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A construção das histórias nas organizações

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 68-73)

2 REVISÃO DA LITERATURA – CONCEITOS E TEORIAS UTILIZADOS

2.7 A construção das histórias

2.7.1 A construção das histórias nas organizações

As organizações se legitimam e constroem a sua reputação com base na comunicação de suas histórias. As novas organizações fazem uso das narrativas até que as histórias que contam sejam consideradas a “verdade” e não mais questionadas. As organizações mais antigas precisam estar sempre reafirmando as suas histórias ou as transformando, de acordo com as circunstâncias do ambiente externo e dos seus recursos estratégicos.

A importância da linguagem para as organizações vem sendo bastante estudada, principalmente para a construção da identidade organizacional (menos enfoque tem sido dado para a importância das histórias contadas para os stakeholders externos e recontadas por estes). Boje, Oswick e Ford (2004) colocam a linguagem não apenas como um meio de descrever a realidade das organizações, mas sim como um meio de criação da realidade. A linguagem providencia um ponto de vista pelo qual se percebe e se conhece a realidade. Não quer dizer que não exista uma realidade extralingüística. A realidade existe, o contexto sócio- econômico está sempre presente. Mas as pessoas compreendem essa realidade a partir da linguagem verbal e textual, que dá significado para as organizações e seus atos.

Colocando o público externo à organização no centro da análise, a linguagem propicia aos

stakeholders de uma organização ter uma compreensão a partir de determinado ponto de vista.

E a linguagem também é um meio para a ação. Ela permite que a organização ganhe respaldo para tomar ações estratégicas (RINDOVA; BECERRA; CONTARDO, 2004).

Gabriel (2004) explicita como os fatos nunca falam por si próprios. São necessárias as narrativas e histórias para que os fatos sejam compreendidos. Os fatos ganham significado por meio das histórias. Mais: são construídos, aceitos ou contestados. O autor faz uma distinção entre texto, narrativa e história. Narrativas são tipos particulares de textos que envolvem cadeias temporais de eventos e ações tomadas por determinadas pessoas. Nas histórias, soma- se um elemento: o enredo. O enredo envolve personagens, seqüência e ação. Além disso, as histórias têm como característica a ambigüidade. Os personagens e eventos no enredo podem ser reais ou imaginários, o produto da experiência ou da fantasia. Há uma relação ambígua com a realidade e com a verdade. As histórias reivindicam que a realidade não apenas existe, que os fatos não apenas acontecem, mas que sua ocorrência está de acordo com um determinado enredo. As histórias contêm o privilégio narrativo da licença poética para manter a sua força, mesmo quando reivindicam representar a realidade. Essa licença poética é um contrato psicológico entre o contador da história e sua audiência, mas esse contrato pode ser

quebrado se o enredo falhar em dar significado ou não convencer em sua relação com a realidade. A história pode ter como base a experiência, e ajudar que se dê sentido a ela, ou então ser uma representação falsa, uma dissimulação, um abuso da licença poética e, portanto, mais passível de quebra de contrato entre o contador e a audiência. Mas há uma nuance nessa falsa representação: em alguns casos, a falsa representação pode ser considerada legítima; em outros, ilegítima. É o que o autor chama de “contrato narrativo”, o qual define e redefine continuamente quais os desvios legítimos e ilegítimos dos fatos que são permitidos pela audiência. Então, necessariamente, as histórias são narrativas frágeis.

O autor descreve oito dispositivos que operam nas histórias para conectar e dar sentido a diferentes partes da narrativa:

1 – Atribuição de motivo: é o mais importante; os indivíduos se transformam em agentes capazes de influenciar os eventos e buscar os seus objetivos.

2 – Atribuição de conexões causais: os eventos que primeiro aparecem causam os subseqüentes, numa relação simples e mecânica.

3 – Atribuição de responsabilidade: o crédito é atribuído a agentes específicos para os eventos positivos, assim como a culpa, no caso dos eventos negativos. A possibilidade de eventos terem relação com o acaso ou um acidente são mínimas.

4 – Atribuição de unidade: pessoas e objetos são tratados sem distinção e, portanto, podem substituir uns aos outros num enredo. Um pode representar a todos na história.

5 - Atribuição de qualidades fixas: indivíduos e objetos são considerados detentores de qualidades naturais e supernaturais (por exemplo, força, inteligência) imutáveis, a não se que o enredo exija alguma transformação.

6 – Atribuição de emoção: a emoção está presente nas ações e frequentemente está relacionada à atribuição de motivo.

7 – Atribuição de agência: objetos inanimados tais como máquinas e o tempo são considerados capazes de ação de uma maneira motivada.

8 – Atribuição de importância: um evento está de acordo com os requisitos de justiça ou injustiça, como se fosse arquitetado por uma inteligência superior benevolente ou malevolente, ou pelo destino.

Para Gabriel (2004), o uso desses dispositivos faz com que os fatos sejam usados plasticamente para caber no enredo – e determinados eventos e personagens tornam-se mais

importantes do que outros. Alguns eventos e personagens são tirados da história, apesar de sua proximidade com os eventos e personagens incluídos. Outros eventos e personagens são importantes apenas em alguns aspectos do enredo e depois perdem a importância. Ocorre também a fusão de dois ou mais personagens ou eventos, diminuindo a sua complexidade. E, por fim, eventos e personagens são representados numa única versão, aquela exigida pelo enredo. No caso das organizações, existe um elemento freqüente presente nas histórias que é a racionalidade. As explicações racionais dispensam, muitas vezes, o suporte da cronologia.

Na abordagem estruturalista da narrativa, que se utiliza aqui, o pressuposto é que existem estruturas básicas que fornecem sentido a qualquer texto, tornando-os narrativas – e, com a presença de enredos, histórias. Robichaud (2003) segue a teoria de Algirdas Julius Greimas para mostrar como funciona a estrutura da narrativa. Basicamente, há sempre sujeitos e objetos relacionados, com posições e papéis definidos, e também há sempre algum tipo de transformação, ou várias transformações. A relação entre sujeitos e objetos implica autoridade e/ou delegação e o objeto é dotado de valor. Há um desejo premente entre sujeito e objeto. A figura do oponente é freqüente na narrativa. É a partir do oponente que o sujeito encontra a sua identidade. A aquisição de um objeto de valor por parte do sujeito implica na privação do oponente do mesmo objeto – ou vice-versa. No segundo aspecto levantando pelo autor, são citadas quatro transformações: manipulação, competência, performance e sanção. Na manipulação, o sujeito recebe e aceita uma tarefa ou obrigação de alguém. A manipulação envolve autoridade ou a persuasão que faz o sujeito tomar uma ação, que é carregada de sentido. De forma a agir, o sujeito é transformado em um agente competente para desempenhar a transformação que está no centro do enredo. Seu poder e suas capacidade são construídos de tal forma que ele se transforma num herói. Assim, na transformação denominada competência, o sujeito recebe essa capacidade (por meio de objetos físicos ou não, tais como conhecimento e informação) e dá prova de sua habilidade e conhecimento. A performance acontece quando o sujeito transforma o estado das coisas, da situação inicial indesejada para a final, desejada, conseguindo atingir o seu objetivo, cumprir a sua missão. É o ápice da narrativa, pois o sujeito nas outras transformações foi preparado para esta, ao ser manipulado e tornado competente. Na sanção, o sujeito recebe os cumprimentos pelo seu sucesso (ou a punição, caso falhe). Há um sistema de valores nesse julgamento e, nesse final, a audiência vai interpretar a história como legítima ou não.

Um elemento presente nas histórias, particularmente nas histórias que as organizações contam de forma a causar uma impressão em suas diferentes audiências, é a retórica. A retórica usa a narrativa para a persuasão e envolve contingências, incertezas e ambigüidades (CHENEY ET AL., 2004). Essas características estão mais presentes em momentos de crise, mas permanecem em toda a construção da imagem e identidade organizacional. Mas, devido às próprias características das organizações, que procuram gerar um efeito positivo nos

stakeholders, as histórias sempre são permeadas por ambigüidades, com a presença do dito e

o não dito, o que se diz e o que se pratica, a voz explícita e a voz implícita (ALVES; BLIKSTEIN, 2006).

São várias as estratégicas retóricas, de acordo com Cheney et.al. (2004), tais como: identificação (juntar assuntos), diferenciação (separar assuntos ou tirar a responsabilidade da organização), justaposição (colocar um assunto depois do outro, com conexão justificável apenas para o enredo), ambigüidade estratégica (mostrar a incerteza), negação (dizer que o assunto não é relevante), minimização (de um assunto), reificação (tratar algo como sólido e imutável), saliência (enfatizar a importância de um assunto), distração (tentar mover a atenção para outro assunto), desculpa (usar desculpas e justificativas pelas ações passadas, admitindo que foram prejudiciais), propaganda (sugerir que apenas uma visão é admissível).

Para Boje (1991), as histórias são utilizadas pela cúpula das empresas com suas diferentes audiências, de formas distintas, reconstruindo as histórias passadas como reforço do sucesso e mudança em relação aos fracassos. Cada participante da audiência tem “direito” a versões e detalhamentos diferentes da história. As omissões são importantes para dar margem a interpretações, mistificações e fazer com que a audiência se sinta parte formadora das histórias. Em tempos de turbulência no ambiente, os diretores das organizações utilizam as histórias, com seu apelo vibrante, para afastar as atenções do ambiente em torno.

A visão das histórias como instrumento de poder, de exclusão de vozes dissonantes, permeia os estudos de Boje. Em sua análise sobre as histórias contadas por múltiplas vozes na corporação Disney, vozes dominantes e rejeitadas, Boje (1995) faz uma desconstrução da empresa de entretenimento, mostrando como sua história pode ser diferente de acordo com quem conta. Walt Disney pode ser um herói ou vilão; a sua empresa, libertadora ou opressora. A história oficial muda ao longo do tempo, de fruto de uma mente criativa e batalhadora para uma grande família, e, posteriormente para uma empresa eficiente. O processo de

desconstrução ajuda a entender como a história oficial foi montada, a partir das vozes não oficiais.

Golant e Sillince (2007) mostram como, a partir das histórias, as organizações se legitimam. As organizações são compreendidas e legitimadas cognitivamente a partir da tradução, por meio da narrativa, em atividades coerentes e características, intenções e conquistas bem- definidas. Nas histórias, estão incluídos atributos de agência que podem incluir as modalidades de obrigação, desejo, conhecimento e competência. A obrigação inclui o contexto social. O desejo trata da vontade e responsabilidade do protagonista em enfrentar a situação. O conhecimento e a competência dão o suporte para que o protagonista enfrente o desafio e vença os oponentes ou obstáculos para, enfim, encontrar um final feliz.

As modalidades de obrigação e desejo são consideradas a fase manipuladora do esquema narrativo, pois a necessidade e desejo implicam num contexto e num pretexto para a ação. As modalidades de conhecimento e competência fazem parte da fase de competência da história. Tratam-se dos atributos necessários para atingir o objetivo. Então vêm as fases subseqüentes: o desempenho e a recompensa pelo desempenho. Com a construção da narrativa, a organização acaba por ser vista como um ser autônomo com um preciso e distinto programa de ação. Traços da autoria são apagados no processo de legitimação. Para que a legitimação se efetive, a organização precisa ser percebida como uma representação válida e plausível dos interesses, valores e crenças das audiências almejadas.

Para Vaughn (1995), as histórias são baseadas em eventos reais e incluem detalhes verdadeiros e ficcionais. As histórias exemplificam ideais e propósitos comuns e funcionam como mapas que permitem aos indivíduos se localizar e buscar objetivos em comum. As histórias comunicam simbolicamente normas e valores de uma organização e definem o seu caráter.

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 68-73)