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IX. O FIGURINO ORGÂNICO E OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO PREVISIONAL E DE

9.3. A construção da autonomia das escolas cabo-verdianas

Nos itens anteriores, evidenciámos o facto de o ordenamento jurídico-educacional vigente favorecer a autonomia das escolas. Façamos, aqui, uma breve análise desta questão que tem estado sempre presente nas discussões acerca do modelo de escola de que a sociedade precisa na actualidade.

Em linguagem corrente, define-se a autonomia como sendo o direito de se governar por leis próprias ou a possibilidade que uma entidade tem de estabelecer as suas próprias normas. Na verdade, a vertente normativa pode jogar um papel importante na construção da autonomia da escola, favorecendo ou dificultando a iniciativa dos gestores e demais agentes da comunidade escolar.

Na verdade, o conceito de autonomia vai muito além dimensão normativa. Outras vertentes relevam nesse processo, nomeadamente: a natureza da liderança; o ambiente ou a cultura

de gestão prevalecentes na escola; o grau de motivação e de realização individual e colectiva

dos agentes da comunidade escolar; a disponibilidade de meios e recursos; a qualidade da

relação existente com outras instâncias da Administração Educativa, etc.

Por outro lado, a autonomia da escola deve ser encarada de uma forma dinâmica, como algo a ser construído, como um processo e não de forma estática ou acabada. Essa autonomia tem uma dimensão relacional, pois que a acção dos membros da organização escolar é exercida num contexto de interdependência e num sistema de relações em que intervêm diversos actores. Daí que a capacidade de construir alianças e parceiros joga um papel decisivo na criação de condições para o desenvolvimento das iniciativas. Por outro lado, a autonomia apresenta um certo grau de relatividade e, neste aspecto, a escola pode ser autónoma em relação a certas coisas e não o ser em relação a outras.

A análise comparada de experiências de autonomia das escolas demonstra que, por vezes, a Administração Educativa, aparentemente zelosa na promoção da liberdade de iniciativa das escola, acaba por "decretar" a autonomia, sugerindo e recomendando modelos ou fórmulas de regulamentos internos e projectos educativos que, aplicados acriticamente, levam a que todas

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as escolas se apresentem com iguais instrumentos de regulação e planeamento, como uma espécie de “produtos fabricados em série”.

Mas a autonomia das escolas não se decreta nem se impõe. As normas jurídicas podem favorecer a construção da autonomia, mas esta, em si, não se decreta, antes se construindo com iniciativa, criatividade e espírito empreendedor.

A autonomia da escola diz, portanto, respeito ao sistema educativo em geral, na medida em que concerne, antes de mais, à escola, como parte do sistema e, como tal, interessada no sucesso deste, através do desenvolvimento das potencialidades dos membros de toda a comunidade escolar.

Efectivamente, é à escola que cabe construir a sua autonomia, com respeito pelas competências que a lei lhe confere. A autonomia da escola pressupõe a concepção pela escola de uma identidade ou de uma imagem de marca própria, resultante da capacidade de definir ou redefinir a sua missão e objectivos (com respeito pelos do sistema educativo), projectar e organizar o desenvolvimento das suas actividades em função do contexto social em que se insere e com o envolvimento dos diversos parceiros, de modo a que, pela qualidade e especificidade do serviço educativo prestado, a escola possa diferenciar-se positivamente das outras, respondendo às demandas sociais, sem ignorar as normas e orientações gerais do sistema.

Essa identidade é construída no interior das organizações educativas, através da capacidade dos seus órgãos em escolher e implementar o modelo de gestão que mais sirva aos interesses da comunidade educativa. Para atingir este estádio de desenvolvimento, as instituições educativas devem assumir protagonismo no que concerne à elaboração da política educativa a ser seguida, à sua execução e avaliação. Assim, um instrumento fundamental da política educativa da escola e, por conseguinte, da construção da sua autonomia, é o seu Projecto Educativo, de que já falamos amplamente.

À luz do quadro legal analisado acima, podemos constatar que, em Cabo Verde, tanto as escolas básicas como as escolas secundárias regem-se por normas que favorecem e estimulam a sua autonomia – administrativa, pedagógica, financeira, disciplinar -, ainda que as primeiras escolas careçam de normas específicas de enquadramento das diversas iniciativas que podem e têm vindo a levar a cabo.

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Assim, constata-se que, a nível das nossas escolas, existe uma praxe de liberdade e de iniciativa, bem como uma assunção gradativa do poder de decisão em diversos aspectos da organização e funcionamento das escolas, nomeadamente: planeamento das actividades; mobilização e utilização de recursos; inovações nos métodos e técnicas de trabalho pedagógico; controlo da disciplina dos agentes educativos; avaliação dos alunos, professores e demais funcionários; manutenção e conservação de instalações e equipamentos; ligação da escola com a comunidade e desenvolvimento de parcerias diversas; realização de actividades extra-escolares; formação e capacitação do pessoal docente; recuperação de alunos; orientação vocacional e profissional dos alunos; promoção de valores cívicos, culturais e éticos; promoção de segurança na escola, etc., etc.

O desenvolvimento ulterior do processo de autonomia das escolas depende, em grande medida, do desenvolvimento da capacidade institucional das escolas, mediante a capacitação e formação dos membros dos diferentes órgãos e serviços, mas, sobretudo, do fomento da iniciativa das instituições educativas (designadamente Delegações do Ministério e Escolas).

Porém, é evidente que a capacidade de iniciativa é algo que deve ser objecto de aprimoramento. Nessa perspectiva, a elaboração, a execução e a avaliação, de forma amplamente participada, dos instrumentos de gestão, em especial dos projectos educativos de escola e do concelho, constituem vias efectivas de afirmação da autonomia das instituições educativas, em prol da prestação de um serviço educativo de qualidade cada vez maior.

Efectivamente, as normas jurídicas deixam campo vasto para as instituições educativas agirem de forma criativa e dinâmica, inovando nos seus processos de gestão e de desempenho e procurando formas adequadas de acrescentar valor aos serviços que prestam à comunidade, com o envolvimento desta, dos parceiros e, em particular, dos agentes educativos.

É caso para se dizer que, contrariamente ao que se passa noutras paragens, em que as escolas reivindicam autonomia, em Cabo Verde, sem que se chegue ao ponto de “decretar” (no sentido de impor) autonomia, existe um quadro legal que estimula os estabelecimento de educação e ensino na construção efectiva da sua autonomia, importando que os mesmos tirem partido das inúmeras janelas de oportunidades que se lhes oferecem para projectar e realizar, em bases cada vez mais inovadoras, a educação de que se precisa para o novo milénio.

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