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A construção da identidade na Teoria Psicogenética Walloniana

Foto 10 − Brincadeira de salão de beleza entre Graça, Nízia e Tereza

3. A EDUCAÇÃO INFANTIL NA MODALIDADE QUILOMBOLA (DO E NO CAMPO)

4.1. A construção da identidade na Teoria Psicogenética Walloniana

A teoria psicogenética de Henry Wallon, também conhecida como Psicogênese da Pessoa Completa, busca, a partir de um trabalho genético, explicar os processos que constituem o psiquismo humano à luz de sua origem e transformação (DANTAS, OLIVEIRA e TAILLE 1992; WALLON, 1975). Os seus estudos centram-se no desenvolvimento da pessoa como um ser total, concreto e ativo, que está, desde o nascimento, em contato com o meio social (GALVÃO, 2008). O último aspecto citado é de suma importância para esta teoria, já que ela considera que a estrutura orgânica (dimensão da espécie) necessita da “intervenção da cultura para se atualizar” (DANTAS, 1992, p. 36), o que implica na afirmação de que o homem é organicamente social. Para Wallon (2007), os fatores de origem biológica e social implicam- se mutuamente no desenvolvimento psíquico, contudo (...) “o biológico vai, progressivamente, cedendo espaço de determinação ao social” (GALVÃO, 2008, p. 40).

A teoria walloniana concebe a história do indivíduo como sendo uma sucessão de modos como ele se relaciona com diferentes meios, o que acontece com os recursos que a criança tem disponível em cada idade (WALLON, WEREBE e NADEL-BRULFERT, 1986). É por terem um papel preponderante sobre o desenvolvimento da criança, que os meios possuem essa centralidade nos estudos de Wallon, além de se constituírem em instrumentos para esse processo (GALVÃO, 2007, p. XII).

De acordo com o autor, a psicologia da criança objetiva o “conhecimento fundamental das infâncias e de suas capacidades adaptativas distintas, tendo em vista seus diferentes meios” (WALLON, WEREBE e NADEL-BRULFERT, 1986, p. 13). Deste modo, considera que a criança não é o resultado linear do meio no qual está inserida, mas, tem dentro de si vários meios (contextualizados social e historicamente), os quais estão misturados e podem até encontrarem-se em conflito (WALLON, 1975), como por exemplo, o meio da casa, da escola, inclusive, o meio dos valores.

Para Wallon, a infância é um estágio provisório constituído por etapas, as quais são

definidas pelo funcionamento – atualizado pela cultura – de certos órgãos, o que caracteriza a

atividade presente em “cada idade” da criança (WALLON, WEREBE e NADEL-BRULFERT, 1986). Contudo, Wallon afirma também que a “infância tem na vida do indivíduo um valor funcional, como período em que termina de se realizar nele [a criança] o tipo de espécie” (WALLON, 2007, p. 6). Esse é o ponto de vista adotado pela psicogenética walloniana: a infância como um período da vida com sentido em si mesmo, no qual cada idade da criança é uma obra construída em construção (WALLON, WEREBE e NADEL-BRULFERT, 1986).

Com o objetivo de estudar a criança em sua integralidade, compreendendo que “em cada idade, ela [a criança] é um todo indissociável e original” (WALLON, 2007, p. 198), Wallon distinguiu, a título de descrição, quatro campos funcionais que estão presentes desde a origem do desenvolvimento psicológico, mas, que vão se diferenciando para o observador à medida que a criança evolui, a saber: o movimento, as emoções, a inteligência e a pessoa. Os dois primeiros se manifestam bem cedo, nas atividades dos bebês, e os dois últimos um pouco mais tarde, por volta de dois ou três anos de idade. O quarto campo funcional, a pessoa, ao mesmo tempo que integra os demais campos também é independente deles. Neste trabalho, é dado destaque a esse campo, tendo em vista que ele é a sede da formação da consciência de si. A primeira noção construída pelo indivíduo é a do próprio corpo. No início da vida ocorre uma espécie de “(...) extensão da sensibilidade íntima a objetos exteriores considerados

como parte do corpo.” (WALLON, WEREBE e NADEL-BRULFERT, 1986, p. 15). Contudo,

essa confusão que a criança realiza com os objetos (pessoas e coisas) cessa no momento em que ela passa a se interessar apenas pelos seus próprios restos e excrementos (por exemplo, os odores), o que sinaliza o surgimento da função do nojo, e por consequência da consciência orgânica, da noção do próprio corpo.

Mesmo com essa aquisição, o estado de socialização é máximo nos seis primeiros meses de vida, o que decorre do fato da emoção ser o canal privilegiado de interação entre a criança e o adulto: “o contato emotivo, quando se estabelece, é na verdade uma espécie de

contágio mimético, cuja primeira consequência é (...) a participação [indivisa]” (WALLON, 2007, p. 182). Em virtude disto, a criança confunde-se com o outro, ela está amalgamada tanto aos meios humanos quanto aos meios físicos. Entre o primeiro ano de vida e o término do segundo, a criança:

Começa a diferenciar-se dos outros em suas reações. E mais ainda se dispersa entre seus diferentes papéis, segundo as situações. Falta-lhe uma percepção correta de si mesmo: tenta papéis diferentes representando diversos personagens, um após o outro, e perde, nas diferentes situações, sua frágil individualidade (WEREBE e NADEL- BRULFERT, 1986, p. 17).

Portanto, o desenvolvimento é um percurso de progressiva individuação, no qual a criança realiza a diferenciação eu-outro, conquistando-se como uma unidade subjetiva, uma identidade diferenciada que tem início em uma série de conflitos (WALLON, 2007). Os comportamentos de oposição marcam o primeiro momento do estágio denominado

Personalismo, que tem início por volta dos três anos de vida. A criança se opõe ao outro para afirmar e experimentar sua independência, o que pode começar de forma totalmente negativa, levando a criança a se opor à toda e qualquer manifestação do outro: neste momento a criança vive a perda e o ganho, seja de objetos ou conflitos, como determinantes para as relações nas quais está inserida. Contudo, este período também pode se dá de forma discreta, sem muitas oposições, não sendo marcada pela expulsão do outro, “o que pode vir a se tornar fonte de conflitos posteriores dos quais a criança pode sair bem mais humilhada” (WALLON, 2007, p. 184).

Às oposições sucede o período da Idade da graça, este, ao contrário do anterior, é considerado de caráter mais positivo. A criança se comporta de forma a suscitar a atenção do outro para os seus gestos e comportamentos, ao se colocar como um objeto de encanto ela presta mais atenção em si do que na reação que pode causar no seu suposto “público”. Vale ressaltar, que este amor por si mesma também pode causar conflitos ainda mais íntimos que os que antecederam esta fase, de acordo com Wallon “a criança só pode agradar a si mesma se tiver a sensação de poder agradar aos outros, só se admira caso acredite ser admirada” (2007, p. 187). A compreensão desse momento fornece elementos importantes para entendermos como as representações estereotipadas sobre o negro afetam de forma negativa a construção da identidade étnico-racial desses sujeitos tão pequenos. De acordo com Bento (2012):

(...) quando uma criança recebe mensagens contínuas de que não é tão bonita, tão atraente quanto sua coleguinha, ou de que seus traços são considerados feios, ou expressão de sujeira, teremos um grande problema na formação da identidade desta criança. (BENTO, 2012, p. 111).

O último momento do estágio Personalista apresenta um caráter ainda mais positivo que o segundo, consiste nas condutas de imitação. O gosto por imitar está vinculado ao medo que a criança tem do isolamento, sentimento provocado pela a ausência da participação indivisa, e também ao desejo pelas pessoas com as quais estava amalgamada, por isso, “a criança se

modela conforme as pessoas de seu meio que a atraem e se prepara para imitá-las.” (WALLON,

2007, p. 187)22.

Como foi apresentado, a construção da identidade na primeira infância se dá por um duplo movimento, o primeiro é de expulsão do eu o não-eu, no qual há um exagero, por parte da criança, em afirmar o seu ponto de vista, como uma necessidade de se destacar dos demais, já o segundo refere-se à incorporação do outro na construção de si, processo presente nas condutas de imitação de pessoas significativas.

Ao considerarmos esse processo ativo de construção da identidade, devemos levar em consideração as mensagens estereotipadas que são recebidas e apropriadas com frequência por nossas crianças, dada a discriminação étnico-racial que permeia a sociedade brasileira. Assim, não é de se surpreender que a criança negra ao perceber que não agrada e não é bem aceita, passe a atentar para o que é socialmente valorizado ou desvalorizado (o que irá ou não imitar), demonstrando desconforto em sua condição de negra e revele o desejo de mudar o tipo de cabelo e a cor da pele, como afirma Bento (2012).

4.2. A socialização na nova Sociologia da Infância: a reprodução interpretativa de