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Foto 10 − Brincadeira de salão de beleza entre Graça, Nízia e Tereza

3. A EDUCAÇÃO INFANTIL NA MODALIDADE QUILOMBOLA (DO E NO CAMPO)

5.1. A pesquisa com crianças e a abordagem qualitativa

Qualquer um que se empenhe em ouvir a resposta das crianças é uma mente revolucionária (DOLTO, 1999, p. 9).

Conhecer o que as crianças sentem e pensam sobre variados temas relacionados às suas experiências é uma característica inovadora das investigações que assumem a criança como sujeito de pesquisa – tendência que “reposiciona as crianças como sujeitos em vez de objetos” (CHRISTENSEN E JAMES, 2000c, p. 3, apud CORSARO, 2011, p. 57). O ponto de vista das crianças sobre os temas que lhes dizem respeito tem sido apreendido por pesquisadores que se propõem a realizar pesquisas com elas, e não sobre elas. Para isso, recorrem à estratégias que têm se mostrado eficazes e buscam novas formas de explorar as diferentes linguagens da criança (CRUZ, 2008).

Além de sujeito competente, as crianças são vistas em seus contextos de vida, o que possibilita visualizar as diferentes infâncias nas quais as crianças compartilham os primeiros anos de inserção na cultura. Reconhecendo meninas e meninos como sujeitos sociais que vivem as suas infâncias em determinados meios e que são por eles afetados, “(...) vários autores têm destacado que as crianças podem acrescentar informações novas e importantes, que ampliam o nosso conhecimento sobre a realidade” (CRUZ, 2010, p.13).

As pesquisas com crianças encontram-se no rol das investigações de abordagem qualitativa, característica pertinente a uma parcela das pesquisas realizadas na área das Ciências Humanas. Na abordagem referida acima, os sujeitos são compreendidos com base no contexto no qual estão inseridos e a partir do seu próprio referencial. Por outro lado, a interpretação do contexto também é influenciada pelas concepções dos sujeitos, as quais são constatadas tanto

pela sua observação, como também pelo diálogo entre pesquisador e pesquisados – aqui

concebidos como co-participantes (FREITAS, 2003).

De acordo com Freitas (2003), as pesquisas que adotam esse cunho devem ir ao encontro da situação ou do fenômeno que investigam no seu processo de desenvolvimento, ou seja, a manutenção de um contato constante com os processos envolvidos na construção do objeto pesquisado. No caso da presente pesquisa, os fatores que perpassam a construção da identidade étnico-racial em crianças negras remanescentes de quilombolas.

Na abordagem qualitativa, interessa ao pesquisador o ambiente natural – principal fonte de construção de dados (LÜDKE E ANDRÉ, 1986) –, no qual, segundo Lüdke e André (1986), o pesquisador deve “(...) estar atento para o maior número possível de elementos

presentes na situação estudada, pois um aspecto supostamente trivial pode ser essencial para a

melhor compreensão do problema” (p. 12)26.

Na pesquisa de abordagem qualitativa, o pesquisador deve reconhecer o lugar sócio-histórico do qual ele investiga, tendo em vista que os pressupostos que orientam o seu pensamento devem estar de acordo com a abordagem que norteia a sua pesquisa; isso inclui a sua subjetividade e as suas concepções sobre o mundo, no caso do presente trabalho podemos citar a concepção de criança, de educação, de socialização etc. Não podemos desconsiderar que o movimento contrário também acontece, a visão que os sujeitos investigados constroem do pesquisador e do seu trabalho também repercute no fenômeno objeto do estudo. Acerca da participação ativa dos indivíduos envolvidos na pesquisa, especialmente, no campo da educação, Gatti (2000) nos diz que “(...) pesquisar em educação significa trabalhar com algo relativo a seres humanos ou com eles mesmos, em seu próprio processo de vida” (p. 12).

Segundo Lüdke e André (1986), “(...) em educação as coisas acontecem de maneira não inextricável que fica difícil isolar as varáveis envolvidas e mais ainda apontar claramente quais são as responsáveis por determinado efeito (p. 3). Na afirmação feita pelos autores supracitados reside uma ideia cara às pesquisas da área das Ciências Humanas, a qual consiste na afirmação de que não existem verdades absolutas. As constatações/conclusões realizadas pelos pesquisadores são utilizadas como referências para a compreensão do fenômeno investigado, mas, não esgotam ou cristalizam os conhecimentos acerca dele.

Segundo Gatti, “(...) o conhecimento obtido pela pesquisa é um conhecimento situado, vinculado a critérios de escolha e interpretação de dados, qualquer que seja à natureza destes dados” (2000, p. 10). Sobre as conclusões que são feitas pelas pesquisas de abordagem qualitativa, Lüked e André (1986) observam que a “preocupação com o processo é muito maior do que com o produto” (p. 12), uma vez que ele é gerado por meio de um contato real e respeitoso com aqueles que ocupam um lugar tão importante quanto o de quem pesquisa.

Para isso, o pesquisador deve permitir-se à uma investigação que preze as “características holísticas e significativas dos acontecimentos da vida real” (YIN, 2005, p, 20). Isto significa dizer que a descrição, a compreensão e as relações entre os eventos devem ser feitas com a finalidade de retratar a realidade de forma completa e profunda, como também “os

diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social” (LÜDKE e

ANDRÉ, 1986, p. 20). Essas características estão presentes no estudo de caso, que segundo Yin (2005), trata-se de “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo

26 A abordagem qualitativa além de compreender os fenômenos humanos no seu desenvolvimento, também busca

dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o

contexto não estão claramente definidos.”

O estudo de caso se propõe a investigar um caso delimitado, mas, que apesar de possuir esse caráter também se encontra em uma rede de relações com outros contextos/meios, o que torna possível a construção de aproximações com outros grupos/sujeitos que são perpassados por fatores semelhantes ao do caso estudado. Segundo Lüdke e André (1986) os contornos que delimitam o caso não são totalmente construídos a priori, no decorrer da investigação o pesquisador delimitará ainda mais as fronteiras do grupo/conjunto que investiga, o subtraindo de uma compreensão hegemônica da realidade. De acordo com Lüdke e André, “(...) o caso pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular” (1986, p. 17), ou seja, possui um sentindo em si mesmo.

As constatações e considerações que são produzidas a partir de um caso especifico não ficam direcionadas apenas a explicar determinado fenômeno situado em certo contexto, mas, contribuem com o conhecimento que se tem sobre um ou mais fenômenos (YIN, 2005). Por exemplo, as pesquisas que foram realizadas sobre a construção da identidade étnico-racial em crianças negras no contexto da Educação Infantil tiveram diferentes lócus e sujeitos de pesquisa, contudo, forneceram informações que possibilitaram o conhecimento de quais fatores perpassam esse processo na infância das crianças brasileiras.