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A livre circulação de fatores produtivos, bens, serviços e pessoas enunciada no preâmbulo do Tratado de Constituição da União Européia56 e do Mercosul,57 inclusive, atingiu uma dimensão sem paralelo na história humana, difundindo a idéia de globalização por todos os vetores sociais. A globalização provou não ser um fator estático. Ela possui ritmo próprio crescendo e renovando a cada dia, trazendo, de um lado, soluções ao cotidiano humano por meio da aplicação de fatores tecnológicos, gerando riquezas, ampliando o comércio, reconfigurando padrões internacionais, tornando acessíveis as benesses do progresso às amplas camadas da população.

A formação da União Européia, bloco multinacional e multicultural cuja origem remonta aos tratados firmados na década de 1950,58 tem-se constituído em um desafio para a

compreensão exata de sua dimensão jurídica. Não se pode tratar a formação da União Européia como perda de soberania por parte dos países que a integram. Modernamente, a abordagem dessa disciplina é encarada de maneira diferente.

Abordando o tema, Soares preleciona:

“Como se sabe, as Comunidades Européias eram três, a CECA (Comunidade Européia do Carvão e do Aço), a CEE (Comunidade Econômica Européia) e a

55 CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional: exame do tema à luz da

globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 294.

56 Vide Tratado de Maastricht de 1992, que veio a formar a União Européia. 57 Vide Tratado de Assunção.

58 Vide comentários sobre Ceca, CEE e Euroton em CASELLA, Paulo Borba. Comunidade Européia e seu ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 1994. p. 57.

CEEA ou EUROTON (Comunidade Européia da Energia Atômica), instituídas por tratados internacionais distintos. Aos poucos tiveram seus órgãos superiores unificados, e passaram, oficialmente, a denominar-se Comunidades Européias, no plural; com o Ato Único Europeu de 29/06/1987, foram rebatizadas de Comunidade Européia, no singular, conservando, cada qual, suas competências ‘ratione materiae’ originais.”59

Dialeticamente, são levados em conta aspectos qualitativos e quantitativos da soberania, como disserta Bercovici:

“Hoje em dia, com o fenômeno da integração européia, o enfoque da doutrina sobre a soberania a considera sob dois aspectos diferentes. Um é o aspecto qualitativo, isto é, a soberania como essência da afirmação do poder supremo estatal. Outro é o quantitativo, ou seja, a soberania como soma de poderes soberanos, como somatório de todos os aspectos em que traduz o poder supremo e independente.”60

Além desse arranjo pseudofederativo, há a formação de acordos regionais, como é o caso do Nafta,61 Mercosul, Alca62 e tantas outras iniciativas visando à criação de mecanismos de trocas econômicas via desagravação comercial, queda de barreiras, unificação de moedas, criação de exações tributárias de caráter transnacional, como é o caso do IVA63 europeu, a Tarifa Externa Comum do Mercosul,64 entre tantas outras providências.

Abordando esse tema, Casella observa:

“O novo contexto internacional vem sendo definido por A. KING como ‘mundo problemático’. A problematicidade do contexto justamente resulta da influência recíproca de diversos fatores, que caracterizam conjunto de variáveis interdependentes, para as quais a solução isolada torna-se inviável.”65

A própria exigência da ciência jurídica em vista do relacionamento da superestrutura estatal com seus administrados haverá de prestigiar o axioma da legalidade, cláusula inserta nos Textos Constitucionais, que, em se tratando de regra de Direito, somente a lei poderá obrigar ao cumprimento de determinada obrigação a um ente jurídico. Porém,

59 SOARES, Guido Fernando Silva. Órgãos dos estados nas relações internacionais. Rio de Janeiro: Forense,

2001. p. 163, nota de rodapé.

60 BERCOVICI, Gilberto. Soberania. In: DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Dicionário brasileiro de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 365.

61 Acordo de livre comércio firmado entre Estados Unidos, México e Canadá.

62 Alca – Tratado de comércio proposto pelos Estados Unidos visando a constituição de uma zona de livre

comércio nas Américas.

63 Imposto indireto criado na União Européia que tributa a circulação de mercadorias, serviços, de caráter pan-

europeu, utilizando uma sistemática de débitos e créditos recíprocos.

64 TEC – tributo incidente sobre as operações de importação de produtos extramercado no âmbito do Mercosul. 65 CASELLA, Paulo Borba. Comunidade Européia e seu ordenamento jurídico, p. 52.

essa máxima vernacular encontra-se ameaçada pela transição entre o antigo e o novo regime internacional.

Mas, ao se comentar o mundo novo que se descortina, necessário observar que outros atores globais passaram a se movimentar na arena internacional.

Talvez, o fato político de maior relevância ocorrido no fim do século XX tenha sido a desmontagem do socialismo real, pondo cobro à Guerra Fria.66

Dos detritos havidos pela queda do Muro de Berlim67, surgiram novas jurisdições

que gozam de plena autonomia jurídica, vindo posteriormente a integrar a onda de expansão econômica denominada globalização.68

A própria Rússia – antiga União Soviética – hoje é tida como um país emergente, à guisa de possuir vastos recursos naturais, uma população altamente letrada, colocando-se como um dos candidatos a disputar a liderança do comércio mundial.

Os antigos países satélites, singelamente designados pelo eufemismo Comunidade Socialista Internacional formada ao fim da Segunda Guerra Mundial, a par de alguns passarem por processos de guerra civil, herança do stalinismo69 (vide Chechênia),70 também buscam desfrutar das benesses originadas dessa nova megatendência, filiando-se alguns à OTAN.71 A antiga economia centralizada foi rechaçada, e deu vez ao mercado.

A este turno, não se poderá dar as costas à grande expansão econômica ocorrida na Ásia. Países como Vietnã, Índia, Coréia, para não citar o lugar-comum China, têm crescido a taxas recordes nos últimos decênios.

66 A Guerra Fria é uma típica figura de retórica que se inicia com o fim da Segunda Guerra Mundial e termina

com o fim da União Soviética em 1991.

67 O Muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989.

68 Dos países integrantes do Leste Europeu, 12 vieram a tomar parte da União Européia. 69 Sobre o tema recomendamos a leitura de As origens do totalitarismo, de Hannah Arendt.

70 Região integrante da Federação Russa, de raízes muçulmanas, que busca por meio da guerra a declaração de

independência da Rússia. Milhões de chechenos foram removidos durante o stalinismo.

Além disso, o Think Tank norte-americano projeta para os próximos 20 anos a China como liderança econômica mundial, conforme é admitido no último relatório público da Central de Inteligência Americana (CIA).72

72 Organização de inteligência norte-americana que visa a coleta de informações, contra-informações, ações