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O agendamento da mídia

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 60-66)

2 REVISÃO DA LITERATURA – CONCEITOS E TEORIAS UTILIZADOS

2.6 Teorias de comunicação de massa e do gerenciamento de impressão: os dois lados da moeda

2.6.1 Teorias de comunicação de massa: o agendamento

2.6.1.2 O agendamento da mídia

Assim como a questão de a mídia influenciar a opinião pública, surge a questão de quais os fatores que determinam a agenda dos meios de comunicação de massa. A mídia precisa ser seletiva em reportar as notícias, simplesmente porque não é possível dar conta de tudo o que acontece no mundo. No processo de definição da pauta, vai ser necessário fazer escolhas do que levar ao público e do que excluir. Ou seja, o que o público sabe num determinado momento é função em grande parte das escolhas da mídia do que é notícia.

Um dos elementos que pautam a agenda da mídia é a própria opinião pública. A relação entre mídia e audiência indica uma confluência de interesses sociais em ofertar e consumidor determinados tipos de informação (CHEN; MEINDL, 1991). As organizações da mídia dependem de vender seu produto para a audiência, que influencia na captação de anúncios publicitários. A seleção e tratamento da notícia têm que levar em conta o comportamento do público e procurar gratificá-lo.

Outro determinante da agenda da mídia é a própria mídia. Uma importante fonte para um determinado veículo são os outros veículos de comunicação (CARTER; DEEPHOUSE, 1999). Eles mostram que, nos Estados Unidos, por exemplo, o jornal The New York Times é uma fonte importante para os outros jornais. Pollock e Rindova (em fase de elaboração4) analisam como a mídia segue o resto da mídia e também outros intermediários, como os analistas de investimentos, para fazer reportagens sobre empresas que fazem abertura de capital (IPO), criando assim uma onda de visibilidade a respeito de determinadas empresas. Vasterman (2005) trata também das “ondas”, que chama de media hypes, cujos efeitos são amplificar determinados assuntos, distanciando-os da realidade e fazendo com que se tornem importantes para a opinião pública – desta forma, levam a acontecimentos que não fariam parte da realidade caso não fossem cobertos pela mídia.

O jornalismo é um campo com rotinas próprias. Os jornalistas precisam selecionar o que vão cobrir e tentar imaginar o que dá mais leitura. Eles escolhem o que noticiar e dão o enquadramento levando em conta aspectos como a ideologia, atitudes e normas profissionais, a posição política do veículo em que trabalham e influência de diferentes grupos de interesse (RESENDE, 2003). A empresa em que trabalham precisa de anúncios e é influenciada pelos anunciantes (FOMBRUN; RIEL, 2004). McCombs (1992) observa que a maioria dos eventos e opiniões que aparecem nas notícias é de jornalistas, acadêmicos e políticos do mainstream.

Tumber (1993) faz um levantamento da literatura sobre o jornalismo de negócios, com o objetivo de verificar se o jornalismo de negócios é visto como crítico ou como legitimador das idéias econômicas e empresariais. Boa parte dos autores dos anos 70 e 80 acreditavam existir um viés antiempresarial na imprensa. Tumber (1993) indica, no entanto, uma série de estudos que mostram que, ao contrário, a mídia de negócios reproduz o discurso das empresas, por interesse ou por desconhecimento.

Estudos analisados por Tumber (1993) mostram que os jornalistas de negócios, em revistas ou seções de economia e finanças, são mais positivos às empresas e baseiam-se nos press

releases, enquanto aqueles não especializados em negócios procuram histórias mais negativas

(como as que ocupam as primeiras páginas dos jornais). Também verifica uma ligação entre o

4 POLLOCK, T.; RINDOVA, V. Market watch: information and availability cascades among the media and investors in the U.S. IPO market. Academy of Management Journal.

noticiário de negócios e o contexto econômico: o índice de notícias favoráveis é maior em tempos de crescimento econômico e decai em épocas de recessão.

O desenvolvimento das relações públicas, particularmente a partir dos anos 80, é citado como grande influenciador de notícias mais positivas. Millman (2006) mostra como a imprensa de negócios cada vez se afasta mais das históricas complicadas e profundas e substituindo-as por puro entretenimento. Nesse processo, a mídia acaba por valorizar sempre o diferente, o estranho, o anormal e o negativo, destacando e ampliando focos isolados e minoritários de uma realidade complexa (MARSHALL, 2003). O resultado é uma profusão de informações e pontos de vista fragmentados e confusos a respeito do mundo. Os eventos aparecem como se fossem isolados e tivessem fim em si próprios (GAMSON et al., 1992).

Marshall (2003) aponta para a transformação do jornalismo pela ordem do mercado, incorporando o discurso da publicidade e estética e relativizando os conceitos de verdade, realidade, conhecimento e informação.

A informação passa por um processo de maquiagem, mutação, relativização ou deturpação. Pressionado pelo deadline, pela necessidade do furo, pela produção industrial de notícias, pela competição de mercado, pela sobrevivência no emprego, o jornalista acaba sendo tentado muitas vezes a manipular dados e informações. (MARSHALL, 2003, p.37)

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Cria-se o que ele chama de um “jornalismo cor-de-rosa”, no qual identifica 25 variações. Citemos algumas delas:

Releasemania – a publicação de releases quase que na íntegra. Os releases, embora normalmente escritos por jornalistas, têm como caráter a promoção das empresas.

Quinhentismo – produção de notícia encomendada pelo setor comercial de uma empresa jornalística. O interesse é comercial, mas a reportagem é publicada com características jornalísticas de tal forma que o leitor leigo nos meandros do processo absorva a informação sem desconfiança.

Editorialismo – publicidade acompanhada por material editorial elogioso à empresa ou ao produto. Na mesma edição em que sai o anúncio publicitário, é produzida uma reportagem jornalística elogiosa ao anunciante.

Demanda – criação de produtos jornalísticos para a “publicação” de publicidade. São criados cadernos, encartes ou edições especiais, com o objetivo específico de atrair verbas publicitárias.

Business – notícia sobre ações econômicas, financeiras, empresariais, comerciais, industriais e de serviços. A especialização do jornalismo, com a criação de editorias específicas para a cobertura de negócios, faz com que a tarefa dos jornalistas interesse não à sociedade mas ao poder econômico. Muitas das notícias desses cadernos são as que servem ao interesse da empresa jornalística em sua relação com as empresas. Portanto, as editorias específicas tornam-se meios para a consecução das “necessidades” econômicas do veículo.

Integração - a autocensura, a lavagem cerebral, a cooptação ou a “compra” de jornalistas. Os jornalistas, ao aceitar todas as vertentes do jornalismo cor-de-rosa, desenvolvem uma autocensura, desenvolvendo uma tendência a gerar notícias de caráter comercial ou publicitário e evitar aquelas que contrariem os interesses do veículo para o qual trabalham. Marketing – Estratégias de marketing para atração de leitores. Os veículos de comunicação cuidam da forma, com produtos atraentes e audaciosos, mas com conteúdo “light”, sem compromisso com a informação. Empresários da comunicação e jornalistas são motivados por decisões de mercado.

Estética – a estetização como estratégia de persuasão. Ligado ao marketing, procura-se o impacto visual e o escândalo. Se a realidade não oferecer fatos interessantes e surpreendentes, a mídia trata de produzi-los.

A mídia, como já argumentando anteriormente, não consegue captar nem transmitir todos os acontecimentos. Há uma enorme demanda de pressão e, cada vez mais, são procuradas formas mais rápidas e de menor custo para a captação e produção de notícias. Esses subsídios incluem sugestões de histórias, releases de organizações, sites frases de porta-vozes, pseudo- eventos, conversas por satélite e relatórios de analistas. Pela perspectiva empresarial, há uma possibilidade muito grande de utilizar esses instrumentos para influenciar a agenda da mídia. O papel, na empresa, de influenciar a agenda da mídia é feito pelos relações públicas e assessores de imprensa, consultores ou funcionários. Berger (2001) analisa como as fontes empresariais influenciam a agenda da imprensa ao formatar a informação de acordo com as necessidades dos jornalistas. Situações dramáticas são performadas para tomar a atenção dos jornalistas.

Resende (2003) relata que o conceito contemporâneo de assessoria de imprensa surgiu, nos Estados Unidos, no início do século XX com Ivy Lee, um conhecido jornalista de Nova York, contratado pela família Rockfeller para tentar reverter a imagem dos empresários na época, chamados de “barões ladrões”. Lee fundou a primeira assessoria de imprensa. Outras vieram atrás, a ponto de, na 1ª Guerra Mundial, levantamentos em jornais de Nova York apontarem que metade das matérias publicadas nos jornais diários tinham origem nas assessorias de imprensa (ou relações públicas).

Sigal (1973) examinou os jornais The New York Times e Washington Post durante vinte anos e chegou à conclusão de que metade das reportagens era baseada em press releases ou em fontes de informação empresariais. Blyskal e Blyskal (1995) estimam que 50% das notícias do Wall Street Journal se originam em press releases ou pautas geradas por profissionais de relações públicas. Callison (2003) pesquisou os sites das 500 maiores empresas listadas pela

Fortune e chegou à conclusão que as empresas com salas de imprensa mais bem elaboradas

são aquelas consideradas de melhor reputação.

Resende (2003) defende que no Brasil o mesmo ocorre, ao afirmar que as assessorias transformaram-se em referência para os jornalistas. Na primeira metade do século XX, as assessorias eram concentradas mais no setor público do que no privado. Na década de 50, com a chegada ao Brasil das primeiras grandes multinacionais, o trabalho de assessoria de imprensa se dissemina no setor privado também. No Brasil, ao contrário de outros países, uma peculiaridade foi o fato de o trabalho de relacionamento com a mídia ser feito mais por jornalistas do que por profissionais de relações públicas.

Com o enxugamento das redações, no Brasil, também, os profissionais que permanecem têm menos tempo para buscar as informações. Há cada vez menos trabalho de investigação jornalística. As assessorias de imprensa acabam por representar o caminho mais curto, ao fornecer uma informação já formatada, dentro das técnicas jornalísticas. Os promotores de notícias procuram fazer com que as ocorrências coincidam com a necessidade de acontecimentos dos profissionais do campo jornalístico.

No estudo de Resende (2003), editores de jornais demonstraram aproveitar integralmente os press releases das empresas e utilizar as assessorias de imprensa como fonte na maioria de

suas matérias de negócios. O autor, em sua pesquisa, constatou que 53,7% das notícias em dois jornais do Espírito Santo tiveram origem nas informações distribuídas pelas empresas.

Mas o caminho não é unilateral: as empresas influenciam os jornalistas, que transformam a mensagem e impactam a forma de pensar e agir das empresas e de suas assessorias de imprensa (KIOUSIS; POPESCU; MITROOK, 2007).

Pesquisas mostram não só que as assessorias de imprensa e departamento de relações públicas pautam a agenda da mídia como também há espécies de estudos-manuais mostrando como se consegue melhor fazê-lo. Argenti e Forman (2002) citam pesquisa da PR Newswire, principal empresa mundial de relações públicas e assessoria de imprensa do que dá mais certo na estratégia de abordagem junto à imprensa. Na estratégia, citam os autores, o principal é falar com os jornalistas sem mostrar um interesse direto, dando idéias sobre outros assuntos de interesse da imprensa de forma a estreitar o relacionamento e abrir caminho para se colocar as histórias de interesse da empresa. Eles citam também como uma forma eficaz de relacionamento enviar mensagens personalizadas, para jornalistas que se conhece bem; e só enviar mensagens gerais em períodos de crise. Cottle (2003) analisa como a habilidade de ganhar espaço na mídia está na capacidade de compreender os valores e ideais dos jornalistas e entender a sua rotina.

Os autores recomendam que sejam medidos os sucessos e fracassos com a mídia no passado para se decidir sobre a estratégia futura e que se mapeie quem cobre e como cobre a empresa. Eles defendem que as empresas liguem a remuneração dos seus profissionais de relações públicas à avaliação do resultado de suas estratégias.

Leonhardt (2000) mostra como os empreendedores da Internet devem atuar por meio da mídia para legitimar os seus negócios:

1) Explicar como os serviços podem ser interessantes para o leitor

2) Colorir as notícias com histórias sobre pessoas, e não sobre microchips, produtos e serviços apenas.

3) Não debater com os jornalistas e reclamar de notícia desfavorável, e sim procurar ganhar o respeito e confiança dos jornalistas, nem que para isso precise admitir um erro (mostrando as boas intenções).

4) Se um jornalista fizer uma pergunta negativa, não repetir a linguagem negativa e sim transformar a resposta numa linguagem positiva.

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 60-66)