jurisdições quanto o instrumental tratadístico internacional existente, de modo a verificar sua aplicabilidade, eficácia e, principalmente, extensão.

88 Para estudar esse fenômeno no Brasil, recomendamos a leitura do Minimanual do guerrilheiro urbano, de

autoria de Carlos Marighella, que influenciou mundialmente a luta armada e o terrorismo urbano. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/marighella/1969/minimanual doguerrilheirourbano/index.htm>.

89 A Carbonária era uma sociedade secreta e revolucionária que atuou na Europa no princípio do século XIX.

Tinha a ideologia assentada em princípios anarquistas. Participou das Revoluções de 1820, 1830-1831 e 1848.

2

A FORMAÇÃO DO SISTEMA MULTILATERAL