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A construção das histórias na mídia

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 73-76)

2 REVISÃO DA LITERATURA – CONCEITOS E TEORIAS UTILIZADOS

2.7 A construção das histórias

2.7.2 A construção das histórias na mídia

As notícias produzidas por jornalistas são histórias. Elas podem ser entendidas como “artefatos lingüísticos que procuram representar determinados aspectos da realidade e que resultam de um processo de construção onde interagem, entre outros, diversos fatores de

natureza pessoal, social, ideológica, cultural e do meio físico/tecnológico” (RESENDE, 2003). Sua existência contribui para construir socialmente novas realidades, obrigatoriamente simplificadas. A notícia é também uma representação da autoridade, pois se pode dar voz a alguém ou retirá-la. Entre os componentes que determinam o que será ou não notícia, há a disponibilidade em atender o jornalista no tempo necessário, a possibilidade de dar em primeira mão a notícia (o “furo”), a quantidade de pessoas que a notícia vai afetar (amplificação) e a política editorial do veículo.

As histórias, na mídia, têm características específicas, de acordo com Motta (2005). Em primeiro lugar, são montadas a partir de notícias e reportagens ao longo do tempo que, se isolados, não contam a história completa. A história jornalística se desenvolve por acumulação. Em segundo lugar, o conflito é um elemento estruturador nas histórias jornalísticas. Os conflitos é que permitem novas ações, seqüências, episódios e mantêm a narrativa viva. Na história jornalística, há sempre um equilíbrio que se rompe, que gera tensão, e que pode ser restabelecido. Em terceiro lugar, as narrativas jornalísticas têm poucos personagens, que normalmente são o eixo das histórias. A personagem representa uma pessoa com existência real, mas a audiência só conhece a pessoa a partir da personagem. A essa personagem, são atribuídas qualificações, designações como traços físicos e tipos de ações, um papel na história e o julgamento (não explícito) do narrador. Em quarto lugar, nas histórias jornalísticas, o narrador está distante. Ele narra como se a verdade estivesse na história, independentemente da sua presença. O jornalista trata de dissimular as estratégias narrativas, mas sempre tem um objetivo de persuasão, e, portanto, retórico. Em quinto lugar, a narrativa jornalística é um jogo entre os efeitos do real e os efeitos do sentido (tais como a comoção, o riso, a ironia, a dor, a compaixão). Há a mistura de referências ao mundo físico com efeitos catárticos. A história jornalística envolve descrição fática e narração metafórica. As metáforas são importantes para prender a atenção da audiência e causar a impressão desejada. Em sexto lugar, as histórias jornalísticas, assim como os contos de fadas, têm um fundo moral, só que ele frequentemente é escamoteado.

Carroll (2005) define a moldura da mensagem. Essa moldura ajuda a definir o significado da mensagem ao focar a atenção para alguns elementos em particular e por excluir elementos que competem, distraem ou contradizem os elementos escolhidos. A moldura reflete o julgamento feito pelos criadores da mensagem, que contam histórias usando elementos retóricos, sintáticos e temáticos. As empresas constroem histórias formando um pacote com valores,

histórias e mitos prevalecentes, tais como “eficiência”, “capitalismo” ou “racionalidade”. Os relações públicas também se preocupam em estabelecer uma moldura para a mídia de acordo com o que é considerado valor de notícia (“proximidade”, “interesse humano”, “atual”).

O script seguido pela mídia segue determinados argumentos com o fim de legitimação comum: para reiterar práticas organizacionais e para não deixar que a própria mídia caia em contradição e perca credibilidade. Percebe-se, a partir dos estudos sobre o discurso na mídia e as técnicas de gerenciamento de impressão, uma confluência de argumentação utilizada pelas empresas para convencer o seu público externo e interno; e pela mídia, na forma como reporta as organizações para a audiência. O contrato entre o contador da história e a audiência não pode ser quebrado.

Chen e Meindl (1991) tratam da autolegitimação dos jornalistas. Ao estudar as imagens de liderança na imprensa, a partir de um estudo de caso, eles mostram como a mídia reconstrói as imagens sem perder o comprometimento com as imagens anteriores e sem correr o risco de arranhar a sua credibilidade. Os autores identificam duas principais características:

1) Atribuição – o desempenho das empresas pode ser atribuído aos líderes que comandam as organizações. Na realidade midiatizada, organizações e movimentos são reduzidos a personificações. Isso acontece por causa do culto à personalidade e da dificuldade em lidar com forças sociais, econômicas e políticas “anônimas” e conseguir vender um produto com consistência. Quando a empresa tem um bom desempenho, o líder incorpora nas reportagens as características que justifiquem os resultados satisfatórios. Quando a empresa passa a perder dinheiro, o líder sofre o ônus junto, mas a partir da construção de elementos que não destruam as características dos bons tempos.

2) Padronização e rotina das organizações de mídia – Como burocracias profissionais, das quais os jornalistas são membros, os meios de comunicação de massa trabalham, em suas várias etapas, de forma a fornecer consistência e previsibilidade ao conteúdo. Tanto mecanismos formais, dispostos pela hierarquia de responsabilidades em selecionar e produzir a notícia, como informais, ditados, por exemplo, pela homogeneidade de formação profissional e pelo compartilhamento de crenças e valores, atuam no sentido de fornecer essa uniformidade.

No estudo de Chen e Meindl (1991) a respeito da ascensão e queda de uma empresa de aviação, personificada pelo seu dono e principal administrador, a conclusão a que chegam é que, apesar de existirem fatos dissonantes “hard”, as construções vendidas aos consumidores foram “soft” – uma tentativa de solucionar as inconsistências e não colocar a credibilidade a perder.

Rindova, Pollock e Hayward (2006) destacam que, para fabricar produtos culturais, vendáveis, jornalistas devem contar histórias dramatizadas de mudanças que impressionem os seus colegas e a audiência e o façam atingir o topo da profissão. Também precisam atrair a atenção do público e provocar alguma empatia por meio de sentimentos e valores morais comuns. Para tornar a história compreensível, identificam indivíduos ou empresas a quem possam atribuir as causas da mudança. Os protagonistas, em repetidas reportagens, tornam-se celebridades.

Os autores identificam três características na construção que a mídia faz das celebridades:

• Retrato de um conflito dramatizado: mudanças na indústria, e, principalmente, mudanças que afetem o maior número de stakeholders, são usadas como pano de fundo para a história.

• Uso de uma empresa como protagonista: quando se deparam com mudanças, algumas empresas vão procurar novas posições no mercado e os jornalistas vão usar esses casos como protagonistas na narrativa, dando um peso a eles maior do que têm e minimizando fatores ambientais e situacionais de maior amplitude.

• Desenvolvimento de personalidade: uma vez selecionados os protagonistas, eles tomarão corpo por meio de atributos físicos, motivacionais, cognitivos e comportamentais, de forma a dar coerência à capacidade de mudança dessas empresas e de forma a gerar uma resposta emocional da audiência.

2.7.3 As empresas, o agendamento da mídia, a formação de impressão e as histórias

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 73-76)