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Foto 10 − Brincadeira de salão de beleza entre Graça, Nízia e Tereza

3. A EDUCAÇÃO INFANTIL NA MODALIDADE QUILOMBOLA (DO E NO CAMPO)

4.3. O estudo psicológico e sociológico sobre a construção da identidade na primeira

4.3.1. A “Psicologia” vista pela “Sociologia da Infância”

É, especialmente, sobre o fenômeno da socialização, tratado no tópico anterior a

partir de uma perspectiva interpretativa (CORSARO, 2011),que a nova Sociologia da Infância

faz referências à Psicologia, especificamente, sobre o modelo construtivista de socialização. Segundo Corsaro (2011) o modelo construtivista, composto pelas teorias psicogenéticas de Vygotsky e Piaget, refere-se à apropriação da sociedade pela criança. Neste modelo as informações do meio são apropriadas gradualmente pelos pequenos, são organizadas e usadas por eles para a construção de concepções sobre os aspectos físicos e sociais que constituem o mundo, processo que explicita uma concepção de criança ativa.

De acordo com Corsaro (2011), o construtivismo continua com foco no desenvolvimento individual solitário da criança, na preocupação exagerada com o ponto de chegada do desenvolvimento e na ênfase que o modelo dá à participação da criança, somente após a internalização particular da cultura. Vale ressaltar que também são apresentados trabalhos recentes deste modelo (extensões de Vygotsky e Piaget), que “concentram-se na agência das crianças na infância e na importância da interação entre pares” (CORSARO, 2011, p 30).

Na leitura da sessão que trata do modelo construtivista de socialização no livro

Sociologia da Infância (CORSARO, 2011) o leitor fica na expectativa de que, junto à discussão sobre a teoria de Vygotsky e Piaget, também seja abordado o trabalho de Henri Wallon. Isto decorre do fato desses três autores serem, com frequência, discutidos (nesta exata sequência: Piaget, Vygotsky e Wallon) na seara dos estudos sobre o desenvolvimento infantil, constituindo as bases dos fundamentos psicogenéticos da educação.

23 Vale ressaltar que essas abordagens não são utilizadas estritamente para compreender a construção da identidade

em crianças, em algumas investigações contribuem para a compreensão e análise da linguagem e do pensamento infantil.

Da ausência da teoria walloniana no ensaio de Corsaro (2011) decorre certa fragilidade, uma vez que certas críticas disparadas ao modelo construtivista de socialização não se sustentarem se feitas aos estudos do autor francês. Como exemplo, a preocupação exagerada

com o ponto de chegada do desenvolvimento. Em Wallon, o processo de evolução na infância constitui um estágio provisório, contudo, com sentido em si mesmo; cada idade da criança é uma obra construída em construção (WEREBE e NADEL-BRULFERT, 1986), o ser na infância “concerne ao presente da criança (...) tendo em vista seus diferentes meios” (WEREBE e NADEL-BRULFERT, 1986, p. 13). Vale ressaltar que estes meios são contextualizados social e historicamente, por isso deve-se compreender a(s) atividade(s) da criança em suas existências e interações, posicionamento que se distancia dos estudos que investigam o desenvolvimento

individual solitário da criança.

Neste sentido, Cruz (2015) e Schramm (2009) também discutem teses da teoria walloniana que são tratadas como divergentes no interior da Sociologia da Infância. Segundo Schramm (2009) “a ideia de não linearidade em como Wallon concebe o desenvolvimento humano, negando uma perspectiva evolutiva sempre direcionada para um estágio melhor, mais perfeito e racional” (2009, p. 39) parece compatível com a abordagem da Sociologia da Infância. Outro ponto de convergência citato por Scharamm (2009) é o conceito de Cultura de Infância (SARMENTO, 2004, apud SCHARAMM, 2009): ela afirma que a visão de autores da Sociologia da Infância não rompe com o que é proposto por teóricos da Psicologia Genética, como Vygotsky e Wallon, mas, que complementam discussões pioneiras acerca de como a crianças entram em contato com a cultura adulta e administram a cultura infantil.

Em Cruz (2015) inicia-se uma discussão sobre o processo de apropriação da cultura na infância para os dois campos de conhecimento, comentando como Sarmento (2005, apud CRUZ, 2015a) discute o processo através do qual a criança se apropria da cultura, a produz e a modifica e, por outro lado, como nos estudos de Wallon encontra-se “contribuições importantes para se entender melhor a relação entre o contexto social da criança e os processos de apropriação característicos nesse momento da vida” (CRUZ, 2015a, p. 14), uma vez que “a perspectiva sociológica não tem como foco a análise psicológica desses sujeitos” (CRUZ, 2015a, p. 14).

Além de Corsaro (2011), há outros autores no campo da Sociologia da Infância que também criticam teorias próprias da Psicologia pela forma como elas estudaram e, segundo eles, ainda estudam a criança. Há um certo consenso entre a maioria das produções no interior da Sociologia da Infância sobre implicações negativas que linhas psicológicas, que

trataram/tratam do desenvolvimento e da socialização na primeira infância, tiveram/têm sobre a concepção de criança que predomina no senso comum.

No Brasil, Abramowicz e Rodrigues (2014) afirmam que com a Psicologia emergiu uma concepção de criança que precisa de cuidados para não ser, no futuro, um mal-estar para a sociedade, e que para isso o adulto deve ser a referência e instância da qual o controle precisa partir. Delgado e Müller (2005) citam que a Psicologia do Desenvolvimento foi construída desconsiderando o caráter histórico e cultural da criança, reduzindo-a a um ser imaginário e abstrato, dividido por idades e pelas capacidades mentais que as correspondem.

Em Portugal, Sarmento (2005) critica a Psicologia do Desenvolvimento por esta conceber a criança como um ser em devir e a infância como o período da incompletude, sendo constituída pela incompetência e imperfeição dos modos de entrar em contato com o mundo concreto e com os pares. Por sua vez, Mollo-Bouvier (2005) e Sirota (2001), na França, e Montandon (2001), na Suíça, compreendem que as “abordagens educativas e psicológicas modernas insistem na individualidade das crianças” (MONTANDON, 2001, p. 42) e afirmam que “as etapas do desenvolvimento da criança inscrevem-se numa forma de saber psicológico padronizado que define e garante a normalidade social desse desenvolvimento, da escolarização da criança, de sua institucionalização” (MOLLO-BOUVIER, 2005, p. 393).

No presente estudo se considera que, assim como se reconhece o conceito de criança, infância e socialização da nova Sociologia da Infância como uma superação dentro da tradição sociológica (CORSARO, 2011), também deve-se reconhecer que no campo das Psicologias (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 2000, apud SCHRAMM, 2009), há uma visão cada vez mais condizente com a criança contextualizada, plena e competente, com a infância perpassada por fatores sociais, históricos e econômicos, como também com uma socialização ativa, na qual a criança constrói novos significados e formas de ser.

Apesar dos posicionamentos contrários em relação ao campo da Psicologia, também há autores na Sociologia da Infância que defendem a superação destas críticas. Dentre eles, estão o britânico Alan Prout e o dinamarquês Jens Qvortrup. De acordo com Prout (2010)

(...) se hoje nos é evidente que a infância é uma construção social, não precisamos mais enfatizar esse aspecto, é preciso avançar nas discussões e, ao contrário de excluir, é necessário olhar de forma crítica as abordagens antigas. É preciso lembrar também que a infância não é apenas um fenômeno social, mas um fenômeno heterogêneo e complexo, portanto, não se pode prescindir de uma maior atenção à interdisciplinaridade, ao hibridismo da realidade social, suas redes e mediações, mobilidades e relações intergeracionais; o que significa incluir aspectos e abordagens que pareciam ser descartáveis (p. 5).

Segundo Prout (2010), a Sociologia da Infância necessita intensificar os seus estudos em uma perspectiva interdisciplinar, como já acontece com a história, com a

antropologia e com a geografia. O autor ainda problematiza a ausência ou fraqueza de diálogo com a Psicologia, compreendendo que foi se opondo à este campo que a nova Sociologia da Infância se constituiu, mas, que “sustentar essa posição significava apegar-se a estereótipos banais do engajamento da Psicologia com a infância” (PROUT, 2010, p. 739).

A teoria de Henry Wallon parece especialmente propícia ao possível (e necessário) estudo interdisciplinar sugerido por Prout (2010). A possível articulação entre o campo da Sociologia da Infância e a Psicogenética walloniana já foi citada por Cristina Rego (2013) na introdução de uma edição especial da Revista Educação sobre As novas perspectivas para o

estudo da infância, ao afirmar que:

Os trabalhos apresentados neste fascículo traduzem, de certo modo, o esforço de um grupo de pesquisadores [do campo da Sociologia da Infância] que orientam suas ações e investigações na perspectiva apontada por Wallon (mesmo que não o saibam). (REGO, 2013).

4.3.2. Convergências entre a Psicogenética de Wallon e a Sociologia da Infância de